22.6.09
São João no Nordeste
(ou de como filósofo grego caiu no forró)
Um violeiro buscava
Inspiração pra um tema
Quando num sonho encontrou
A solução do problema
Uma questão matemática
Que envolvia um teorema
Uma figura geométrica
Do teorema complicado
Que também servia de nome
A instrumento bem usado
Deu ao cordel forma e métrica
Como ele havia sonhado
Assim então essa história
Nesses versos se propaga
Conta a estranha ligação
Do triângulo de Pitágoras
Com a zabumba e a sanfona
Do forró de Luiz Gonzaga
Zabumba e sanfona a sós
Queriam mais um ao lado
O Triângulo das Bermudas
Não deu conta do recado
Eis que surge o de Pitágoras
Que se mostra interessado
O triângulo amoroso
Deixou a coisa confusa
Co’os quadrados dos catetos
E uma tal de hipotenusa
De um lado dois cabra-macho
Do outro uma bela musa
A zabumba e a sanfona
Enfim desataram o nó
Reverteram o teorema
Resolveram o quiproquó
Se juntaram ao triângulo
Formataram o forró
Seu Pitágoras que né besta
Nem ligou pra confusão
Veio s’imbora pro Nordeste
Dançar forró e baião
Largou teoremas e teses
Pra viver de curtição
O filósofo entendido
De álgebra e geometria
Encontrou bela morena
Como há tempo ele não via
Se enxeriu pra tal menina
Todo cheio de ousadia
Veio com prosa esquisita
Pra levar a cabo a trama
Enrolou a língua toda
Pra impressionar a dama
E deixou a boca cheia
De alfa beta delta gama
A morena que sabia
Da tenção do camarada
Se esquivou como podia
De tão ilustre cantada
E sem mais nem meio mais
Respondeu indignada
Disse a ele meu senhor
Você tá falando grego
Eu não sou mulé de Atenas
E já tenho meu chamego
Pare co’essa gritaria
Não perturbe meu sossego
Alfa beta delta gama
Essas damas não conheço
A verdade é que o senhor
Não sabe da missa um terço
Eu já sou comprometida
Não espere meu apreço
Em todo caso o senhor
Está bem acompanhado
Leve as quatro raparigas
Pra aprender forró e xaxado
E me deixe aqui em paz
Com meu caro namorado
Grego gringo gaguejou
Sem saber o que dizer
Deixou a dama de lado
Procurou o que fazer
Foi atrás de um sanfoneiro
Com o intuito de aprender
Paciente, o sanfoneiro
Começou a preleção
Ensinou ao calculista
A origem do São João
E de como aquela gente
Tinha tanta animação
Nosso povo nordestino
Carrega uma triste sina
Há uma época do ano
Em que a seca predomina
Não chove nem um pouquinho
Quando chove é chuva fina
Como lá na sua terra,
Aqui há também guerreiro
A batalha é constante
De janeiro a janeiro
E o povo é, mesmo na luta,
Simpático e hospitaleiro
Parece tragédia grega
A labuta nordestina
Sofre planta, gado, gente
Angústia que só termina
Quando a chuva anuncia
Tempo de festa junina
A chegada da colheita
Diminui essa agonia
E o São João é o festejo
Que traduz essa alegria
Disse ele com orgulho
Ao ilustre que o ouvia
Foi aí que o estrangeiro
Concluiu aliviado
Que o triângulo desertor
Tava aqui bem empregado
E foi por uma causa justa
Que fugiu pra esses lados
Sua musa hipotenusa
Quis saber seu paradeiro
Chegou em Minas Gerais
Quando veio do estrangeiro
E encontrou um novo amor
O Triângulo Mineiro
Os catetos endoidaram
Co’o desfecho dessa história
Chamaram profissional
Pra ajudar na luta inglória
O cabra era especialista
Em análise combinatória
A análise surtiu efeito
E os doidos tiveram alta
Mais sugestões do doutor
Quiseram obter sem falta
Fazer dupla de forró
Virou o assunto em pauta
Os dois criaram conjunto
Pra se apresentar aqui
Só faltava achar um nome
