29.8.11

Os finos e as finas da fossa

(música de fossa: é triste, mas é assim mesmo)

Música de fossa costuma ser menosprezada por parte dos consumidores musicais, como obra de menor valor, muitas vezes, inclusive, confundida com o que se costuma chamar de brega, conceito, aliás, um tanto frouxo e relativo. Àquelas mais antigas, anteriores à decada de 60, a impostação de voz típica dos cantores de então contribuía para conferir um ar ainda mais austero e melancólico. 

Nesse sentido, o brega, mesmo sendo um estilo também propício a temas voltados a arroubos sentimentais, contrapõe-se ao gênero de fossa, por fazer uso de uma abordagem, em geral, menos pesada, negativa e triste nas canções, entoadas com um estilo de voz mais suave, próprio da fase pós-bossa-nova.

Alguns teóricos musicais afirmam que o estilo brega surgiu como uma derivação da Jovem Guarda e suas canções de cunho romântico. O termo, em si, tornou-se comum apenas nos anos 80, mas o conceito já existia nas décadas anteriores (em vez de brega, cafona), ou desde a época das cavernas, considerando-se tal conceito associado ao preconceito, algo inerente ao ser humano. Foi depois da Jovem Guarda e da revolucionária década de 60, porém, que uma cisão fez-se irreversível, deixando em lados opostos os cantores cultuados pelas camadas mais e menos abastadas da população.

A rápida mudança de costumes e o consequente conflito de gerações ocorridos nos anos 60 fizeram com que os conceitos de bom e mau gosto se confundissem com os de novo e antigo. Foi aí que surgiu, também, o termo música popular brasileira (MPB), para designar um dos lados (o brega, então, seria a MPPB, ou ainda, o lado B da MPB). Mas, deixemos de choro e voltemos à fossa...

Como o ato de expor sentimentos é algo, em geral, mais ligado ao sexo feminino, as cantoras de fossa sempre superaram, em número, os cantores. Waleska e Maysa, por exemplo, dividem o título de rainha da fossa, que poderia ser outorgado, também, a Núbia Lafayette, Nora Ney, entre outras (a tendência ao arroubo ou excesso começa, literalmente, nos nomes, com seus k, w, y marcantes). A despeito dessa predominância feminina na discussão de assuntos sentimentais (incluindo, aí, a famosa D.R., bicho-papão para os homens), vêm de compositores do sexo masculino algumas das canções mais fundo de poço da música popular brasileira. 

Esta noite eu queria que o mundo acabasse (Silvinho), famosa na voz de Núbia Lafayette, é uma delas: “Esta é a noite da minha agonia, é a noite da minha tristeza, por isso eu quero morrer”. Ninguém me ama*, dos pernambucanos Antônio Maria (vai ver que é pelo Maria no nome) e Fernando Lobo (pai de Edu Lobo), é campeã no estilo e, também, ideal para momentos de fossa, a começar do título, recitado logo no início, como a revelar a lamúria que vem pela frente. De fracasso em fracasso, da primeira à última estrofe, segue o martírio, até chegar ao limite suportável, nos versos finais, onde o suplício vai chegando ao fim, junto com a canção e o cansaço: “... cansaço da vida, cansaço de mim, velhice chegando e eu chegando ao fim”.

Outra representante do lado sombrio de Antônio Maria é Se eu morresse amanhã, páreo duro no ranking das mais melancólicas: “Se eu morresse amanhã de manhã, não faria falta a ninguém. Eu seria um enterro qualquer, sem saudade, sem luto também”. Cabe, ainda, citar a bela Canção da Volta (com Ismael Neto), que, entre versões definitivas como a de Dolores Duran, marcou minha geração na voz de Fafá de Belém, cuja interpretação forte e sensível, de emoção sincera e desmedida como pede a música, merece ser comparada àquela de Elis para Atrás da porta.

Curioso e engraçado é o fato de Maria ser, também, compositor de frevos, ritmo carnavalesco que passa longe de momentos tristes (os seus, nem tanto, falam de saudade). É dele a série de frevos número 1, 2 e 3 do Recife, que, encantadores, fazem jus a seus nomes. Vai ver ele compunha as canções de fossa nas quartas-feiras de cinzas...



* Ningúem me ama (Antônio Maria / Fernando Lobo)

Ninguém me ama, ninguém me quer
Ninguém me chama de meu amor
A vida passa e eu sem ninguém
E quem me abraça não me quer bem

Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso
E hoje descrente de tudo me resta o cansaço
Cansaço da vida, cansaço de mim
Velhice chegando e eu chegando ao fim

9.8.11

Orações descoordenadas e insubordinadas para todos os períodos – quarta edição

(Não se preocupe, isso passa, é só uma frase)

“Questão de fé: a razão de um terço resulta num dízimo periódico.”

“A permanência de Mubarak no Egito custaria Cairo.”

“Ainda não caiu a Ficha Limpa.”

“Crime ambiental: tira tirânico bota botânico em estado vegetativo.”

“Progresso insustentável: no canto de um canteiro, na calada da noite, silenciosamente, uma muda teme por seu futuro.”

“Regras conjugais e suas conjugações verbo-nominais: a norma que armando lia pra valéria valeria se lia estivesse armando contra norma.”

“Dinheiro de corrupção não é da nossa conta.”

“David Boi e Mick Jegue são ícones do roça’n roll.”

“Decadência do impropério romano: primeiro-sinistro em tentativa frustrada de transferência de poder da itália para a genitália.”

“Com a licença poética vencida, a palavra segue presa.”

“Remédio para coração. Para para pensar... Atento à diferença de para para para, o melhor remédio é não arriscar.”

“Miocárdio: cada real gasto é convertido em pontos de safena.”

“Ame o próximo, mas, antes, ame o atual.”

“A higiene dental sem fio utiliza o padrão yellowtooth.”

“Em assuntos polêmicos, depois do palpite vem a palpitação.”

“Amor sustentável é aquele que se recicla, buscando o equilíbrio.”

“Aposentadoria é quando os ossos do ofício pegam osteoporose.”

“A razão é um cobertor curto, que se toma só pra si, daí o egoísta estar sempre coberto de razão.”

“O mar morto devia se chamar marasmo.”

“Piada de português: o português comete erro de português, o brasileiro, não.”

“Nada acontece em vão, a não ser no MASP.”

“Vendo minha alma. Não me pergunte a que preço. Pergunte-me com que olhos.”

“Noite é mais tarde do que tarde, mas tarde da noite é mais tarde do que noite.”

“Supremo sacramenta união homoafetiva: mudança de Ayres.”

“Acorde ao nascer do sol. Acorde quando lá surgir. Acorde em dó-ré-mi-fá. Acorde ao cair em si. Acorde.”

“Um rei nunca perde Sua Majestade. A não ser que caia na real e largue a coroa.”

“Programa do Windows é como elevador: antes de entrar, verifique se o mesmo encontra-se parado.”

“Teorema de Buckingham: "De olho na vida real, o povo esquece a vida real".”

“Um quarto de homens e mulheres tem armário (falo de cômodos). Menos de um quarto, porém, sai do armário (falo de incômodos).”

“Quem tem burca vaia França.”

“Françamente! Depois de furtar a riqueza dos colonos, quer furtar aos colonos a riqueza. Esquece que o trem da história tem duplo sentido...”

“Quando não estou com insônia, estou com sônia: ela é a mulher dos meus sonhos.”