Um dos maiores documentaristas brasileiros, Eduardo Coutinho está
com novo filme na praça, As canções, eleito melhor
documentário no Festival do Rio 2011, pelos júris popular e
oficial. Coutinho sempre parte, em seus filmes, de ideias simples
para criar algo original e, por vezes, genial, já que a genialidade
tem um pé na simplicidade. Algo como o que fizeram (ou fazem), na
música, Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, João Gilberto, ou mesmo Chico
Buarque.
As canções chega ao limite dessa simplicidade, tanto no
cenário enxuto – o entrevistado em um palco de teatro com uma
cortina preta por trás -, quanto no mote que o conduz, representado
pela questão: “Qual a música da sua vida?”. Foram 240
pessoas abordadas, 42 pré-selecionadas e 18 escolhidas para a versão
final do documentário. Os depoimentos foram, quase todos, ligados a
relacionamentos amorosos, ilustrados por canções anteriores à
década de 80, o que se explica pela faixa etária da maioria dos
depoentes. Interessante, também, ao se levar em conta o tema do
filme, é que Eduardo Coutinho dificilmente escuta música, o que me
lembrou o poeta João Cabral, que não apenas não escutava, como
detestava qualquer tipo de música.
As canções guarda algumas semelhanças com Jogo de cena (2007), desde o cenário até o
formato de busca aleatória dos entrevistados - o segundo por meio de
outdoors, anúncios e o primeiro pelas ruas do Rio de Janeiro,
principalmente. Em ambos, um modo interessante de contar os fatos
também foi, logicamente, levado em conta. E se a convocação das
pessoas, em Jogo de cena, pedia histórias de vida marcantes,
em As canções houve mais um requisito: como os relatos eram
associados a músicas, o depoente deveria saber cantar razoavelmente
bem, sem ser profissional. Nesse aspecto, alguns cantaram bem demais,
diminuindo um pouco a emoção que viria com uma interpretação mais
espontânea, mas a maioria cantou com o coração.
Não por acaso, os depoimentos mais marcantes do documentário aliam
boa música a interpretação natural, história interessante a
narração envolvente. Como o primeiro, de uma mulher que canta Minha namorada (Vinícius de Moraes / Carlos Lyra) e traz consigo a
letra da canção, manuscrita por um namorado, que lha dedicou
(êpa!), décadas atrás. Ou o último, em que a depoente espelha as
desventuras do amor com um Retrato em branco e preto (Chico
Buarque / Tom Jobim). Por outro lado, canções repetidas em
mais de um depoimento, como Olha (Roberto
Carlos / Erasmo Carlos) e a versão brasileira de Perfídia
(Alberto Dominguez), impedem o filme de abranger um universo
musical maior.
Anos atrás, num programa de televisão de tema semelhante, em que as
pessoas, ao citarem músicas que marcaram várias épocas de suas
vidas, construíam suas trilhas sonoras, uma entrevistada incluiu, em
sua lista, Vento no litoral (Renato Russo / Dado Villa-Lobos /
Marcelo Bonfá) e emocionou-se ao cantar: “Já que você não
está aqui, o que posso fazer? Quero ser feliz, ao menos. Lembra que
o plano era ficarmos bem”. Geralmente associada a um fim de
relacionamento, a letra da canção lembrava-lhe o falecido pai. Em
As canções, senti falta de visões diferentes assim.
Para um amante da música e admirador da obra de Eduardo Coutinho,
minha expectativa para este filme era grande - e, em parte, foi
atendida, ainda que não consiga igualá-lo ao desconcertante e
surpreendente Jogo de cena, ou mesmo a seus filmes mais
conhecidos, como Cabra marcado para morrer, Peões,
Babilônia 2000 e Edifício Master. A razão pode estar
no fato de que, se em todos eles conseguimos nos emocionar ou rir com
as narrativas, sejam elas quais forem, sem que, necessariamente,
tenhamos vivido algo semelhante, o gosto musical pode influir no
julgamento de As canções a ponto de gostarmos mais das
histórias na medida em que gostamos das músicas que as acompanham -
cada um tem seu As canções particular.
O próprio cineasta não fugiu por completo desse aspecto, mesmo que
inadvertidamente, na medida em que selecionou, para o filme, duas
pessoas que escolheram Perfídia – que ele diz adorar –
como canção de suas vidas. Da mesma forma, Ternura (Estelle
Levitt / Kenny Karen, versão: Rossini Pinto), escolhida por
outro entrevistado, já foi citada por Coutinho como uma canção que
lhe marcou - ainda que não seja a música de sua vida -, por ele
tê-la usado em um de seus filmes, na voz de Wanderléa.
Quando se quer emocionar a todo custo, faz-se uso de melodramas, com
fundo musical e imagens de efeito. Neste filme, como em quase todos
do diretor, ambos os recursos são o próprio personagem ou saem
dele. A música deixa de ser incidental ou de fundo e passa ao plano
principal, enquanto o efeito especial, como ele mesmo afirmou em
entrevista, “é a pessoa que fala, que vive, inventa”
e FIM.