
“Ô, ô, saudade, saudade tão grande ...” (Antônio Maria) - A despeito de uma limitada divulgação nacional nos dias atuais, o frevo já viveu uma época de ouro, quando tocava e era tocado em todo o país, contando com o apoio de uma gravadora pernambucana, a Rozenblit, especialista em lançamentos do gênero, que saíam aos montes e com qualidade, principalmente quando o carnaval se aproximava. Compositores como Antônio Maria, Nelson Ferreira, Capiba e Edgar Moraes criavam canções que reverenciavam seus blocos preferidos e a eles declaravam amor fiel. Em algumas, prostituíam-se, declarando-se a vários ao mesmo tempo, como em “Valores do passado”, uma escalação do dream-team dos blocos de frevo, alguns deles ainda em atividade, como o “Bloco das flores”, fundado em 1921.
“Saudade que eu sinto do Clube das Pás, do Vassouras, passistas traçando tesouras nas ruas repletas de lá” (Antônio Maria) - Se a dança é derivada dos passos da capoeira, inventados pelos negros, a sonoridade e o instrumental são atribuídos a bandas marciais. Os primeiros clubes de frevo, como o “Clube das pás”, o “Vassourinhas” e o “Lenhadores”, datam do final do século XIX e continuam existindo até hoje. Como não se sabe ao certo quando a festa começou, escolheu-se, recentemente, como data de criação do frevo, o dia 9 de fevereiro de 1907, quando registrou-se a primeira referência à dança com este nome.
“Pode acabar o petróleo, pode acabar a vergonha, pode acabar tudo enfim, mas deixem o frevo pra mim” (Capiba) - No ano de seu centenário, o frevo foi registrado como patrimônio cultural imaterial do país, no livro das formas de expressão. Entre as características que justificaram tal registro, estão sua riqueza e simplicidade, singularidade e diversidade, e seu caráter libertário de resistência, a princípio apenas social, posto que surgiu entre os negros recém-libertados e, posteriormente, também cultural, diante da globalização do mercado musical.
“É lindo ver o dia amanhecer com violões e pastorinhas mil...” (Getúlio Cavalcanti) - O frevo é dividido em três gêneros principais. O frevo-de-rua é instrumental, executado por orquestras de metais e é o mais vivaz e ligeiro. Quando ganhou letra, virou frevo-canção, o mais abrangente e variado. O frevo-de-bloco, por sua vez, tem um ritmo mais suave e é geralmente executado por um coral de vozes femininas, acompanhado por uma orquestra de instrumentos de pau e corda.
“É de fazer chorar quando o dia amanhece e obriga o frevo a acabar ...” (Luiz Bandeira) - O processo de aculturação e discriminação por que passou Pernambuco com o golpe militar, refletiu, também, ou sobretudo, na área cultural, abandonada nos anos que se seguiram. O carnaval do Recife foi sumindo aos poucos, até chegar, ao final da década de 70, praticamente morto, restrito às comunidades. Blocos tradicionais de frevo, maracatu e caboclinho dispunham de pequena subvenção e desfilavam para um mirrado público no centro da cidade.
“Ei pessoal, vem moçada, carnaval começa no Galo da Madrugada” (José Mário Chaves) - Diante deste quadro, em 1979, fundou-se o “Clube de Máscaras Galo da Madrugada”, na intenção de reviver os velhos carnavais pernambucanos. O bloco foi, durante muito tempo, o único do carnaval recifense a atrair um grande público, crescente a cada ano. Hoje, embora não seja mais o único a cantar, o Galo segue seu grandioso desfile nos bairros de São José e Santo Antônio, abrindo o carnaval, no sábado de Zé Pereira, acompanhado por uma multidão.
