Emplacar música em trilha sonora de novelas é bom para os dois
lados. De um lado, cantor, compositor e gravadora. De outro, autor,
atores e emissora. No meio, um público satisfeito. A gravadora Som
Livre percebeu essa harmonia e, desde o início da década de 70,
passou a ser responsável pela criação e comercialização de
trilhas sonoras das novelas da Rede Globo. Três décadas
depois, em 2001, a gravadora relançou vinte trilhas nacionais de
novelas, na coleção Vale a Pena Ouvir de Novo, entre elas
Gabriela. Nos últimos dias, a Globo iniciou a exibição
da nova versão dessa novela, baseada em obra do escritor Jorge
Amado, cujo centenário de nascimento comemora-se este ano.
Comparações entre esta refilmagem e a versão original de 1975 surgiram naturalmente, a
começar por quem é a “melhor” Gabriela. Um aspecto, porém, não
suscitou comparações, por ter-se mantido equivalente nas duas
versões: a trilha sonora, uma das melhores da teledramaturgia
brasileira, mantida em sua maior parte e em suas gravações
originais. Até melhorou: nove canções foram mantidas, saíram
quatro e entraram outras sete, entre elas Lamento sertanejo, uma das obras-primas de Gilberto
Gil e Dominguinhos, que tem bastante a ver com o perfil do folhetim,
assim como Tema de amor de Gabriela (“Chega mais
perto, moço bonito / Chega mais perto, meu raio de sol / A minha
casa é um escuro deserto / Mas com você ela é cheia de sol”),
composta por Tom Jobim para a adaptação da obra para o cinema.
O período em que foi exibida a primeira versão de Gabriela*
coincide com o surgimento de novos talentos na música popular
brasileira, representantes de uma geração que, se teve a difícil
missão de suceder aquela da era dos festivais, com a
responsabilidade de manter o nível, pegou a MPB já amaciada,
sobrevivente à revolução da Bossa nova, ao rolo compressor
da Jovem guarda e à sacudidela tropicalista e, por
conseguinte, mais aberta a novidades. Dessa turma, estão presentes
no disco Fafá de Belém (Filho da Bahia), Djavan (Alegre menina**) e João
Bosco (Doces olheiras).
O disco começa com a singular interpretação de Maria Bethânia
para Coração ateu, de Sueli Costa (“O meu coração
ateu quase acreditou / Na sua mão que não passou de um leve adeus /
Breve pássaro pousado em minha mão / Bateu asas e voou”).
Como foram, quase todas, compostas especialmente para a novela,
registradas exclusivamente em sua trilha sonora, as canções de
Gabriela reproduzem perfeitamente a atmosfera da obra de Jorge
Amado, o que enriquece ainda mais o trabalho. Muitas delas têm a mão
de um Caymmi, melhor tradução musical do universo do escritor
baiano. De Dorival, tem Adeus
(por Walker), Horas (por Quarteto em Cy) e o tema de abertura
da novela, Modinha para Gabriela (por Gal Costa). De Dori,
Porto
(por MPB-4) e Alegre menina (por Djavan), esta em inusitada
parceria com Jorge Amado.
Moraes Moreira – à época recém-saído dos Novos baianos,
iniciando carreira solo -, Elomar, Alceu Valença e Geraldo Azevedo
representavam o bloco dos nordestinos que despontariam com bastante
força naquela década, no mercado musical brasileiro. A instrumental
Guitarra baiana, de Moraes, pode não soar familiar
no nome, mas é uma das músicas mais conhecidas da trilha, que
acompanha várias cenas e é a cara da novela. O mesmo ocorre com a
também (quase) instrumental São Jorge dos Ilhéus, de Alceu. O compositor
pernambucano também está presente numa parceria com o conterrâneo
Geraldo Azevedo, interpretada por este, um clássico da dupla,
Caravana
(“Corra, não pare, não pense demais, repare essas velas no
cais, que a vida é cigana, é caravana, é pedra de gelo ao sol,
degelou teus olhos tão sós, num mar de água clara”).
Para quem imagina que letra de música com conotação, digamos,
sexual ainda não existia quando nós viemos para esse mundo e ainda
não atinávamos em nada, Walter Queiroz responde com Quero ver
subir, quero ver descer (adaptação:
D.P. / R. Santana), que contém versos bem semelhantes a
algumas canções dos dias atuais, como: “A mulata é faceira,
bota a mão nas cadeiras, bota a mão nos olhinhos, bota a mão no
queixinho, bota a mão no umbiguinho, bota a mão no lelelê, cadê
você?”, ou ainda: “Bê-a-bá, bê-e-bé, bê-i-bi, quero
ver as cadeiras bulir”. O cantor também está presente na
trilha como compositor, com Filho da Bahia, interpretada por
Fafá de Belém (É dele, ainda, Feijãozinho com torresmo, sucesso na voz de Maria
Creuza).
* A primeira adaptação televisual de Gabriela,
cravo e canela, obra de Jorge Amado com maior
número de traduções, na verdade, foi ao ar no início da década
de 60, poucos anos depois da publicação do livro, na extinta TV
Tupi, antes,
portanto, da versão da Rede Globo, que tinha Sônia Braga no papel
principal, de 1975.
O que fizeste sultão de minha alegre menina
Palácio real lhe dei, um trono de pedrarias
Sapato bordado a ouro, esmeraldas e rubis
Ametista para os dedos, vestidos de diamantes
Escravas para servi-la e um lugar no meu dossel
E a chamei de rainha e a chamei de rainha
O que fizeste sultão de minha alegre menina
Só desejava a campina, colher as flores do mato
Só desejava um espelho de vidro pra se mirar
Só desejava do sol calor para bem viver
Só desejava o luar de prata pra repousar
Só desejava o amor dos homens pra bem amar
Só desejava o amor dos homens pra bem amar
No baile real levei a tua alegre menina
Vestida de realeza, com princesas conversou
Com doutores praticou, dançou a dança faceira
Bebeu o vinho mais caro, mordeu fruta estrangeira
Entrou nos braços do rei, rainha mais verdadeira
Entrou nos braços do rei, rainha mais verdadeira
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