Futebol é um esporte bretão que, com o tempo, vem se tornando brutão. Um parque de diversões que já teve carrossel e hoje tem bate-bate. Futebol de brutão, como tem demonstrado a maioria dos jogos da copa do mundo da África do Sul e amistosos anteriores, que vitimaram, entre outros, Drogba, Ballack e Beckham. Além de brutão, as primeiras rodadas da primeira fase da competição foram de partidas com poucos gols, pior média da história. Não fossem as vuvuzelas, com seus zumbidos de muriçoca, os jogos estariam de dar sono. Pareciam estar em super câmera lenta.
Desfez-se a profecia de Honda, que dizia: “E nesse dia, então, vai dar na décima nona edição: duas rodas nos pés conduzirão a um bom caminho o Japão”. A Itália mostrou um futebol que se aspetta con prego e a limitada Inglaterra confirmou que Gerrard é humano. Pela Argentina, Messi ficou na promessi. Di Maria vai com as outras, sozinho não fez Verón. Bastou pegar a Alemanha, pra ficar Higuaín a Palermo. Manda quem Podolski, obedece quem tem Burdisso.
Engana-se quem concluir que antipatizo com a Argentina. Não consigo incorporar essa rivalidade que a mídia e, às vezes, o governo de ambos os lados estimulam, fazendo uso, no caso brasileiro, de frases repetidas à exaustão, como: “ganhar é bom, ganhar da Argentina é melhor ainda”. O futebol imita a vida e essa competição é a mesma que, novamente mídia e governo, estimulam entre Rio e São Paulo, Pernambuco e Bahia, etc., ao longo dos anos e que carece de consistência. Ou seja, entre iguais, a rivalidade; dos “superiores”, o preconceito. Torci pela Argentina, que jogou bonito e tinha uma equipe unida, que contava com o apoio emocional de um técnico merecedor dos holofotes que costuma atrair, pelo que já fez no futebol (opinião paulêmica, eu sei).
A Irlanda, ôps, França, francamente, mostrou a que não veio. Depois de conseguir a vaga para a copa de mão beijada e deixar a Irlanda de mãos abanando, saiu com uma mão na frente e outra atrás. Henry melhor quem Henry por último. Aliás, num jogo que se joga com os pés, meter os pés pelas mãos proporcionou alguns dos melhores momentos da competição. O brasileiro Luís Fabiano fez um gol de mão cheia, enquanto o atacante uruguaio Suárez foi até quebrar a barra e pegou a bola com a mão, num dos minutos mais empolgantes e inacreditáveis da história das copas.
Enquanto isso, seguimos iludidos pela ideia de caminho livre, sonhando ir mais longe e não vislumbramos um acidente de percurso em sentido contrário. Vans da Holanda aproximando-se da faixa e atropelando brasileiros, que não deram bola pros sinais. Van der Wiel, Van Bronckhorst, Van Bommel, Van Persie, Van Marwijk... Enquanto uns van e outros voltam, o Brasil nem Van, nem Schwein. Em vão, ainda se esperava que os Vans holandeses se rendessem à nossa vã filosofia de jogo. Qual o quê, como diria Chico Buarque (de Hollanda). Robben ou não, a Holanda é um timão.
Gostei dos semifinalistas. Pelo Uruguai, sinto a natural simpatia dos vizinhos e admiro a garra de seu grupo. A Alemanha jogou bem e, com a entrada de Özil, ficou em ponto de Ballack. Pelo Brasil, também torci, mas não queria ganhar a copa jogando daquele jeito e, eliminado, tratei de eleger a final que mais me agradaria.
Escolhi Espanha x Holanda, por vários motivos. Primeiro, porque desde 62, com o Brasil, havia uma exata alternância de títulos mundiais entre sulamericanos e europeus o que, repetindo 34/38 deles e 58/62 nossos, essa final quebraria (melhor ter parado por aqui, 2014 vem aí). Outros três motivos. Para fugir de mais um título tri-vial Brasil-Alemanha-Itália, pelos cem por cento de aproveitamento dos holandeses e por ser este um confronto que coloca frente a frente meus lados criança de ontem e de hoje, o que explico a seguir.
Gosto da atual seleção espanhola, por lembrar, de longe, o Brasil de outrora*, mas sobretudo por ser a preferida das crianças, que conhecem todos seus jogadores. Mas é com a Holanda campeã que eu acertaria as contas com o passado. As duas primeiras copas de que me lembro foram, justamente, aquelas das duas derrotas holandesas na final, ambas para as equipes anfitriãs. Como vivências de infância são marcantes e as duas copas correspondiam a cem por cento do que já tinha visto, passei a achar que toda seleção que jogasse em casa seria a campeã e desenvolvi certa resistência a essa ideia (na próxima passa). Ao mesmo tempo, com a equipe holandesa, carrossel da minha infância, criei uma ligação afetiva que, em ocasiões mais recentes, fui levado a reprimir, em nome do amor à pátria que atravessou seu caminho por duas vezes.
* O futebol (Chico Buarque)
Para Mané, Didi, Pagão, Pelé e Canhoteiro
Notas
Para estufar esse filó
Como eu sonhei
Só
Se eu fosse o Rei
Para tirar efeito igual
Ao jogador
Qual
Compositor
Para aplicar uma firula exata
Que pintor
Para emplacar em que pinacoteca, nega
Pintura mais fundamental
Que um chute a gol
Com precisão
De flecha e folha seca
Parafusar algum joão
Na lateral
Não
Quando é fatal
Para avisar a finta enfim
Quando não é
Sim
No contrapé
Para avançar na vaga geometria
O corredor
Na paralela do impossível, minha nega
No sentimento diagonal
Do homem-gol
Rasgando o chão
E costurando a linha
Parábola do homem comum
Roçando o céu
Um
Senhor chapéu
Para delírio das gerais
No coliseu
Mas
Que rei sou eu
Para anular a natural catimba
Do cantor
Paralisando esta canção capenga, nega
Para captar o visual
De um chute a gol
E a emoção
Da idéia quando ginga
(Para Mané para Didi para Mané Mané para Didi para Mané para Didi para
Pagão para Pelé e Canhoteiro)
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