14.11.06

Pontos de vista

Em todos os sentidos, considero-me pouco aguçado e apurado nos detalhes, percebendo pouco pequenas diferenciações. Pequenas variações de odores não me cheiram melhor nem pior, meu paladar escolhe o que lhe agrada quase ao sabor do acaso, não dou ouvidos a certos ruídos e escuto um pouco de tudo. Faltou tato? Este às vezes me falta, também, em outros sentidos. Minha visão, na minha visão, não foge à regra e, como os demais sentidos, não é tão exigente, detalhista ou observadora, sobretudo do ponto de vista da arte da pintura.

Vejo com bons olhos, contudo, uma expressão artística que desperta a sensibilidade e impressiona a visão, sobre a qual atrevo-me a escrever, como admirador e não como conhecedor: o Impressionismo, especialmente na figura de Claude Oscar Monet, seu criador, pintor francês nascido há exatos 166 anos, cujo aniversário de 80 anos de morte dar-se-á neste mês de dezembro de 2006.

Monet não foi crítico nem contestador em seus trabalhos, tendo sua revolução ocorrido mais na técnica do que no conteúdo de suas obras, geralmente paisagens suaves e belas. Passou a infância na cidade do Havre, situada na foz do rio Sena, cena ideal para despertar seu gosto por essa pintura e, aos quinze anos, já era conhecido na cidade e ganhava dinheiro como caricaturista, o que poderíamos chamar de política "monetária".

A exposição que deu origem ao movimento impressionista ocorreu na cidade de Paris, em 1874 e seu nome provém de um quadro de Monet, apresentado na ocasião: "Impression: Soleil Levant" (Impressão: Nascer do Sol), nem tão representativo das características do Impressionismo, não fosse, justamente, seu título. Inicialmente usado pelos críticos em tom pejorativo, o nome "Impressionismo" foi mantido, por retratar bem duas importantes características do movimento: a valorização da construção subjetiva da imagem, das impressões do observador sobre ela e o hábito de pintura de paisagens in loco, retratando, assim, a primeira impressão do pintor (parecendo um esboço, na visão dos críticos), utilizado, principalmente, por Monet, já alguns anos antes do início formal do movimento.

"Impression: Soleil Levant" – Monet - 1874
("Impressão: Nascer do Sol", quadro que deu origem ao Impressionismo)

Tendo surgido após o Realismo que, na pintura, preocupava-se com a fidelidade à forma dos objetos retratados, o Impressionismo, por sua vez, preocupava-se com a fidelidade à percepção do objeto por parte do observador, possuindo como características, por conseguinte, o uso das variações de luz e seus reflexos sobre as imagens, dos efeitos de luz e sombra e a ausência de linhas e contornos bem definidos. Para reforçar essas particularidades, Monet fazia uso de paisagens a céu aberto e séries de quadros em seqüências, retratando paisagens em diferentes horas do dia, sob diferentes efeitos de luz. Além dele, o Impressionismo teve como principais expoentes os pintores Auguste Renoir e Edgard Degas e manifestou-se, também, na escultura, com Auguste Rodin e na música, com Maurice Ravel, todos franceses.

Se o Impressionismo é, em alguns aspectos, distante da realidade, uma característica em especial, reforçada por pintores ditos pós-impressionistas, aproxima-o das impressões que nos causa o mundo real, da maneira como percebemos a vida e seus acontecimentos: o processo de formação da imagem apenas em nossa retina, através da técnica do uso de cores complementares não misturadas, mas que, por meio de um fenômeno óptico, produzem um efeito de mistura em nossos olhos. Esta semelhança com a realidade é percebida quando observamos que a informação ou a imagem, sua interpretação e seus efeitos, assim como os acontecimentos, repercutem em nós dependendo da maneira como nossa mente os absorve. Quando assimilamos algo, não absorvemos apenas o fato em si, mas sim o fato como o percebemos, já impregnado de nós mesmos, de nossas vivências. Assim é a vida.




"La Promenade, la femme à l'ombrelle" – Monet - 1875
("O passeio, mulher com sombrinha", que retrata sua primeira esposa, Camille e seu filho mais velho, Jean)

“Eu não sou um grande pintor, um grande poeta. Sei apenas que faço o que posso para expressar o que sinto em frente à natureza.”

(Claude Monet)

2.11.06

Mutatis Mutantes


Os Mutantes mudaram, literalmente. E “o A e o Z”, música que gravaram em 1973 e que deu nome ao primeiro álbum da banda após a saída de Rita Lee, pode ter também, agora, um outro significado: o A de Arnaldo Baptista e o Z de Zélia Duncan. É que a cantora faz parte da nova formação do grupo, reunido este ano para shows, em substituição a Rita Lee, que não se interessou em participar do novo projeto.

A volta dos Mutantes ocorreu em maio de 2006, em um show em Londres, que fez parte de uma série de apresentações ocorridas na capital inglesa em homenagem ao movimento tropicalista, em um evento denominado “Tropicália - A Revolution in Brazilian Culture”, do qual também participaram Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé. O grupo voltou a se apresentar duas vezes em julho, em Nova York e Los Angeles, nos Estados Unidos. A apresentação em Londres foi gravada e vai ser lançada, brevemente, em CD e DVD. Estão previstas, também, apresentações em solo brasileiro, em 2007.

