O contexto político local
explica - ou termina de explicar - a força da música dos anos 60 e
80 em nosso país. À revolução cultural que representou os anos 60
ao redor do mundo, somou-se, aqui, as mudanças provocadas pelo golpe
militar. Os anos 80, por sua vez, seguiram o sopro alegre da brisa de
liberdade que se anunciava e substituía um ufanismo forçado e
pré-fabricado por uma real sensação de pertencimento a uma pátria,
num significado mais amplo do que apenas o país onde nascemos.
Se, por um
lado, o devastador sucesso comercial do rock brasileiro dos anos 80
freou um pouco o espaço reservado a outros estilos, sobretudo à
MPB, por outro fez com que a música nacional voltasse a ocupar a
maior parte do tempo das rádios, o que não ocorria nos dias
dançantes da década anterior. Naquela época, as ondas sonoras
ainda seguiam o vento que soprava do hemisfério norte e reverberavam
a máxima jurácyca de
que “o que é bom para os Estados Unidos, é
bom para o Brasil”. A despeito da grande
qualidade dos cantores nacionais de então, a música desse país
norte-americano, ou das nações de língua inglesa em geral,
imperava em todos os sentidos.
A liberdade política e os
bons ventos surgidos com a redemocratização ajudaram nessa retomada
do topo das paradas por parte da música brasileira ou, no mínimo,
levaram-na a uma disputa menos desigual por esse posto. A banda
brasileira RPM, por exemplo, vendeu mais de dois milhões de
cópias do disco Rádio pirata ao vivo. Esse vento tropical
teve como zona de convergência o eixo Rio-São Paulo, passando por
Brasília. O nordeste, que sempre revelara talentos e, pouco antes,
promovera um novo deslocamento de eixo com Fagner, Alceu Valença,
Elba e Zé Ramalho, entre outros, dessa vez teve menor participação,
revelando apenas o grupo baiano Camisa de Vênus.
Outra característica do
movimento repetiu a tendência roqueira de uma maior presença
masculina, algo estranho a um país acostumado a grandes vozes
femininas. Estrelas do rock sempre brilharam solitárias e, nos anos
80, não foi diferente, com a porção mulher do pop-rock, bem
representada por Paula Toller, Marina Lima e Dulce Quental, abrindo
espaço entre os super-homens. Em comum, o fato de serem cariocas e
compositoras. Fernanda Abreu, à época fazendo backing vocal
na banda Blitz, também destacou-se depois, como cantora, em
carreira solo.
Dulce
Quental iniciou na banda Sempre Livre,
composta apenas por mulheres e depois seguiu carreira solo. Ficou
conhecida por sucessos como Fui eu, Caleidoscópio
(ambas de Herbert Vianna), Eu sou free e Natureza
humana*, essa última uma
versão de Jorge e Waly Salomão para Human
nature, de Michael Jackson. É dela a
canção-tributo a Cazuza, O poeta está vivo
(com Frejat).
Outro destaque dos anos 80
foi Marina Lima. Marina, de cara, ganhou o aval de Caetano Veloso -
que dividiu com ela os vocais de Nosso estranho amor - e recebeu elogios de Tom Jobim, ao
cantar, com ele, Lígia**, especialmente para um programa da Rede Globo. Também
participou do especial Mulher 80, como revelação, entre
outras grandes intérpretes femininas, já consagradas. De estilo
original, como intérprete e como compositora, logo conseguiu seu
espaço em meio à avalanche de novas bandas que surgiam. Tinha como
parceiro mais constante o irmão Antônio Cícero, poeta e letrista.
Marina faz
parte do grupo de artistas da década de 80 que permaneceram em
atividade até hoje, sempre produzindo bons trabalhos. Acaba de
lançar Clímax, que
tem boas parcerias com compositores das gerações seguintes, Adriana
Calcanhoto, Samuel Rosa e Karina Buhr, ex-integrante da ex-banda
feminina pernambucana Comadre Florzinha (na abertura do carnaval
recifense deste ano, as duas interpretaram, juntas, Voltei
Recife, numa versão
interessante e diferente).
Depois de
Wanderléa nos anos 60 e Rita Lee na década seguinte, Paula Toller
foi a musa do pop-rock
dos anos 80. Se a primeira iniciou a carreira na companhia de Roberto
e Erasmo Carlos e a segunda com os irmãos Sérgio e Arnaldo
Baptista, Paula Toller, no Kid Abelha, também tinha a companhia de
seus abóboras selvagens, numa formação semelhante à dos Mutantes,
com instrumentistas masculinos comandados por uma voz feminina (o
mesmo ocorria com o grupo Metrô, contemporâneo do Kid, que tinha a
cantora Virginie como vocalista).
Paula, de
voz agradável, especializou-se em letras leves, de cunho
sentimental, acompanhadas de melodias ora românticas, ora dançantes.
Pelas más línguas, a bela e hoje quase cinquentona era chamada de
Paula Tolla, vocalista
da banda Q.I. de Abelha.
Línguas que, não obstante, namoraram e dançaram ao som de suas
músicas. É dela um dos dois mais inusitados e enigmáticos versos
da música da época: Tira essa bermuda, que
eu quero você sério (Como
eu quero***). Os segredos
de liquidificador (Codinome
beija-flor), de Cazuza,
constituem o outro mistério.
Existem
duas interpretações básicas para o primeiro enigma, que despertou
a curiosidade até de Chico Buarque. Na primeira, mais comum, “tira
essa bermuda” conteria um pedido implícito
de trocá-la por uma vestimenta mais composta, a qual levaria à
seriedade. Na segunda, a mesma expressão, dessa vez interpretada
literalmente, sugeriria a nudez como uma forma de atingir a
seriedade, o que provocou o questionamento de Chico, em encontro
musical com a cantora esfinge, em 85, quando cantaram juntos Dueto.
Quanto ao liquidificador, segredos são segredos...
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