Criar polêmica não é para qualquer um. Mais cômodo é seguir o senso comum dos críticos ou patrulhadores de plantão e não ir de encontro a suas opiniões, ainda que isso signifique optar pelo diferente, pelo exótico, em vez de louvar o que é mais comum.
O filósofo e poeta Antônio Cícero, também conhecido como parceiro musical e irmão da cantora Marina Lima, afirmou, em entrevista recente, que toda originalidade é, de início, esquisita, o que lembra a famosa frase de Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra. Em comum, as duas frases têm um componente generalizador e polêmico, o pronome indefinido toda. Certas vezes, os críticos, formadores de opinião, têm um gosto meio esquisito mesmo, mas estar do lado deles é achar-se parte de uma minoria intelectual privilegiada, o popular “crente que está abafando”, fugindo, assim, da “unanimidade burra”, do trivial, de apelo mais fácil.
Os embates entre os dois lados, porém, decorrem, muitas vezes, mais da polêmica que a polêmica cria, por conta da forma como é lançada, do que do lado escolhido. Recentemente, dois depoimentos - do tipo que gera controvérsias pelo conteúdo e sobretudo pela forma - receberam destaque na internet, ambos, de certa forma, coerentes com a especialidade dos respectivos autores: o primeiro, do economista Rodrigo Constantino, com MBA em finanças e profissional do mercado financeiro, conforme perfil exposto em seu blog e o segundo do humorista Marcelo Madureira, do programa Casseta e Planeta.
O economista, que se define como um pensador independente e libertário, escreveu em seu blog artigo intitulado “Um século de hipocrisia”, sobre o arquiteto Oscar Niemeyer, que completou, este ano, um século de vida. O artigo, a começar pelo título, é provocativo, recheado de frases como: “Niemeyer, sejamos bem francos, não passa de um hipócrita”, “Na prática, Niemeyer é um capitalista, não um comunista. Mas um capitalista da pior espécie: o que usa a retórica socialista para enganar os otários”, ou ainda: “... a ignorância é cada vez menos possível como desculpa para defender algo tão nefasto como o regime cubano, restando apenas a opção da falta de caráter mesmo. Ainda mais no caso de Niemeyer”.
No campo profissional, sabe-se que o arquiteto também gera polêmica, pelo uso em excesso de concreto em detrimento do verde em seus projetos. De concreto, porém, há de se concordar que, ainda que não se aprove suas posições ideológicas ou seu trabalho, os adjetivos usados do começo ao fim do artigo - que ainda deixa no ar a pergunta: “O que alguém como Niemeyer tem para ser admirado, enquanto pessoa?” - são fortes e desrespeitosos aos seus cabelos brancos.
Na mesma linha da forma exacerbando o conteúdo, mas com maior repercussão, inclusive por conta da maior divulgação por parte da mídia, Madureira afirmou, em debate ocorrido no Rio de Janeiro, no Cine Odeon: “Gláuber Rocha é uma merda”. Carlos Heitor Cony descreveu a reação dos “entendidos” participantes do evento ao comentário do humorista com ironia, como que adivinhando o pensamento daqueles que se imaginam agraciados com um gosto apurado, privilégio de poucos: “Como podiam ter deixado um cara daqueles, que não pertencia ao povo eleito, penetrar no sagrado pátio, no templo da arte do Terceiro Mundo...?”.
Entendidos à parte, mesmo aqueles que consideram a obra do cineasta de não tão fácil assimilação hão de concordar que o termo utilizado para descrevê-lo não cheira bem. Rocha é muito mais sólido do que isso. Como não cheira bem, também, o alarde que fizeram porque Ronaldo trocou as bolas. Como diz Caetano Veloso, nada pode prosperar quando todo o mundo quer saber com quem você se deita, o que, aliás, não interessa a ninguém, assim como o fumo e a bebida da rebelde Núbia Lafayette. Caetano, que gosta de polêmicas, criticou tais comentários intrusivos e traduziu bem o fenômeno: “A vida é assim: complexa e bonita, como os travestis”.
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