Que vieram a sugerir
E à bandinha de forró
Chamaram Cateto em Si
À quadrilha de São João
Convidaram o grego culto
Pois se a ordem dos fator
Não altera o produto,
Se tem matuto doutor
Pode ter doutor matuto
Tirou-se a prova dos nove
Provou-se por a mais bê
O São João do Nordeste
É difícil de esquecer
E pra gregos e troianos
É bonito de se ver
Clamou aos deuses do Olimpo
O grego, então, fascinado
Pedindo que protegessem
Esse povo abençoado
E descreveu com detalhes
O que foi presenciado
Pra começar, à visão
Fogos, balões coloridos
Delícias ao paladar
Canções para os ouvidos
É o São João no Nordeste
Bom em todos os sentidos
Fogueiras e bandeirinhas
Completam o quadro perfeito
E nada há que emocione
Em maior grau o sujeito
Do que escutar os acordes
De Asa Branca ou Assum Preto
O violeiro despertou
E assim terminou o sonho
De um filósofo renomado
Que dançou forró, bisonho
E pra findar o cordel
Não sei mais o que é que ponho
O São João desvela o tema
Desse sonho a cada ano:
Pernambuc-ano, bai-ano
Sergip-ano, alago-ano
Enfim, é o Nordeste inteiro
De mãos dadas celebrando
Mês de junho se anuncia
O coração canta feliz
Comprovando por verdade
O que todo o mundo diz:
O São João no Nordeste
É o melhor do meu país
11.6.09
Uma pena
Um documentário em homenagem ao cantor Wilson Simonal, que completaria 70 anos em 2009, tenta mostrar, sobretudo àqueles com menos de cinquenta anos e que não acompanharam a fase áurea da carreira do músico, o que ele representou para a música brasileira, ao mesmo tempo em que narra, por meio de depoimentos, um episódio polêmico no qual se envolveu e que mudou sua vida. Trata-se de “Simonal – Ninguém sabe o duro que dei”, de Micael Langer, Calvito Leal e Cláudio Manoel.
Simonal inovou com seu jeito de cantar e dançar cheio de suingue, que combinava bem com sua figura alegre, de sorriso aberto. Iniciou sua carreira na década de 60, com o apoio de Carlos Imperial - o mesmo que, pouco antes, havia lançado Roberto Carlos e, por isso mesmo, andava cheio de moral. Ainda nessa década, dividiu o palco com Sarah Vaughan, apresentou o programa Show em Si Monal na TV Record e atingiu o auge de popularidade.
Em 1969, já consagrado, apresentou-se no encerramento do IV Festival Internacional da Canção, não como concorrente, mas como convidado e foi bastante aplaudido pela plateia que lotava o ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Tudo ia bem. Simonal virou garoto-propaganda da Shell, integrou a comitiva da seleção brasileira à copa de 70 – dividindo as atenções com Pelé - e gravou a canção País tropical, de Jorge Ben, antes mesmo do compositor.
Em tempos de ditadura e repressão, fazer anúncio de uma multinacional estadunidense, reverenciar uma seleção de futebol e um evento esportivo tidos como ópio do povo e cantar versos como “moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza” já seria suficiente para criar certa prevenção à figura do músico. Além do mais, não seria nada difícil um cara de origem humilde que esbanjava dinheiro e comprava carrões ser tachado de metido a besta pela “elite” e o filme ressalta tudo isso. Até aí, tudo poderia não passar de preconceito, mas foi seu envolvimento em caso polêmico que fez a opinião pública colocar o outro pé atrás em relação a ele. Em apenas três anos, o cara que, como dizia um de seus maiores sucessos*, fez o povo inteiro cantar, passou do auge da fama ao ostracismo.
