Música de fossa
costuma ser menosprezada por parte dos consumidores musicais, como
obra de menor valor, muitas vezes, inclusive, confundida com o que se
costuma chamar de brega, conceito, aliás, um tanto frouxo e
relativo. Àquelas mais antigas, anteriores à decada de 60, a
impostação de voz típica dos cantores de então contribuía para
conferir um ar ainda mais austero e melancólico.
Nesse sentido, o brega,
mesmo sendo um estilo também propício a temas voltados a arroubos
sentimentais, contrapõe-se ao gênero de fossa, por fazer uso de uma
abordagem, em geral, menos pesada, negativa e triste nas canções,
entoadas com um estilo de voz mais suave, próprio da fase
pós-bossa-nova.
Alguns teóricos
musicais afirmam que o estilo brega surgiu como uma derivação da
Jovem Guarda e suas canções de cunho romântico. O termo, em
si, tornou-se comum apenas nos anos 80, mas o conceito já existia
nas décadas anteriores (em vez de brega, cafona), ou desde a época
das cavernas, considerando-se tal conceito associado ao preconceito,
algo inerente ao ser humano. Foi depois da Jovem Guarda e da
revolucionária década de 60, porém, que uma cisão fez-se
irreversível, deixando em lados opostos os cantores cultuados pelas
camadas mais e menos abastadas da população.
A rápida mudança de
costumes e o consequente conflito de gerações ocorridos nos anos 60
fizeram com que os conceitos de bom e mau gosto se confundissem com
os de novo e antigo. Foi aí que surgiu, também, o termo música
popular brasileira (MPB), para designar um dos lados (o brega,
então, seria a MPPB, ou ainda, o lado B da MPB). Mas, deixemos de
choro e voltemos à fossa...
Esta
noite eu queria que o mundo acabasse (Silvinho), famosa na
voz de Núbia Lafayette, é uma delas: “Esta é a noite da minha
agonia, é a noite da minha tristeza, por isso eu quero morrer”.
Ninguém me ama*, dos pernambucanos
Antônio Maria (vai ver que é pelo Maria no nome) e Fernando Lobo
(pai de Edu Lobo), é campeã no estilo e, também, ideal para
momentos de fossa, a começar do título, recitado logo no início,
como a revelar a lamúria que vem pela frente. De fracasso em
fracasso, da primeira à última estrofe, segue o martírio, até
chegar ao limite suportável, nos versos finais, onde o suplício vai
chegando ao fim, junto com a canção e o cansaço: “... cansaço
da vida, cansaço de mim, velhice chegando e eu chegando ao fim”.
Outra representante do
lado sombrio de Antônio Maria é Se
eu morresse amanhã, páreo duro no ranking das mais
melancólicas: “Se eu morresse amanhã de manhã, não faria
falta a ninguém. Eu seria um enterro qualquer, sem saudade, sem luto
também”. Cabe, ainda, citar a bela Canção
da Volta (com Ismael Neto), que, entre versões definitivas
como a de Dolores
Duran, marcou minha geração na voz de Fafá de Belém, cuja
interpretação forte e sensível, de emoção sincera e desmedida
como pede a música, merece ser comparada àquela de Elis para Atrás
da porta.
Curioso e engraçado é
o fato de Maria ser, também, compositor de frevos, ritmo
carnavalesco que passa longe de momentos tristes (os seus, nem tanto, falam de saudade). É dele a série de
frevos número 1,
2 e 3 do
Recife, que, encantadores, fazem jus a seus nomes. Vai ver ele
compunha as canções de fossa nas quartas-feiras de cinzas...
*
Ningúem me ama (Antônio Maria / Fernando Lobo)
Ninguém me ama, ninguém me quer
Ninguém me chama de meu amor
A vida passa e eu sem ninguém
E quem me abraça não me quer bem
Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso
E hoje descrente de tudo me resta o cansaço
Cansaço da vida, cansaço de mim
Velhice chegando e eu chegando ao fim
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