27.5.12

Anos dançantes

Nos anos 70, vários talentos que despontaram na década anterior e mudaram os rumos de nossa música, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Roberto Carlos, Elis Regina, Rita Lee, Edu Lobo, Maria Bethânia, Gal Costa e outros, atingiam o auge de suas carreiras, numa profusão de trabalhos impecáveis. Na segunda metade dessa década, porém, uma onda vinda do exterior passou a dividir os acordes com essa música popular brasileira que se encontrava num de seus períodos mais férteis e de maior qualidade: a disco music, inspirada na black music, mas sem uma identificação exclusiva com o movimento negro.

Donna Summer, Gloria Gaynor e os grupos Abba e Bee Gees foram alguns de seus maiores expoentes. As músicas, recheadas de mensagens otimistas, falavam de superação, de dança e movimento. Nas letras em inglês, era bem comum o uso dos verbos dance (dançar) e shake (agitar, balançar): You can dance, you can jive, having the time of your life (Dancing queen - Abba), There is movement all around (…) On the waves of the air, there is dancin' out there (Night fever – Bee Gees), Feel the city breakin' and everybody shakin' and you're stayin' alive (Staying alive – Bee Gees), Let's dance, this last dance tonight (Last dance – Donna Summer). E mais: You should be dancing, Shake your booty, Dance and shake your tambourine. Mas as letras eram o que menos importava...

Interessante, também, certas considerações de gênero nas letras de algumas canções, em se tratando de um estilo marcado justamente pela quebra de paradigmas que reforçam as diferenças sexuais, seja no comportamento, no vestuário ou mesmo na dança, sem a figura do homem como condutor. Considerações como I'm so glad that I'm a woman e I've got to be a macho man conviviam em harmonia e davam a deixa: I am what I am and what I am needs no excuses. Estávamos conversados.

Assim como a Jovem Guarda foi inspirada num estilo que veio de fora do país e representou um contraponto a composições mais elaboradas da MPB, o mesmo ocorreu na década seguinte, com a chamada disco music, embora a variante local deste estilo, representada por nomes como As Frenéticas, Lady Zu e Miss Lene, tenha sido bem menos forte do que aquela do movimento dos anos 60. Por aqui, o estilo musical representou, também, o fim da era das músicas políticas ou de protesto e abriu as portas para os menos políticos, mas não menos extravagantes anos 80, cujas calças bag, camisas coloridas e ombreiras devem muito às meias coloridas de lurex, saltos plataforma e calças boca-de-sino dos 70.

As novas tribos de então, em meio a sinais de fumaça de gelo seco, queriam apenas cair na gandaia. Em vez de boate ou balada, discotecas, como a Studio 54, de Nova York, EUA e, aqui no Brasil, a Dancin' days, do Rio de Janeiro. A casa noturna carioca, de propriedade do produtor musical Nelson Motta e citada por Caetano Veloso em Tigresa – uma ode à atriz Sônia Braga (… Que gostava de política em mil novecentos e sessenta e seis e hoje dança no frenetic Dancin' days) – equivalia ao que representou o Circo Voador, também no Rio, para os anos 80 e inspirou uma canção homônima (do próprio Nelson Motta), síntese do lema da casa, “dance bem, dance mal, dance sem parar”.

A discoteca inspirou a música e ambas inspiraram uma novela da Rede Globo que marcou época, Dancin' days (1978), de Gilberto Braga, com Sônia Braga como protagonista, cuja trilha internacional era repleta de sucessos das pistas de dança e cujo tema de abertura era a citada canção de Nelson Motta, de mesmo nome, interpretada por um grupo musical criado por ele, As Frenéticas. O grupo era formado apenas por mulheres, que trabalhavam como garçonetes na referida casa, entre elas Regina Chaves, que foi casada com Chico Anysio, Sandra Pêra, irmã da atriz Marília Pêra e cunhada de Nelson Motta e Duh Moraes, para os mais novos, a tia Nastácia da versão mais recente do Sítio do Picapau Amarelo.

O ritmo das discotecas inspirava danças e coreografias que, cada vez mais, passavam a fazer parte do pacote musical. No cinema, os musicais Até que enfim é sexta-feira (1978), com Donna Summer no elenco e na trilha sonora (Oscar de melhor canção com Last dance) e, principalmente, Os embalos de sábado à noite (1977), com várias canções do grupo Bee Gees e que revelou o talento de John Travolta como dançarino, ajudaram a consolidar o ritmo dos fins de semana ao redor do mundo. Estava escrito para a posteridade, em letras de néon: há mais coisas entre os requebros de Elvis e os de Madonna do que supõe a van de Ed Motta.


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12.5.12

Laralaísmos

Li, certa vez, texto que exaltava o laralaiá e suas variações - presentes em várias de nossas canções populares - e mencionava suas ligações mais fortes com o samba. Nas palavras do autor, Daniel Brazil, “Não são aqueles laralaiás que só substituem trechos da letra, mas que tem melodia própria, personalidade e autonomia. Momentos em que o compositor pára, pensa, e diz: - Aqui vou colocar um laralaiá de responsa, pra todo mundo cantar!”. O artigo falava de laralaiás clássicos, como os de Chico Buarque em Quem te viu, quem te vê: Hoje o samba saiu, laralaiáe Minha história: Minha mãe se entregou a esse homem perdidamente, laialaiá (este, segundo o texto, só existe na versão em português da canção original italiana). O assunto é bem interessante e dá muitos panos pras mangas musicais, então, vamos lá laralaiá...

