21.8.06

“Há várias formas de fazer MPB.
Eu prefiro todas.”


Nos anos 70, os festivais de música popular brasileira não tinham mais a mesma força que na década anterior e os artistas então revelados não mais buscavam reconhecimento, sendo já bastante admirados pelo público. Ao mesmo tempo, a censura abria suas asas e soltava suas feras, em dias nem tão dançantes, de tanta mentira, tanta força bruta...

Foi nesse cenário que a gravadora Phonogram, atual Universal, reuniu seu especial elenco de cantores, os quais representavam o que havia de melhor na MPB à época (e ainda hoje) e realizou o memorável encontro batizado de Phono 73, no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, durante três dias do ano de 1973. Essa histórica apresentação foi lançada, em 2005, em uma caixa com dois CD’s e um DVD, este último, infelizmente, sem a íntegra dos shows, mas apenas 36 minutos de imagens ainda inéditas, entre apresentações e bastidores, tudo o que conseguiu ser recuperado do material filmado na época. Embora a qualidade do som, tecnicamente falando, não seja tão boa e assincronismos entre som e imagem sejam bem perceptíveis em alguns trechos do vídeo, isso não compromete a coleção, que vale pela reunião de tantos talentos, em performances tão ousadas e inovadoras, que fazem o nosso século XXI parecer bem careta em frente àqueles tempos, aos olhos de quem assiste.

O melhor momento do show, registrado no DVD, é quando Chico Buarque e Gilberto Gil aparecem em uma das primeiras apresentações públicas da canção "Cálice", de autoria dos dois, recém-composta. Censurada, a música não podia ser executada em ambientes públicos. Foi então que Gil, com toda sua perspicácia e imaginação, começou a cantar a melodia, emitindo sons vocais por ele inventados, em substituição à letra da música e Chico respondeu, cantando apenas seu inofensivo refrão. Tudo ia bem, até que Chico pôs um "arroz à grega" no meio da letra, em alusão ao fato de que os jornais da época, quando tinham suas matérias censuradas, colocavam em seu lugar receitas culinárias. Foi o suficiente para cortarem o som do seu microfone durante a apresentação (nesse dia, colocaram um censor esperto para acompanhar o show, mas nem tanto, como veremos a seguir), ao que ele protestou ao final da música, dizendo que esse corte não estava programado e era desnecessário ("Estava no programa que eu não posso cantar a música Cálice nem Anna de Amsterdam. Não vou cantar nenhuma das duas, mas desligar o som não precisava não"), o que ficou registrado, graças ao som da mesa de áudio, que permaneceu ligado ("Cálice" só pôde ser gravada em LP no ano de 1978, num dos melhores discos de Chico, que continha, além dessa, outras duas músicas que haviam sido liberadas para execução naquela ocasião: "Apesar de você" e "Tanto mar"). Ao cantar, depois, a música Baioque, de sua autoria, ele diz: "Vamos ao que pode", momento também registrado no CD.

Como todo autoritarismo é irracional e incoerente e o censor não era tão esperto assim (ou só tinha ouvidos pra o bicho-papão Chico), apesar da proibição de "Cálice", permitiu-se que o conjunto MPB-4 cantasse a música "Pesadelo" (ver letra ao final do texto), de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, de letra bem contundente e direta.

Alguns cantores apresentaram-se, sozinhos ou em duplas, em exibições bonitas, polêmicas, contestadoras ou provocantes (não necessariamente nessa ordem, nem fora dela): Caetano Veloso incorporou com sensibilidade e perfeição o sertanejo, ao cantar "A Volta da Asa Branca", de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, quase sem acompanhamento, apenas (?) sua voz e depois dividiu o palco com o cantor "popular" Odair José sob vaias da platéia, ao que respondeu chamando o evento de "Caphono 73" e dizendo que "não existe nada mais Z do que público classe A"; Maria Bethânia e Gal Costa, belas e sensuais com suas barriguinhas de fora, cantaram juntas a bela "Oração de Mãe Menininha", de Dorival Caymmi, beijando-se na boca ao final e Sérgio Sampaio, autor de "Eu quero é botar meu bloco na rua", em uma de suas poucas aparições públicas, fez coreografia um tanto quanto despudorada, considerando-se que naquela época não se estava acostumado com boquinhas da garrafa nem tampouco com vizinhos querendo comer coelhinhos, como hoje em dia. O DVD exibe, ainda, participações de nada menos que Toquinho e Vinícius, Elis Regina e Raul Seixas, entre outros.

O manifesto do evento falava da diversidade da nossa música e da necessidade de se aceitarem todas as formas de expressão, "porque negá-las seria negar comunidades inteiras". E citava uma frase de Gilberto Gil, a qual sintetizava o espírito do festival (que, não por acaso, tinha como subtítulo "O canto de um povo"), e que vem norteando toda sua notável carreira: "Há várias formas de fazer música brasileira. Eu prefiro todas".



