8.1.09

Falando a mesma língua – parte II: abrindo um parêntese

O ano novo chegou, junto com o novo acordo ortográfico da língua portuguesa, o qual entrou em vigor, no Brasil, em seu primeiro dia. Devido às dificuldades em sua aprovação – o acordo atingiu a maioridade no ano passado -, ficou decidido que, para a mudança tornar-se oficial, seria necessária a ratificação de apenas três dos oito países da comunidade lusófona (o que ocorreu em 1º de janeiro de 2007) e não de todos, como de início. Até o momento, metade dos países que fazem parte do acordo já o ratificaram: Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Portugal, além do Brasil. A outra metade parece não tê-lo aprovado ainda apenas por ter outras prioridades, não por lhe ser contrária.

Ora, ora, pois, pois, mas estou cá a pensar que a maior parte das análises a respeito desse acordo tem sido feita a partir do ponto de vista luso-brasileiro, sem levar em conta, na discussão dos prós e contras, as situações bem específicas dos demais países envolvidos, sobre os quais não nos chegam muitas informações. Volto ao assunto, então, para escutarmos o outro lado do disco: em lugar de um fado tropical - da linda mulata com rendas do Alentejo e do rio Amazonas que, numa pororoca, deságua no Tejo -, um puro semba africano. Parafraseando Gil, só quem sabe onde é Luanda saberá lhe dar valor.

O escritor angolano José Eduardo Agualusa, defensor do acordo, apresenta importante argumento a seu favor. Com uma produção de livros ainda incipiente, Angola precisa importar bastantes livros de Brasil e Portugal e, num país com alto índice de analfabetismo, o acesso a livros com diferentes grafias aumenta a dificuldade de aprendizado da língua, ainda que sejam poucas as palavras que tiveram alterações gráficas. Para diminuir o problema, os livros didáticos provêm, em geral, exclusivamente de Portugal o que, para ele, justifica, em parte, a resistência desse país à aprovação do acordo: com ele, os portugueses perdem mercado editorial nos países africanos.

Essa redução da influência de Portugal sobre Angola, porém, já vem ocorrendo em outras áreas. No que Agualusa chama de vingança de ex-colônia, a música popular angolana tem sido predominante no mercado português, o que tem feito com que os jovens lusitanos imitem o jeito de falar dos angolanos (algo como o que ocorre com o sotaque carioca em relação ao Brasil), a ponto de ele – natural de Angola, mas, apenas por ser branco, confundido com português -, ao falar em locais públicos de Lisboa, ser interpretado como um português querendo ser moderno ou falar como um jovem.

Um ponto pacífico (e, por isso, também atlântico) é que, mesmo com a cooperação de um sem-número de super-homens, ou talvez por isso mesmo, o recém-nascido acordo foi supereconômico nas mudanças no emprego do hífen, sinal dia a dia crítico. A dificuldade de autoaprendizagem e a necessidade de esforço extraordinário, quase sobre-humano, para assimilar os anti-intuitivos contraexemplos não cessaram de todo. Ainda que tal contrassenso tenda a nos tornar super-resistentes - pra não dizer ultrarresistentes a essas regras -, fazendo-nos sentir semianalfabetos com hífen, lembremos que o supracitado acordo não caiu de paraquedas, foi bem debatido por seus coautores, inclusive com consulta pública – ainda que malsucedida - quanto a sua implementação.

Segundo um caro amigo, só dois ou três chatos deviam entender as anteriores regras do hífen, o que não deve mudar tanto: agora, talvez uns quatro ou cinco venham a entendê-las. Para servir como base para os futuros dicionários, dirimir dúvidas e etc., o documento oficial será o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que está sendo concluído e deverá ser divulgado em breve.

O gramático Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras, a qual participou ativamente da elaboração do texto do acordo, afirma que a nossa língua era a única, dentre as faladas em mais de um país, em que a grafia não era unificada. Outro acadêmico critica o uso do termo "norma culta" no texto do acordo, termo que, segundo ele, traz uma incorreção política, pois você dizer que um jeito de falar ou escrever é culto, vulgar ou chulo é fazer juízo de valor, quando a melhor maneira de falar, na verdade, é a que vem de dentro de cada um, adequada a suas vivências e experiências, de forma natural e espontânea. Como diria a cantora Ana Carolina, é isso aí!

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