Além do artifício óbvio de cobrir trechos de letras de canções olvidados por nossos ouvidos, o laralaiá e outros termos afins, em geral, suavizam as canções e tornam a interpretação musical menos automática, mecânica e mais emocional, natural, humana, sendo esta sua principal função. E é justamente essa proximidade com o humano e suas emoções que nos toca. A arte imitando a vida. Ao mesmo tempo, o laralaísmo é o que mais diferencia o canto da linguagem falada. Afinal, ninguém costuma dizer coisas do tipo: “passa o açúcar, lalalá” (nem em jantar dançante).

Nesse aspecto de expressar sentimentos, o recurso do laralaiá tem função semelhante às interjeições, os ais e uis, igualmente comuns em canções (As rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti, ai), em que cumprem a função de cobrir ou completar trechos melódicos com propriedade e poesia. Como canta Geraldo Azevedo, O charme das canções são suas frases banais, são seus ais, seus uis e ão”*. Tais interjeições estão até em nome de música, como Ai ai ai, de Vanessa da Mata e ôÔÔôôÔôÔ, de Thaís Gulin.

Quando entoado no começo, o laralaiá dá o tom da canção, não apenas no sentido musical, mas quanto a seu estilo. É o que acontece, por exemplo, em Caminhando (Pra não dizer quenão falei das flores), em que o tom de protesto que a canção carrega nos versos seguintes é suavizado pelo laralaiá inicial de Geraldo Vandré. Chico Buarque, em Se eu soubesse, utiliza-o como uma forma mais criativa de reticências, que incorpora rima e cadência: Mas acontece que eu saí por aí e aí, larari, lariri, enquanto o de Vinícius de Moraes, em Pela luz dos olhos teus, é substantivado, com uso dos mesmos requintes: Meu amor juro por Deus que a luz dos olhos meus já não pode esperar / Quero a luz dos olhos meus na luz dos olhos teus sem mais lararará.

Em Prometemos não chorar, clássico do brega, o lá lalalá lalá permeia toda a música, em meio a um chororô não prometido, mas cumprido e a comentários esnobes da fria figura masculina incorporada pelo cantor Barros de Alencar. Dorival Caymmi e Luiz Gonzaga, gênios da simplicidade, também utilizaram com propriedade esses elementos em suas canções, vide Saudade da Bahia: Ai, ai, que saudade eu tenho da Bahia, do primeiro ou Estrada de Canindé: Ai, ai, que bom, que bom, que bom que é..., A triste partida (Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo, viver como escravo no norte e no sul, ai, ai, ai, ai) e o laiá laiá laiá laiá do refrão de Qui nem jiló, do segundo. 

O yeah está mais ligado à linguagem pop, mais universal, como em She loves you (yeah, yeah, yeah), dos Beatles. Por aqui, foi bem empregado, por exemplo, em Fácil, do grupo Jota Quest: Um dia feliz, às vezes, é muito raro, yeeeeeeah. Algumas variações do laralaiá são, também, universais e caem bem noutras línguas. O lailalai do refrão de The boxer (Simon & Garfunkel), por exemplo, toca mais fundo do que qualquer verso que viesse a estar em seu lugar. O mesmo aplica-se ao lalalá (ou nananá) final de Hey Jude, que encerra o sentido metafórico da letra, de deixar uma canção penetrar no coração e, assim, torná-la melhor

Roberto Carlos, com o fim da Jovem Guarda, rompeu a fronteira entre o iê iê iê (ou yeah yeah yeah) e o laralaiá, logo no início dos anos 70, na introdução de Todos estão surdos. Anos depois, em Guerra dos meninos, usou deste artifício como uma canção dentro da canção: Quando em minha porta alguém tocou / Sem que ela se abrisse ele entrou / E era algo tão divino, luz em forma de menino / Que uma canção me ensinou / lá lá lá lá lá lá. Nosso saudoso e amado mestre Chico Anysio exalta, em Rio antigo (Como nos velhos tempos): O Lamartine me ensinando um lalalalalá gostoso e termina essa ode maravilhosa à cidade idem com outro laraiá, igualmente inspirado, que fecha a música com clave de ouro.

Dentre as opções, os ais são especiais e bem luso-brasileiros. O dicionário inFormal, que se apresenta como um dicionário on-line de português onde as palavras são definidas pelos usuários, faz curiosa referência à diferença entre ai, ai - geralmente usado em situações de conforto ou prazer – e ai, ai, ai ou ai, ai, ai, ai, ai, em geral usados para alertar, indicar cuidado ou mesmo recriminar. De fato, em Ive Brussel, de Jorge (ainda) Ben, os ais repetidos, adquirem uma conotação de prazer: Que naquele dia você foi tudo, foi demais pra mim, ai, ai. Sozinho, o ai remete a desejo, lamento: Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal / Ai, que saudade d'ocê. Em linguagem atual: ai, se eu te pego é diferente de ai, ai, se eu te pego, a primeira expressão, um anseio, a segunda, um devaneio.



* O charme das canções (uis e ais) (Geraldo Azevedo / Capinan)

O charme das canções
São suas frases banais
São seus ais, seus uis e ão
Coisa de fazer sorrir
A triste noiva do faquir
Coisa de fazer sonhar
A moça do novo andar
Coisa de fazer parar
O chofer do caminhão
São seus ão meus ais e uis
Coisa de fazer chorar
A natureza morta
O charme das canções
São eu te amo
Tua traição teus punhais
E ai, Jesus, são seus uis
Meus ão e ais
São Jamais, jasmins ou nunca
São nunca mais ou querer teus beijos
Ou serão teus beijos, sempre
E sempre mais
São seus ais, seus uis e ão
Coisas que entortam
Um certo coração