O episódio envolveu o contador da empresa de Simonal que, ao ser vítima de espancamento por parte de agentes do DOPS - Departamento de Ordem Política e Social, também conhecido como órgão oficial de tortura do governo militar -, denunciou o músico como mandante. A versão de Simonal era que estaria sendo roubado e queria dar uma prensa no contador. Para este, o cantor era perdulário e não administrava bem o dinheiro que ganhava. Simonal foi preso e acusado de ser informante do DOPS, o popular dedo-duro. Em depoimento, acusou o contador de ser terrorista e de ameaçar sua família, o que só piorou a situação. Passou a ser discriminado pelo público e colegas de profissão, bem como boicotado por emissoras de televisão e casas de shows, que não queriam assumir os riscos de contratá-lo.
O filme procura ser o mais isento possível e colhe depoimentos dos dois lados. De um lado, amigos e parentes como Chico Anísio, Tony Tornado, Miele, Sandra Cerqueira – sua segunda esposa - e os filhos Wilson Simoninha (a quem Simonal dedica a canção Tributo a Marthin Luther King, em momento especial registrado) e Max de Castro. Do outro, a turma do Pasquim – periódico que, à época, não o perdoou – e a própria vítima do caso, o contador Raphael Viviani, cujo relato dos fatos é a parte mais surpreendente do documentário, ainda que os depoimentos emocionados dos familiares do cantor também nos façam refletir que, se ele errou, pagou caro por isso.
Entre um lado e outro, a relevante opinião de pesquisadores e entendidos de música como Ricardo Cravo Albin e Nelson Motta é destacada. Interessante, também, o fato de um dos diretores do filme, Cláudio Manoel, fazer parte da turma do Casseta e Planeta, fusão dos periódicos Casseta Popular e Planeta Diário, este, por sua vez, fruto do Pasquim.
Na primeira apresentação após o episódio, Simonal recebeu do público sonora vaia que o impediu de cantar. Ficou evidente, a partir daí, a repercussão do caso e as consequências irreversíveis para sua carreira.
Em depoimento ao filme, o jornalista Artur da Távola afirmou que “vivemos em uma imprensa que toma o indício como sintoma, o sintoma como fato, o fato como julgamento, o julgamento como condenação e a condenação como linchamento”. A necessidade e a importância da liberdade de imprensa – assunto que mereceu destaque recentemente com a revogação da antiquada lei de imprensa - é indiscutível, mas, julgamentos à parte, o que se percebe, neste e em vários outros casos, é o assustador e inegável poder dos meios de comunicação, o qual pode ser usado para o bem ou para o mal e, em casos extremos, induzir o povo a exaltar crápulas ou destruir inocentes. Culpado ou inocente, Wilson Simonal já cumpriu sua pena.
Sá Marina (Antônio Adolfo / Tibério Gaspar)
Descendo a rua da ladeira
Só quem viu, que pode contar
Cheirando a flor de laranjeira
Sá Marina vem pra dançar
De saia branca costumeira
Gira o sol, que parou pra olhar
Com seu jeitinho, tão faceira
Fez o povo inteiro cantar
Roda pela vida afora
E põe pra fora essa alegria
Dança que amanhece o dia
Pra se cantar
Gira, que essa gente aflita
Se agita e segue no seu passo
Mostra toda essa poesia do olhar
Deixando versos na partida
E só cantigas pra se cantar
Naquela tarde de domingo
Fez o povo inteiro chorar
Simonal inovou com seu jeito de cantar e dançar cheio de suingue, que combinava bem com sua figura alegre, de sorriso aberto. Iniciou sua carreira na década de 60, com o apoio de Carlos Imperial - o mesmo que, pouco antes, havia lançado Roberto Carlos e, por isso mesmo, andava cheio de moral. Ainda nessa década, dividiu o palco com Sarah Vaughan, apresentou o programa Show em Si Monal na TV Record e atingiu o auge de popularidade.
Em 1969, já consagrado, apresentou-se no encerramento do IV Festival Internacional da Canção, não como concorrente, mas como convidado e foi bastante aplaudido pela plateia que lotava o ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Tudo ia bem. Simonal virou garoto-propaganda da Shell, integrou a comitiva da seleção brasileira à copa de 70 – dividindo as atenções com Pelé - e gravou a canção País tropical, de Jorge Ben, antes mesmo do compositor.
