3.7.06

Só queria agasalhar meu anjo ...




Moda e política, embora não combinem e tenham graus de relevância e impacto opostos no cotidiano e na vida das pessoas, já andaram juntas, tempos atrás, quando a estilista Zuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel, fez protestos nas passarelas para denunciar os desmandos da ditadura militar que vitimaram seu filho, Stuart Angel.

No início da década de 70, Zuzu Angel já era uma estilista bastante conhecida no Brasil e no exterior. Seu filho Stuart, militante do MR-8, organização de esquerda brasileira, foi preso, torturado, assassinado e dado como desaparecido político no governo militar de Médici, em 1971, quando tinha 26 anos. A partir de então, ela iniciou uma luta ávida e destemida pela localização e recuperação do corpo de seu filho e protestou contra o regime militar com o instrumento de que dispunha, a moda. Denunciou através de suas vestes e de antológicos desfiles, como o realizado no consulado brasileiro em Nova York, no qual ela, que tinha os anjos como marca de suas confecções, devido a seu sobrenome, utilizou como motivo das estampas de sua coleção anjos machucados, feridos, sangrando. Em seus "desfiles políticos", os manequins desfilavam com vendas nos olhos e mordaças na boca. Sem perder tempo, fez denúncias à ONU, fez protestos até em aviões, aproveitando suas viagens e pediu apoio a artistas, intelectuais e políticos de esquerda.

Há exatos trinta anos, Zuzu Angel morreu em um estranho acidente de carro, no túnel Dois Irmãos (que posteriormente recebeu seu nome), no Rio de Janeiro, uma semana após escrever uma carta a seu amigo, o compositor Chico Buarque de Hollanda, dizendo-se ameaçada e responsabilizando o governo dos militares, ou os assassinos de seu filho, como ela se referia a eles, por algo de ruim que porventura lhe acontecesse. No ano seguinte à morte da estilista, em 1977, Chico Buarque compôs em sua homenagem a bela música Angélica, em parceria com Miltinho, do conjunto MPB-4 (ver letra ao final do texto) e gravou-a em seu disco Almanaque, de 1981.

Em um comovente artigo publicado há dois anos no JB Online, "Letra para uma mãe lutadora", Hildegard Angel, irmã de Stuart e atualmente colunista do Jornal do Brasil, conta como se emocionou ao escutar a gravação dessa música pelo conjunto Quarteto em Cy, enviada para ela pelas integrantes do grupo. Seu depoimento é tocante, principalmente quando se refere a um trecho da letra que diz: "Só queria embalar meu filho que mora na escuridão do mar". O corpo de Stuart Angel nunca foi encontrado, tendo sido jogado ao mar, segundo relatos da época. Sobre esse fato, ela diz que, anos depois, encontrou uma poesia feita por seu irmão na adolescência, parafraseando Dorival Caymmi, ao afirmar que "é doce morrer no mar". Diz também que, à época de seu desaparecimento, recebeu de um pai-de-santo a notícia de que ele se encontrava no fundo do mar, quando ela ainda alimentava esperanças de encontrá-lo vivo. Ainda mais inusitado é o fato de que o pai-de-santo era o compositor Herivelto Martins

Esta página infeliz da nossa história será relembrada no filme Zuzu Angel, de Sérgio Rezende, que tem estréia nacional no próximo dia 4 de agosto. O roteiro é uma parceria entre o próprio Sérgio Rezende e Marcos Bernstein, roteirista do premiado e bonito filme Central do Brasil e a produção é de Joaquim Vaz de Carvalho, amigo de Stuart. Além de Angélica, de Chico Buarque e Miltinho, o filme tem, também, música de Cristóvão Bastos.

No elenco, além de Patrícia Pillar como protagonista, no papel de Zuzu Angel, estão atores experientes como Ângela Vieira, Othon Bastos e Nelson Dantas, que faleceu este ano, em seu último trabalho, e os jovens e talentosos atores Leandra Leal, que vem se destacando em trabalhos na televisão e no cinema, mas ainda não recebeu um papel à altura de seu talento e Daniel de Oliveira que encantou no papel-título de Cazuza – O tempo não pára, um filme inesquecível para quem viveu a época e era admirador do poeta; será Frei Betto em Batismo de Sangue, que também fala de política à época da ditadura e interpretará Stuart Angel nesse longa-metragem que traz ainda no elenco Alexandre Borges e Luana Piovani no papel da simpática Elke Maravilha (que, aliás, faz uma ponta no filme), a modelo preferida e amiga íntima da estilista, que foi presa por protestar em sua defesa, em episódio retratado na película.

O filme chega em boa hora, perto das eleições, para reavivar a memória dos espectadores e para que as gerações mais novas possam saber melhor quem é essa mulher, pois a moda agora é esquecer que estilistas sem talento que costuraram o triste destino do Brasil e modelos que desfilavam na Arena daqueles tempos, vestindo-se num estilo conservador e retrógrado, e que se mantiveram na mídia até bem pouco tempo, querem, agora, voltar às passarelas, pôr novamente as mangas de fora e posar travestidos de "prafrentex", como se dizia naquele tempo.




Angélica (Miltinho - Chico Buarque)

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar



Mais informações sobre o filme em:
http://www.zuzuangelofilme.com.br

5 comentários:

Anônimo disse...

conversa de liquididficador: "pô, Paulo escreve bem como que, né meu bem?"

Anônimo disse...

Paulinho, ja lhe disse pra mudar o título do seu Blog, ele é seu. Possui a sua caracteristica.. tem a sua personalidade e não poderia resultar diferente:Ele tá simplesmente emocionante, pulsante!Blog do paulinho, eis a sugestão!
Conhecendo o blog conhece-se um pouco de vc.!Bjsssssss....
Annnnnna

Anônimo disse...

Caro amico Paulino:

Lembro bem da morte de Zuzu Angel, apesar de ser ainda criança :-)) Minha mãe tinha um lenço dela que até bem pouco tempo ainda rodava por lá... como a sua história...
Parabéns pelo blog e pela sensibilidade.
Casotti

Anônimo disse...

Paulinho,
O texto sobre Zuzu Angel está excelente, como tudo que vc escreve. No filme teremos oportunidade de conhecer ainda mais esta página. Beijos em Annnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnna.

Anônimo disse...

Paulo

Você escreve c/ objetividade de engenheiro, sensibilidade de poetas, psicanalistas, artistas... e redação pra lá de Machado de Assis.