Li,
certa vez, texto que exaltava o laralaiá
e
suas variações - presentes em várias de nossas canções populares
- e
mencionava suas ligações mais fortes com o samba.
Nas palavras do autor, Daniel Brazil, “Não
são aqueles laralaiás que só substituem trechos da letra, mas que
tem melodia própria, personalidade e autonomia. Momentos em que o
compositor pára, pensa, e diz: - Aqui vou colocar um laralaiá de
responsa, pra todo mundo cantar!”.
O artigo falava de laralaiás
clássicos, como os de Chico Buarque em Quem te viu, quem te vê:
Hoje
o samba saiu, laralaiáe
Minha história: Minha mãe se entregou a esse homem perdidamente,
laialaiá (este,
segundo o texto, só existe na versão em português da canção
original italiana). O
assunto é bem interessante e dá muitos panos pras mangas musicais,
então, vamos lá laralaiá...
Além
do artifício óbvio de cobrir trechos de letras de canções
olvidados por nossos ouvidos, o laralaiá
e outros termos afins, em geral, suavizam as canções e
tornam a interpretação musical menos automática, mecânica e mais
emocional, natural, humana, sendo esta sua principal função. E é
justamente essa proximidade com o humano e suas emoções que nos
toca. A arte imitando a vida. Ao
mesmo tempo, o laralaísmo
é o que mais diferencia o canto da linguagem falada. Afinal, ninguém
costuma dizer coisas do tipo: “passa o açúcar, lalalá”
(nem em jantar dançante).
Nesse
aspecto de expressar sentimentos, o recurso do laralaiá
tem função semelhante às interjeições, os ais
e uis, igualmente
comuns em canções (As rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que
roubam de ti, ai), em que
cumprem a função de cobrir ou completar trechos melódicos com
propriedade e poesia. Como canta Geraldo Azevedo, “O charme das canções são suas frases banais, são seus ais, seus
uis e ão”*. Tais interjeições
estão até em nome de música, como Ai ai ai, de Vanessa da Mata e
ôÔÔôôÔôÔ,
de Thaís Gulin.
Quando entoado no
começo, o laralaiá dá o tom da canção, não apenas no
sentido musical, mas quanto a seu estilo. É o que acontece, por
exemplo, em Caminhando (Pra não dizer quenão falei das flores),
em que o tom de protesto que a canção carrega nos versos
seguintes é suavizado pelo laralaiá inicial de Geraldo
Vandré. Chico Buarque, em Se eu soubesse, utiliza-o como uma forma mais criativa de
reticências, que incorpora rima e cadência: Mas acontece
que eu saí por aí e aí, larari, lariri,
enquanto o de Vinícius de Moraes, em Pela luz dos olhos teus, é
substantivado, com uso dos mesmos requintes: Meu amor juro
por Deus que a luz dos olhos meus já não pode esperar / Quero a luz
dos olhos meus na luz dos olhos teus sem mais lararará.
Em
Prometemos não chorar, clássico do
brega, o lá lalalá lalá
permeia toda a música, em meio a um chororô não prometido, mas
cumprido e a comentários esnobes da fria figura masculina
incorporada pelo cantor Barros de Alencar. Dorival Caymmi e Luiz
Gonzaga, gênios da simplicidade, também utilizaram com propriedade
esses elementos em suas canções, vide Saudade da Bahia: Ai, ai,
que saudade eu tenho da Bahia,
do primeiro ou Estrada de Canindé: Ai,
ai, que bom, que bom, que bom que é..., A triste partida
(Faz
pena o nortista, tão forte, tão bravo, viver como escravo no norte
e no sul, ai, ai, ai, ai) e o laiá laiá laiá laiá
do refrão de Qui nem jiló, do segundo.
O yeah está
mais ligado à linguagem pop, mais universal, como em She loves you (yeah, yeah, yeah), dos Beatles. Por
aqui, foi bem empregado, por exemplo, em Fácil,
do grupo Jota Quest: Um dia feliz, às vezes, é muito
raro, yeeeeeeah. Algumas
variações do laralaiá
são, também, universais e caem bem noutras línguas. O lailalai
do refrão de The boxer
(Simon & Garfunkel), por exemplo, toca mais fundo do que qualquer
verso que viesse a estar em seu lugar. O mesmo aplica-se ao lalalá
(ou nananá) final de
Hey Jude, que encerra o sentido
metafórico da letra, de deixar uma canção penetrar no coração e,
assim, torná-la melhor
Roberto
Carlos, com o fim da Jovem Guarda,
rompeu a fronteira entre o iê iê iê
(ou yeah yeah yeah) e
o laralaiá, logo no
início dos anos 70, na introdução de Todos estão surdos. Anos depois,
em Guerra dos meninos, usou deste
artifício como uma canção dentro da canção: Quando em
minha porta alguém tocou / Sem que ela se abrisse ele entrou / E era
algo tão divino, luz em forma de menino / Que uma canção me
ensinou / lá lá lá lá lá lá. Nosso
saudoso e amado mestre Chico Anysio exalta, em Rio antigo (Como nos velhos tempos):
O Lamartine me ensinando um lalalalalá gostoso
e termina essa ode maravilhosa à cidade idem com outro laraiá,
igualmente inspirado, que fecha a música com clave de ouro.
Dentre as opções, os
ais são especiais e bem luso-brasileiros. O dicionário inFormal, que se apresenta como um dicionário
on-line de português onde as palavras são definidas pelos
usuários, faz curiosa referência à diferença entre ai, ai
- geralmente usado em situações de conforto ou prazer – e ai,
ai, ai ou ai, ai, ai, ai, ai, em geral usados para
alertar, indicar cuidado ou mesmo recriminar. De fato, em Ive Brussel, de Jorge (ainda) Ben, os ais repetidos,
adquirem uma conotação de prazer: Que naquele dia você foi
tudo, foi demais pra mim, ai, ai. Sozinho, o ai remete a
desejo, lamento: Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal / Ai, que saudade d'ocê. Em linguagem atual: ai, se eu te pego
é diferente de ai, ai, se eu te pego, a primeira expressão,
um anseio, a segunda, um devaneio.
* O charme das canções (uis e ais) (Geraldo Azevedo / Capinan)
O charme das canções
São suas frases banais
São seus ais, seus uis e ão
Coisa de fazer sorrir
A triste noiva do faquir
Coisa de fazer sonhar
A moça do novo andar
Coisa de fazer parar
O chofer do caminhão
São seus ão meus ais e uis
Coisa de fazer chorar
A natureza morta
O charme das canções
São eu te amo
Tua traição teus punhais
E ai, Jesus, são seus uis
Meus ão e ais
São Jamais, jasmins ou nunca
São nunca mais ou querer teus beijos
Ou serão teus beijos, sempre
E sempre mais
São seus ais, seus uis e ão
Coisas que entortam
Um certo coração
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