Em tempos de ditadura e repressão, fazer anúncio de uma multinacional estadunidense, reverenciar uma seleção de futebol e um evento esportivo tidos como ópio do povo e cantar versos como “moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza” já seria suficiente para criar certa prevenção à figura do músico. Além do mais, não seria nada difícil um cara de origem humilde que esbanjava dinheiro e comprava carrões ser tachado de metido a besta pela “elite” e o filme ressalta tudo isso. Até aí, tudo poderia não passar de preconceito, mas foi seu envolvimento em caso polêmico que fez a opinião pública colocar o outro pé atrás em relação a ele. Em apenas três anos, o cara que, como dizia um de seus maiores sucessos*, fez o povo inteiro cantar, passou do auge da fama ao ostracismo.
O episódio envolveu o contador da empresa de Simonal que, ao ser vítima de espancamento por parte de agentes do DOPS - Departamento de Ordem Política e Social, também conhecido como órgão oficial de tortura do governo militar -, denunciou o músico como mandante. A versão de Simonal era que estaria sendo roubado e queria dar uma prensa no contador. Para este, o cantor era perdulário e não administrava bem o dinheiro que ganhava. Simonal foi preso e acusado de ser informante do DOPS, o popular dedo-duro. Em depoimento, acusou o contador de ser terrorista e de ameaçar sua família, o que só piorou a situação. Passou a ser discriminado pelo público e colegas de profissão, bem como boicotado por emissoras de televisão e casas de shows, que não queriam assumir os riscos de contratá-lo.
O filme procura ser o mais isento possível e colhe depoimentos dos dois lados. De um lado, amigos e parentes como Chico Anísio, Tony Tornado, Miele, Sandra Cerqueira – sua segunda esposa - e os filhos Wilson Simoninha (a quem Simonal dedica a canção Tributo a Marthin Luther King, em momento especial registrado) e Max de Castro. Do outro, a turma do Pasquim – periódico que, à época, não o perdoou – e a própria vítima do caso, o contador Raphael Viviani, cujo relato dos fatos é a parte mais surpreendente do documentário, ainda que os depoimentos emocionados dos familiares do cantor também nos façam refletir que, se ele errou, pagou caro por isso.
Entre um lado e outro, a relevante opinião de pesquisadores e entendidos de música como Ricardo Cravo Albin e Nelson Motta é destacada. Interessante, também, o fato de um dos diretores do filme, Cláudio Manoel, fazer parte da turma do Casseta e Planeta, fusão dos periódicos Casseta Popular e Planeta Diário, este, por sua vez, fruto do Pasquim.
Na primeira apresentação após o episódio, Simonal recebeu do público sonora vaia que o impediu de cantar. Ficou evidente, a partir daí, a repercussão do caso e as consequências irreversíveis para sua carreira.
Em depoimento ao filme, o jornalista Artur da Távola afirmou que “vivemos em uma imprensa que toma o indício como sintoma, o sintoma como fato, o fato como julgamento, o julgamento como condenação e a condenação como linchamento”. A necessidade e a importância da liberdade de imprensa – assunto que mereceu destaque recentemente com a revogação da antiquada lei de imprensa - é indiscutível, mas, julgamentos à parte, o que se percebe, neste e em vários outros casos, é o assustador e inegável poder dos meios de comunicação, o qual pode ser usado para o bem ou para o mal e, em casos extremos, induzir o povo a exaltar crápulas ou destruir inocentes. Culpado ou inocente, Wilson Simonal já cumpriu sua pena.
Sá Marina (Antônio Adolfo / Tibério Gaspar)
Descendo a rua da ladeira
Só quem viu, que pode contar
Cheirando a flor de laranjeira
Sá Marina vem pra dançar
De saia branca costumeira
Gira o sol, que parou pra olhar
Com seu jeitinho, tão faceira
Fez o povo inteiro cantar
Roda pela vida afora
E põe pra fora essa alegria
Dança que amanhece o dia
Pra se cantar
Gira, que essa gente aflita
Se agita e segue no seu passo
Mostra toda essa poesia do olhar
Deixando versos na partida
E só cantigas pra se cantar
Naquela tarde de domingo
Fez o povo inteiro chorar
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