22.5.11

Sexo, drogas e palavrões

Na virada para a década de 80, depois de um período em que prevaleceu a música de protesto e com a iminente brisa da democracia, as críticas políticas perderam força e as canções mudaram um pouco o foco. O gostinho da liberdade era, então, algo novo para toda uma geração que, sedenta por degustá-la, passou a atirar para todos os lados, que não o político, a começar de sexo e drogas, temas considerados menos leves, mesmo no rock’n roll. Aspecto positivo, a liberdade de expressão, prato principal, veio acompanhada de maior tolerância a variações de comportamento e aceitação de hábitos divergentes daqueles tomados como padrão (no que ainda temos o que aprender).

No tocante às drogas, por exemplo, a apologia à maconha causou polêmica, ao ganhar vez e voz com a música O mal é o que sai da boca do homem (Pepeu Gomes / Baby Consuelo / Galvão), concorrente do festival MPB 80, da Rede Globo, de versos diretos, algo pouco comum para uma geração acostumada a captar mensagens subliminares, repletas de sutilezas: “Você pode fumar baseado, baseado em que você pode fazer quase tudo / Contanto que você possua, mas não seja possuído”.

Já no âmbito do sexo, o decreto vale-tudo de Tim Maia aboliu a cláusula restritiva de que “só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher” e foi dada uma nova ordem por Lulu Santos – “consideramos justa toda forma de amor” - e Marina Lima, em Difícil: “Eu disse não, ela não ouvia / Mandei um sim, logo serviu / Então pensei, ela é bela, por que não com ela?”, onde os termos “louca” e “pouca” (“... alguém lá no início me aplicou / e me fez louca, me fez pouca, me fez o que sou, difícil”) desfaziam possíveis dúvidas a respeito do sexo do personagem declarante.

O “nós duas” do amor outrora censurado de Bárbara (Chico Buarque) escancarou-se, também, em Tola foi você (Ângela Rô Rô, 1979), por meio da comunhão das palavras “tola” e “toda”: “Tola foi você ao me abandonar, desprezando tanto amor que eu tinha a dar / … / Coração aberto, felicidade perto, sou toda amor”.

A libido também andou solta com o grupo Ultraje a Rigor, que, ironizando a censura e a repressão sexual, brincava com ambos os temas: “Ainda bem que eu não tô na TV, senão ia ter que cortar o sexo! Como é que eu fico sem sexo?”. A afirmação "eu gosto de mulher" fazia contraponto a "eu gosto de meninos e meninas"*, do contemporâneo Legião Urbana. Liberdade sexual, em tempos de Camisa de Vênus, em oposição a outro tipo de opressão, não mais política, surgida com a descoberta da AIDS.

É dessa época, também, a primeira música que lembro de ter escutado a incluir palavrões entre seus versos: Faroeste caboclo (Renato Russo), que também inovou em tamanho da letra e duração - mais de nove minutos - e conta uma história que será tema de filme em breve (por falar em filme, Vamos fazer um filme, do mesmo autor, também tinha uma palavrinha até então proibida). Havia outras, do Camisa de Vênus, do Ultraje a Rigor, bandas que colocaram palavrões também em títulos e refrãos de algumas canções, como $#%@!%*#, sem falar nos bichos escrotos dos Titãs.

Mudanças de um período só são possíveis por conta do que vem antes e, nesse aspecto, os anos 80 – fruto de alheamento político, difícil acesso a informação e crise financeira, tempo de liberdade sexual imergente, democracia emergente, liberdade de ideias, cores, cabelos e trajes (se agora temos o restart, ali foi o start) e, ao mesmo tempo, semente de conquistas futuras como as que ora discutimos - só poderiam ter acontecido naquele momento mesmo.

Sem perder sua peculiar rebeldia, mas também sem tanto motivo ou motivação para protestos políticos, a juventude da época apenas redirecionou o espírito contestador para assuntos comportamentais. E toda essa forma controversa de abordar tais assuntos representou mais um traço de liberação e afirmação do que de apelação. Iniciava, ali, a temporada de colheita dos frutos do “é proibido proibir” que, doces ou azedos, puderam ser, enfim, saboreados à vontade.



* Meninos e meninas (Renato Russo / Dado Villa-Lobos / Marcelo Bonfá)

Quero me encontrar, mas não sei onde estou
Vem comigo procurar algum lugar mais calmo
Longe dessa confusão e dessa gente que não se respeita
Tenho quase certeza que eu não sou daqui

Acho que gosto de São Paulo
Gosto de São João
Gosto de São Francisco e São Sebastião
E eu gosto de meninos e meninas

Vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre
Vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente
Estou cansado de bater e ninguém abrir
Você me deixou sentindo tanto frio
Não sei mais o que dizer

Te fiz comida, velei teu sono
Fui teu amigo, te levei comigo
E me diz: pra mim o que é que ficou?

Me deixa ver como viver é bom
Não é a vida como está, e sim as coisas como são
Você não quis tentar me ajudar
Então, a culpa é de quem? A culpa é de quem?

Eu canto em português errado
Acho que o imperfeito não participa do passado
Troco as pessoas
Troco os pronomes

Preciso de oxigênio, preciso ter amigos
Preciso ter dinheiro, preciso de carinho
Acho que te amava, agora acho que te odeio
São tudo pequenas coisas e tudo deve passar

Acho que gosto de São Paulo
Gosto de São João
Gosto de São Francisco e São Sebastião
E eu gosto de meninos e meninas