PESADELO (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro)

Quando o muro separa uma ponte une
Se a vingança encara o remorso pune
Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua ela um dia é nossa
Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós, olha aí

Você corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto
De repente olha eu de novo
Perturbando a paz, exigindo troco
Vamos por aí eu e meu cachorro
Olha um verso, olha o outro
Olha o velho, olha o moço chegando
Que medo você tem de nós, olha aí

O muro caiu, olha a ponte
Da liberdade guardiã
O braço do Cristo, horizonte
Abraça o dia de amanhã, olha aí

12.8.06

As duas faces do terror


Certamente, você lembra onde estava no dia 11 de setembro de 2001, um dia de muita angústia, incerteza, tristeza e medo para todos nós. A cena dos aviões chocando-se contra os dois prédios do World Trade Center, em Nova York, nos Estados Unidos, é impressionante, quem a viu nunca vai esquecer e, por mais que você a reveja, não consegue conceber tamanha tragédia. Em frações de segundos, centenas de vidas, nos aviões e nos prédios, acabaram-se e, em poucos minutos, outras milhares também, com a queda das torres. Foram quase três mil mortos e apenas vinte pessoas resgatadas com vida dos escombros. Parecia um filme de guerra, de ficção ou de terror, algo difícil de se esquecer. Parecia um filme e agora é isso também ...

Na semana em que a Inglaterra prendeu supostos suspeitos de planejarem ataques terroristas contra aviões que fazem a rota entre Londres e cidades americanas e há cinco anos dos atentados contra os maiores prédios de Nova York, foi lançado, nos Estados Unidos, o filme "World Trade Center" (traduzido como "Torres Gêmeas", no Brasil), de Oliver Stone que, além de "Platoon", sobre a guerra do Vietnã, dirigiu o filme "JFK – a pergunta que não quer calar", entre outros, e pretende, com este novo filme, dar ao episódio uma visão de esperança e luta em vez de morte e destruição. O filme conta a história real de dois sobreviventes dos atentados, John McLoughlin e Will Jimeno, os quais faziam parte, à época, da polícia de Nova York e que, ao tentarem salvar a vida dos que se encontravam dentro do World Trade Center após o choque dos aviões, acabaram se tornando, também, vítimas, ficando durante horas sob os escombros de uma das duas torres. No elenco, Nicolas Cage como John McLoughlin e Michael Pena, destaque em "Crash – No limite", como Will Jimeno.

O filme, que estréia no Brasil em outubro de 2006, é todo feito do ponto de vista dos dois policiais e, por isso, não mostra os aviões chocando-se contra as torres (que ironicamente situavam-se na Liberty Street), mas sim a angústia e o desespero de quem estava dentro dos prédios após o choque e antes dos desabamentos. Ao optar por mostrar o drama das vítimas, sem, também, analisar politicamente o fato, o diretor agradou à maioria dos espectadores (o filme foi considerado "patriótico" por alguns críticos americanos e foi bem recebido pela maioria da população de Nova York), mas perdeu a oportunidade de mostrar, também, ao mundo que, assim como o WTC tinha duas torres, o terrorismo tem duas faces. Sobre o mesmo tema, o canal de TV por assinatura GNT exibe os documentários "O Centro do Mundo" e "Uma História de Duas Torres", a partir do próximo dia 28 de agosto.

Nada justifica um ato de tamanha insanidade, mas é certo que, com a conivência e o apoio americanos, ou mesmo independente deles, atrocidades semelhantes são cometidas diariamente, em vários cantos do mundo, mas, como não acontecem em locais que têm próximos de si a Quinta Avenida, a Broadway, a Estátua da Liberdade ou a Wall Street, não recebem a mesma atenção da comunidade internacional. Ademais, depois desse triste episódio, milhares de outras vidas inocentes também foram (e continuam sendo) perdidas, no Afeganistão, no Iraque, no conflito entre Israel e Palestina e agora no Líbano, com a presença, o apoio ou simplesmente a indiferença dos Estados Unidos, em guerras insensatas, que não levam a nada e que nunca terminam. Tais guerras só fazem aumentar o ódio contra este país norte-americano, que está em maus lençóis (ou burcas), pois, diferentemente da Guerra Fria, que se autodissolveu, com o fracasso do regime comunista nos países do leste europeu, a guerra atual é de fundo religioso, da parte dos muçulmanos (embora um tanto quanto racista por parte dos americanos) e religião é algo bastante precioso para a população islâmica, a qual não se restringe a um só país, fazendo com que o terrorismo seja um inimigo permanente, disperso, oculto, apátrida e, por tudo isso, difícil de ser combatido, tornando esta uma espécie de guerra eterna e de difícil solução. Antes fosse apenas uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade fosse mera coincidência.

Página oficial do filme: www.wtcmovie.com.