9.11.11

Música das bandas de lá

O documentário Rock Brasília – Era de ouro, de Vladimir Carvalho, vem sendo exibido de forma discreta nas salas de cinema do país, com exceção da capital federal, onde foi o esperado filme de abertura do consagrado festival de cinema local. A repercussão por lá não podia ser diferente, em se tratando de uma cidade que é importante personagem da história contada, mas o filme é uma boa surpresa, também, para quem se dispõe a assisti-lo longe do planalto central, do céu de Brasília, do traço do arquiteto.

Em geral, fala-se do rock brasileiro dos anos 80 como algo indivisível, sem considerar suas especificidades e, nesse aspecto, o filme tem uma abordagem diferente: atém-se ao surgimento de três bandas brasilienses – Capital Inicial, Plebe Rude e Legião Urbana -, cujas histórias são interligadas. Apesar dessa abordagem, não deixa de inserir o universo local no contexto nacional e vice-versa.

Brasília é uma cidade atípica, que não conseguimos dissociar de dois aspectos principais. Primeiro o político, refletido em certas letras de cunho social das bandas de lá, como Que país é esse, Até quando esperar, Mais do mesmo, Geração Coca-Cola (desde pequenos nós comemos lixo / comercial e industrial / mas agora chegou nossa vez / vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês). Depois - consequência de ser centro do poder - o fato de abrigar pessoas de várias localidades, sobretudo na década de 80, quando ainda formava a primeira geração de nativos, então na casa dos vinte anos. Muitos dos jovens eram filhos de políticos, diplomatas, funcionários públicos, incluindo integrantes dos três citados grupos.

O filme dá a devida importância a esses aspectos no surgimento de tais bandas, na medida em que toma como coprotagonistas os pais (literalmente) do rock brasiliense e põe suas considerações ao lado dos depoimentos de integrantes das três bandas, em diferentes épocas, colocando, juntos, pais e filhos da revolução, como ressalta o trailer oficial. Boa parte da história é contada do ponto de vista dos pais.

O embrião desses grupos musicais foi a amizade dos irmãos Fê e Flávio Lemos com Renato Russo. Os três formaram, com outros amigos, a banda punk Aborto Elétrico, que seria dividida, após desentendimentos, em Capital Inicial e Legião Urbana. Junto com os garotos que formariam a Plebe Rude, eles moravam todos próximos, em uma das quadras residenciais do plano piloto da capital federal, onde matavam o tempo e o propalado marasmo da cidade em encontros regados a rock e maconha.

Em paralelo, bandas cariocas já causavam certo alvoroço sonoro no Rio de Janeiro, a começar da Blitz e foi uma delas, meio carioca, meio brasiliense, que fez a ponte e impulsionou o movimento dos meninos de Brasília: os Paralamas do Sucesso. Dois de seus integrantes, Bi Ribeiro e Herbert Vianna tinham um pé naquela cidade. Os Paralamas já gozavam de certo prestígio na mídia e puderam, assim, dar boas referências de seus colegas às gravadoras, ávidas por novos talentos num estilo musical que prosperava.

As três bandas mostradas no filme fazem parte da segunda leva dos grupos de rock brasileiros dos anos 80, os quais despontaram para o sucesso após a primeira metade da década, que teve como divisores de águas a eleição indireta de Tancredo Neves para presidente e o Rock in Rio I, ambos em janeiro de 85. Com exceção do grupo Legião Urbana, ícone da música daquele período, os dois outros tiveram, na ocasião, menor acesso à mídia, sobretudo a Plebe Rude que, salvo algumas músicas, não tocava tanto nas rádios, sempre mais abertas ao que consideravam sucessos fáceis.

Não obstante, o maior sucesso da Plebe Rude, Até quando esperar*, é uma canção menos comum, que fala do acaso probabilístico com que somos jogados de um ou outro lado da sociedade ao nascermos, bem como de um certo sentimento de culpa que tal fato provoca naqueles que fazem parte do lado mais privilegiado, em condições de desigualdade com o “lado B”.

Em momento interessante do filme, Renato Russo relata seu estranhamento com o fato de um dos discos da Legião - que começa com Há tempos, canção sem refrão, de versos nada triviais para os padrões de um estilo massificado - ter estourado nas rádios e ser um dos maiores êxitos de venda da época. Outro trecho mostra imagens do grupo apresentando-se no programa Chico & Caetano, da Rede Globo, pontuadas por observações de Caetano, sempre atento a novidades. Ao final, um hino da geração 80, Tempo perdido, para deleite dos saudosos fãs da época (ou dos que passaram a apreciá-la depois), que podem sair da sessão cantarolando: ‘fomos’ tão jovens, tão jovens...



* Até quando esperar (Philippe Seabra / André X)

Não é nossa culpa
Nascemos já com uma bênção
Mas isso não é desculpa
Pela má distribuição

Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração?
Até quando esperar?

E cadê a esmola
Que nós damos sem perceber
Que aquele abençoado
Poderia ter sido você?

Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração?
Até quando esperar a plebe ajoelhar
Esperando a ajuda de Deus?

Posso
Vigiar teu carro
Te pedir trocados
Engraxar seus sapatos