“Entre confetes e serpentinas venho te oferecer com alegria o meu amor ...” (Clídio Nigro / Clóvis Vieira) - Ao mesmo tempo, Olinda virou reduto de resistência à dissolução das manifestações culturais do carnaval pernambucano. Blocos irreverentes foram criados, com nomes e hinos fazendo referência à situação política do país, como: “Eu acho é pouco”, “Siri na lata” e “Nóis sofre mais nóis goza” (este último no Recife), que se juntaram a blocos tradicionais da cidade como “Pitombeira dos Quatro Cantos”, “Elefante de Olinda” e aos seus tradicionais bonecos gigantes. O título de patrimônio cultural da humanidade, recebido pela cidade em 1982, contribuiu para dar maior visibilidade aos festejos nesta cidade.
“Batidas de bombos são maracatus retardados, chegando à cidade cansados, com seus estandartes no ar” (Antônio Maria) - Um evento conseguiu atravessar, incólume, o marasmo em que se encontrava o carnaval do Recife, tornando-se uma de suas maiores referências na mídia: a “Noite dos Tambores Silenciosos”, cerimônia que reproduz o ritual de escravos, suas preces e loas em busca de proteção, e reúne as mais tradicionais nações de maracatu de baque-virado, entre elas algumas fundadas ainda na época do império, antes da abolição da escravatura, como o “Nação Elefante”, de 1800 e o “Leão Coroado”, de 1863. Tais maracatus têm como características as figuras do rei e rainha, a religiosidade e os ritmos percussivos, de influência negra, bastante ligados à resistência da raça à situação vigente na época.
“Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu ...” (Caetano Veloso) - A inclusão de instrumentos eletrônicos nas orquestras foi viabilizada com a invenção do trio elétrico, quando compositores como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Moraes Moreira deram nova energia ao ritmo. Mas, se em Pernambuco o frevo era ligado aos antigos carnavais e pouco se produzia de novo, o ritmo foi perdendo espaço também na Bahia, com o surgimento do samba-reggae e da axé-music, no início dos anos 90.
“Vem fazer parte desse cordão, Recife tem um lugar pra você dentro do coração” (Sérgio Andrade / Zezinho Franco) - Na década de 80, contribuíram para o ressurgimento do carnaval recifense as apresentações da Banda de Pau e Corda na praia de Boa Viagem e o projeto “Asas da América”, do compositor Carlos Fernando, que tentou recuperar a vivacidade e a energia de um frevo que vinha perdendo as forças e incentivou uma nova geração de artistas a compor e interpretar frevos-canção, entre eles Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho.
“Modernizar o passado é uma evolução musical” (Chico Science) - Em meados da década passada, dois outros fatores possibilitaram a revalorização da cultura popular pernambucana: a revitalização do outrora abandonado bairro do Recife, a qual viabilizou uma estrutura mais profissional, necessária ao evento e o rufo dos tambores, o eco das alfaias, a repercussão da percussão de Chico Science e Nação Zumbi, que se uniu ao som dos clarins de momo. Também passaram a receber mais atenção e destaque antigas manifestações culturais do interior do estado, como o maracatu rural, de Nazaré da Mata; os papangus, de Bezerros; os caboclinhos, de Goiana e os caretas, de Triunfo.
“Quero sentir a embriaguez do frevo, que entra na cabeça, depois toma o corpo e acaba no pé ...” (Luiz Bandeira) - O nome frevo vem de ferver e quem ouve os gritos e pulos da multidão, parecendo pessoas em ebulição logo aos primeiros acordes de “Vassourinhas”, espécie de hino do carnaval pernambucano, entende bem o porquê. A música faz uso de requintes de crueldade: começa de repente, sem introdução, sem preparar os corações dos pobres foliões e segue divertindo-se com a surpresa e as conseqüentes perdas de controle e compostura dos mesmos, presas fáceis, indefesas, vítimas emocionadas, enlouquecidas. Doidos varridos por vassourinhas que levantam a poeira e seguem causando impacto, bagunçando tudo, lavando suas almas, até terminarem a faxina, com a sensação do dever cumprido.
“E frevo ainda, apesar da quarta-feira, no cordão da saideira, vendo a noite se enfeitar ...” (Edu Lobo).