12.5.12

Laralaísmos

Li, certa vez, texto que exaltava o laralaiá e suas variações - presentes em várias de nossas canções populares - e mencionava suas ligações mais fortes com o samba. Nas palavras do autor, Daniel Brazil, “Não são aqueles laralaiás que só substituem trechos da letra, mas que tem melodia própria, personalidade e autonomia. Momentos em que o compositor pára, pensa, e diz: - Aqui vou colocar um laralaiá de responsa, pra todo mundo cantar!”. O artigo falava de laralaiás clássicos, como os de Chico Buarque em Quem te viu, quem te vê: Hoje o samba saiu, laralaiáe Minha história: Minha mãe se entregou a esse homem perdidamente, laialaiá (este, segundo o texto, só existe na versão em português da canção original italiana). O assunto é bem interessante e dá muitos panos pras mangas musicais, então, vamos lá laralaiá...

Além do artifício óbvio de cobrir trechos de letras de canções olvidados por nossos ouvidos, o laralaiá e outros termos afins, em geral, suavizam as canções e tornam a interpretação musical menos automática, mecânica e mais emocional, natural, humana, sendo esta sua principal função. E é justamente essa proximidade com o humano e suas emoções que nos toca. A arte imitando a vida. Ao mesmo tempo, o laralaísmo é o que mais diferencia o canto da linguagem falada. Afinal, ninguém costuma dizer coisas do tipo: “passa o açúcar, lalalá” (nem em jantar dançante).

Nesse aspecto de expressar sentimentos, o recurso do laralaiá tem função semelhante às interjeições, os ais e uis, igualmente comuns em canções (As rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti, ai), em que cumprem a função de cobrir ou completar trechos melódicos com propriedade e poesia. Como canta Geraldo Azevedo, O charme das canções são suas frases banais, são seus ais, seus uis e ão”*. Tais interjeições estão até em nome de música, como Ai ai ai, de Vanessa da Mata e ôÔÔôôÔôÔ, de Thaís Gulin.

Quando entoado no começo, o laralaiá dá o tom da canção, não apenas no sentido musical, mas quanto a seu estilo. É o que acontece, por exemplo, em Caminhando (Pra não dizer quenão falei das flores), em que o tom de protesto que a canção carrega nos versos seguintes é suavizado pelo laralaiá inicial de Geraldo Vandré. Chico Buarque, em Se eu soubesse, utiliza-o como uma forma mais criativa de reticências, que incorpora rima e cadência: Mas acontece que eu saí por aí e aí, larari, lariri, enquanto o de Vinícius de Moraes, em Pela luz dos olhos teus, é substantivado, com uso dos mesmos requintes: Meu amor juro por Deus que a luz dos olhos meus já não pode esperar / Quero a luz dos olhos meus na luz dos olhos teus sem mais lararará.

Em Prometemos não chorar, clássico do brega, o lá lalalá lalá permeia toda a música, em meio a um chororô não prometido, mas cumprido e a comentários esnobes da fria figura masculina incorporada pelo cantor Barros de Alencar. Dorival Caymmi e Luiz Gonzaga, gênios da simplicidade, também utilizaram com propriedade esses elementos em suas canções, vide Saudade da Bahia: Ai, ai, que saudade eu tenho da Bahia, do primeiro ou Estrada de Canindé: Ai, ai, que bom, que bom, que bom que é..., A triste partida (Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo, viver como escravo no norte e no sul, ai, ai, ai, ai) e o laiá laiá laiá laiá do refrão de Qui nem jiló, do segundo. 

O yeah está mais ligado à linguagem pop, mais universal, como em She loves you (yeah, yeah, yeah), dos Beatles. Por aqui, foi bem empregado, por exemplo, em Fácil, do grupo Jota Quest: Um dia feliz, às vezes, é muito raro, yeeeeeeah. Algumas variações do laralaiá são, também, universais e caem bem noutras línguas. O lailalai do refrão de The boxer (Simon & Garfunkel), por exemplo, toca mais fundo do que qualquer verso que viesse a estar em seu lugar. O mesmo aplica-se ao lalalá (ou nananá) final de Hey Jude, que encerra o sentido metafórico da letra, de deixar uma canção penetrar no coração e, assim, torná-la melhor

Roberto Carlos, com o fim da Jovem Guarda, rompeu a fronteira entre o iê iê iê (ou yeah yeah yeah) e o laralaiá, logo no início dos anos 70, na introdução de Todos estão surdos. Anos depois, em Guerra dos meninos, usou deste artifício como uma canção dentro da canção: Quando em minha porta alguém tocou / Sem que ela se abrisse ele entrou / E era algo tão divino, luz em forma de menino / Que uma canção me ensinou / lá lá lá lá lá lá. Nosso saudoso e amado mestre Chico Anysio exalta, em Rio antigo (Como nos velhos tempos): O Lamartine me ensinando um lalalalalá gostoso e termina essa ode maravilhosa à cidade idem com outro laraiá, igualmente inspirado, que fecha a música com clave de ouro.

Dentre as opções, os ais são especiais e bem luso-brasileiros. O dicionário inFormal, que se apresenta como um dicionário on-line de português onde as palavras são definidas pelos usuários, faz curiosa referência à diferença entre ai, ai - geralmente usado em situações de conforto ou prazer – e ai, ai, ai ou ai, ai, ai, ai, ai, em geral usados para alertar, indicar cuidado ou mesmo recriminar. De fato, em Ive Brussel, de Jorge (ainda) Ben, os ais repetidos, adquirem uma conotação de prazer: Que naquele dia você foi tudo, foi demais pra mim, ai, ai. Sozinho, o ai remete a desejo, lamento: Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal / Ai, que saudade d'ocê. Em linguagem atual: ai, se eu te pego é diferente de ai, ai, se eu te pego, a primeira expressão, um anseio, a segunda, um devaneio.



* O charme das canções (uis e ais) (Geraldo Azevedo / Capinan)

O charme das canções
São suas frases banais
São seus ais, seus uis e ão
Coisa de fazer sorrir
A triste noiva do faquir
Coisa de fazer sonhar
A moça do novo andar
Coisa de fazer parar
O chofer do caminhão
São seus ão meus ais e uis
Coisa de fazer chorar
A natureza morta
O charme das canções
São eu te amo
Tua traição teus punhais
E ai, Jesus, são seus uis
Meus ão e ais
São Jamais, jasmins ou nunca
São nunca mais ou querer teus beijos
Ou serão teus beijos, sempre
E sempre mais
São seus ais, seus uis e ão
Coisas que entortam
Um certo coração

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