15.4.09

Formas simples pra falar de amor

Entre as décadas de 50 e 60, o rock começou a fazer barulho pelo mundo, revelando expoentes como Elvis Presley nos Estados Unidos e os Beatles na Inglaterra. Paralelamente a esse burburinho, o Brasil calava-se diante da Bossa Nova e seu novo paradigma de interpretação e composição. Pouco depois, questões políticas nacionais exacerbaram uma dicotomia lado A – lado B, expandindo-a para a música, até que os tropicalistas, ao olharem de lado para a categorização, deixarem de lado o preconceito e colocarem lado a lado os dois lados, fizeram tudo virar um saudável clipe sem nexo, meio bossa nova e rock’n roll.

Quem viveu a adolescência nesse período entre meados das duas décadas, além de vivenciar as mudanças inerentes a essa etapa da vida, presenciou aquelas por que passou a música e, certamente, não saiu ileso. O cantor e compositor Roberto Carlos foi um desses jovens. Iniciou a carreira nessa época, cantando no estilo da recém-surgida Bossa Nova, mas, logo em seguida, deixou o barquinho correr e criou o movimento que ficou conhecido como Jovem Guarda, inspirado no tal do rock. Não obstante, sempre foi figura benquista em todo o meio artístico, com amigos como o tropicalista Caetano Veloso e o bossanovista Ronaldo Bôscoli, que foi produtor de seus shows junto com Miele.

Em seu marcante LP de 1971, quando Caetano estava no exílio em Londres, Roberto gravou uma canção dele - Como dois e dois - e outra para ele, Debaixo dos caracóis dos seus cabelos*, que faz sutil referência ao exílio, como uma espécie de Sabiá (esta inspirada na Canção do Exílio, de Gonçalves Dias) a cantar em outra freguesia, a da Jovem Guarda. Em discos posteriores, gravou, também de Caetano, Muito romântico e Força estranha. Ainda no quesito homenagem, no qual, como diria Carlos Imperial, ele era dez, nota dez, compôs pro parceiro Erasmo Carlos (Amigo), pra seus pais (Meu querido, meu velho, meu amigo e Lady Laura) e talvez seja o único compositor a lembrar a categoria das tias (Minha tia).

O cantor, que está completando 50 anos de carreira, lançou, em 1959, seu primeiro trabalho, um compacto simples (que, pra quem não sabe, era uma miniatura de LP, ainda assim fisicamente um pouco maior que um CD, contendo duas músicas). Dois anos depois, lançou o primeiro LP, Louco por você, o único que ainda não autorizou a ser relançado em CD. Nesse disco, havia várias canções de Carlos Imperial (o tal do “dez, nota dez!”) e versões de músicas estrangeiras. No segundo LP, iniciou a parceria com Erasmo Carlos, com Parei na contramão e outra.

Durante quatro anos, apresentou, junto com Erasmo e Wanderléa, o programa Jovem Guarda, na tv Record. Várias canções de Roberto e Erasmo tornaram-se marcos desse período, como Quero que vá tudo pro inferno - lançada no LP Jovem Guarda (1965) e regravada dez anos depois -, que está para a Jovem Guarda como Chega de saudade para a Bossa Nova. A dupla inovou na linguagem de algumas letras: você tem que aprender a ser gente, sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo, e que tudo mais vá pro inferno, por exemplo, soaria incomum na voz de cantores de rádio.

Outro sucesso da época, Festa de Arromba, gravada por Erasmo, descreve uma reunião fictícia e faz referência a expoentes da Jovem Guarda. A canção serviu de inspiração para, na década de 70, Rita Lee e Paulo Coelho comporem versões irônicas e atualizadas, Arrombou a festa I e II (Ai, ai meu Deus, o que foi que aconteceu com a música popular brasileira?). Também nessa década, Roberto e Erasmo compuseram Jovens tardes de domingo, bela exaltação do que representou um tempo que provoca certa nostalgia mesmo em quem não o viveu.

Quando o movimento arrefeceu, Roberto Carlos passou a adotar o estilo romântico que o caracteriza até hoje, numa mudança perceptível a partir do citado LP de 71. Ainda assim, continuou retratando bem os dilemas da juventude, seus anseios ou a falta deles, como em À janela, Traumas ou Como dois e dois (“Tudo certo como dois e dois são cinco”). Nessa época, bateu recordes de venda de discos e quase tudo o que compôs tornou-se clássico da nossa música - e até nome de gente, como O divã, uma de suas pérolas. Ao longo da carreira, teve canções gravadas por intérpretes dos mais variados estilos, de Maria Bethânia a Chico Science.

No seu aniversário, em 19 de abril, RC inicia, em sua cidade natal, Cachoeiro do Itapemirim (ES), turnê cujo ponto alto será uma apresentação no Maracanã, Rio de Janeiro. Eventos especiais marcarão os 50 anos de carreira do cantor, todos em São Paulo. No Teatro Municipal, ocorrerá o show “Elas cantam Roberto Carlos”, do qual participarão várias elas. No ginásio do Ibirapuera, será apresentado o “Roberto Carlos Rock Symphony”, com participação de bandas de rock. O espetáculo “Emoções sertanejas” será exibido no estádio do Pacaembu e reunirá cantores de... música sertaneja. Haverá, ainda, a “Expo RC 50 anos”, sobre a carreira do cantor, no parque do Ibirapuera.

Como eu já disse em outra ocasião, ele estava certo ao afirmar: “Não adianta nem tentar me esquecer”. Sabe que é coisa muito grande pra esquecer.





* Debaixo dos caracóis dos seus cabelos

(Roberto Carlos e Erasmo Carlos)

Um dia a areia branca
Seus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos
A água azul do mar
Janelas e portas vão se abrir
Pra ver você chegar
E ao se sentir em casa
Sorrindo vai chorar

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar de um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade de ficar mais um instante

As luzes e o colorido
Que você vê agora
Nas ruas por onde anda
Na casa onde mora
Você olha tudo e nada
Lhe faz ficar contente
Você só deseja agora
Voltar pra sua gente

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar de um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade de ficar mais um instante

Você anda pela tarde
E o seu olhar tristonho
Deixa sangrar no peito
Uma saudade, um sonho
Um dia vou ver você
Chegando num sorriso
Pisando a areia branca
Que é seu paraíso