Fora a entrada de Zélia Duncan nos vocais, os demais integrantes permaneceram os mesmos: Dinho Leme na bateria e os irmãos Arnaldo Baptista nos teclados e Sérgio Dias na guitarra, com o reforço, desta vez, de dois backing vocals e outros músicos, entre eles a percussionista Simone Soul, que já acompanhou vários nomes da MPB, como Chico César, Zeca Baleiro e a própria Zélia Duncan.

Espécie de precursores do estilo seguido logo depois pelo grupo Secos & Molhados e pelo cantor Raul Seixas (vide “O vira”, do primeiro e “Mosca na sopa”, do segundo), Os Mutantes tinham como uma de suas características mais marcantes o humor, a irreverência e a ironia inteligentes, que se mostravam, ora na maneira como se vestiam em suas apresentações, ora em várias letras de suas canções, como “Amor branco e preto”, cujo título parece insinuar um relacionamento amoroso inter-racial, mas que, na verdade, fala de um amor não correspondido entre... Bem, vejam a letra, bastante atual, ao final do texto.

Logo no início da carreira, foram convidados para acompanhar Ronnie Von em seu programa na TV Record. Foi o cantor da Jovem Guarda quem batizou o grupo dos irmãos Baptista com o nome de “Os Mutantes”. Fazendo jus ao nome, pouco depois, eles aproximaram-se do movimento tropicalista, acompanhando Gilberto Gil na canção “Domingo no Parque”, segunda colocada no Festival da Record de 1967.

Os desentendimentos entre seus integrantes começaram a surgir quando, no início da década de 70, Rita Lee quis continuar seguindo o caminho dos tropicalistas e Arnaldo e Sérgio, como mutantes, quiseram partir para o rock progressivo e o experimentalismo. Se ambas as intenções eram válidas e enriquecedoras culturalmente falando, a de Rita se mostrou mais enriquecedora também na acepção monetária da palavra.

No ano seguinte a sua saída dos Mutantes, Arnaldo e Dinho também abandonaram a banda, que seguiu ainda com Sérgio Dias até 1978, quando encerrou definitivamente (à época) suas atividades. Em 1977, já consagrada em sua carreira solo, com sucessos como “Ovelha negra”, “Menino bonito”, “Coisas da vida” e “Agora só falta você”, Rita Lee gravou um elogiado disco ao vivo, junto com Gilberto Gil, o Refestança. Seguiu fazendo uma ponte entre o rock e a MPB, acompanhada da banda Tutti-Frutti, com quem fez os melhores trabalhos de sua carreira pós-Mutantes até que, em 1980, já sem essa banda, superou a marca de um milhão de discos vendidos do LP que levava seu nome no título, sucesso avassalador à época, com todas as faixas tocando em rádio, especialmente “Lança-perfume” e que iniciou uma fase mais comercial de sua carreira.

Para Arnaldo Baptista, contudo, riqueza parece nunca ter sido um grande apelo. “Se eles têm três carros, eu posso voar”, já dizia ele em sua bela “Balada do Louco”. Depois de um acidente ou tentativa de suicídio em 1982, quando caiu ou se atirou do terceiro andar de uma clínica onde se recuperava do uso de drogas, ele passou a morar num sítio em Juiz de Fora, Minas Gerais, levando uma vida simples, afastado da mídia.

A partir de 2000, quando foi lançado o álbum Tecnicolor, gravado em 1970 pelos Mutantes, mas até então inédito em disco, voltou a se apresentar em shows, participando de festivais como o “Abril pro Rock”, no Recife e o “Free Jazz”, no Rio de Janeiro, onde, além de sua apresentação solo, dividiu o palco com um grande fã, Sean Lennon, com quem cantou um dos maiores sucessos dos Mutantes, a música “Panis et Circensis”, de Caetano e Gil. Em 2004, lançou um novo trabalho, o disco “Let it bed” que, ironicamente, tem como uma de suas faixas a canção LSD, que brinca com “Lucy in the Sky with Diamonds”, dos Beatles, fazendo uso das mesmas três letras, desta feita como as iniciais de "Louvado Seja Deus” (na música, ele diz: “Louvado seja Deus que nos deu o rock'n roll”).

Com a MPB em constante mutação, essa volta dos Mutantes pode trazer muito mais do que simples curiosidade aos mais novos e saudosismo aos mais antigos, que já cantaram com Rita Lee o refrão: “Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu com a música popular brasileira?” e hoje em dia andam meio desligados, talvez sentindo a falta daquele ácido Lee-Sérgico.



AMOR BRANCO E PRETO (Rita Lee / Arnaldo Baptista)

Por que será que eu gosto de sofrer?
Vai ver que agora eu dei pra masoquista
Meu amor branco e preto
Às vezes me deixou na mão
Mas eu gosto de você
Já não me importa a sua ingratidão
Sofro mas continuo a te adorar
Corinthians meu amor
Corinthians!