7.9.08

Fora de série

* Ao Mestre Salu, grande mestre da cultura popular e torcedor do Santa Cruz.

João Cabral de Melo Neto e Chico Science, tal qual as águas dos rios que os inspiravam, refletiram bem a imagem do povo de sua cidade, aquele que realmente a constrói, pisa em seu chão, vive e convive em seus espaços e não apenas a vê através da janela do carro, da varanda do apartamento ou da tela da tv. É desse povo simples, dessa gente sofrida, que tem no futebol uma de suas poucas alegrias, que se constitui a maior parte da torcida do Santa Cruz Futebol Clube, e é natural, portanto, que os dois ilustres recifenses fossem torcedores desse clube, tendo o poeta sido, inclusive, atleta de sua equipe de futebol juvenil.

O clube pernambucano, que possui 24 títulos estaduais e já revelou atletas como Ricardo Rocha e Rivaldo, foi fundado em 1914 - por garotos que costumavam se reunir no pátio da igreja de Santa Cruz, no bairro da Boa Vista - e afundado no novo milênio, quando passou a viver sua pior fase. Depois de sagrar-se campeão estadual pela única vez na década, em 2005 e disputar a primeira divisão do campeonato brasileiro em 2006, “o mais querido”, como o chamava o mestre Capiba, foi rebaixado três vezes consecutivas, fato inédito no futebol brasileiro, o maior rebaixamento consecutivo do norte-nordeste-centro-oeste-sudeste-sul, algo difícil de se repetir.

Na década de 70, em sua época de ouro, o Santa Cruz conquistou sete títulos estaduais, entre os quais o pentacampeonato pernambucano, tinha a maior torcida do estado, inaugurou o estádio do Arruda, pertencente ao clube e fez boas campanhas no Brasileirão. Se, hoje em dia, Sport e Náutico são os únicos clubes pernambucanos que figuram no cenário nacional, o Brasil já foi, em tempos passados, Terra de Santa Cruz.

Em 73, o clube teve o artilheiro da competição (Ramon) e em 78 ficou na quinta colocação, mantendo-se invicto por 27 jogos, mas o ano em que mais se destacou foi 75, quando chegou às semifinais, sendo, então, derrotado pelo Cruzeiro (eu estava lá!), que se tornaria o vice-campeão nacional e campeão da Libertadores no ano seguinte. Em 76, venceu, em torneio no Recife, a seleção da Tchecoslováquia, à época campeã da Eurocopa e, no final da década, retornou invicto de excursão à Europa e ao Oriente Médio, tendo vencido, entre outras, a seleção da Romênia.

Numa segregação literal, costuma-se dividir as pessoas em classes sociais: A, B, C, D. O mesmo ocorre com os times de futebol, divididos entre as séries A, B, C e – agora também – D. Como se pessoas e clubes pudessem ser valorados por uma simples letra. Os jogadores passam, a torcida fica. Por isso, a maior conquista de um clube é sua torcida e, nesse aspecto, tenha santa paciência, o Santa Cruz, que tem em sua bandeira as cores das três raças, vermelha, preta e branca, é fora de série.

Como diz o hino do clube, composto pelos irmãos Valença, “Esta multidão tamanha, gente pobre que te aclama, lembra o ouro que se apanha nos cascalhos e na lama. Esse ouro é sangue, é vida. É delírio, raça e amor. A bandeira tão querida. A bandeira tricolor”. O hino é uma canção de amor ao clube e a sua torcida, pois como dizia Gonzaguinha, “uma canção de amor também é aquela que canta o suor do trabalho, o calo das mãos de quem canta a esperança, no jogo, na dança, com garra e fé”. Como têm dito os sofridos tricolores, um amor incondicional, um amor que não tem divisão, ao que acrescento: um amor fora de série.

2 comentários:

SEGURANÇA JÁ! disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Você é demais...É fora de série...