Não obstante as musas inspiradoras, reais ou não, citadas em algumas homenagens nomeadas, sobre quem já escrevi em outra ocasião (A esses seres humanos), a música, na maioria das vezes, procura ser o mais genérica possível. Talvez para permitir que as diferentes pessoas que a escutam apropriem-se de seus versos de acordo com suas próprias experiências de vida.
Para atingir tal fim, por vezes, faz uso de pronomes pessoais, para gerar citações impessoais. Assim, em Eu e ela, do repertório de Roberto Carlos, Ela e eu, de Caetano Veloso, Eu te amo, de Chico Buarque e Tom Jobim ou Odeio você, também de Caetano, os pronomes podem representar qualquer um de nós. Outras vezes, a canção faz uso de pronome possessivo, que também permite apropriação, o que faz com que As minhas meninas, de Chico, Sua estupidez, de Roberto ou Nosso estranho amor, de Caetano, possam ser de qualquer um.
Há, também, homenagens implícitas, de destinatário definido, mas que, por também não citarem nomes, adquirem o mesmo caráter genérico das anteriores. É assim Fera ferida e Do fundo do meu coração, que Roberto compôs quando estava em processo de separação num casamento. Também no ramo da separação, Gilberto Gil compôs, para a ex-esposa Sandra, uma das mais belas declarações de amor findo, Drão (O amor da gente é como um grão, uma semente de ilusão, tem que morrer pra germinar).
Ao ator River Phoenix, que este ano completaria 40 anos, Milton Nascimento dedicou uma também bela canção cujo título era o próprio nome do homenageado, o qual morreu pouco depois, aos 23 anos (Como teu nome diferente / Uma paisagem nos induz / Uma paisagem de inocência / Mas que se sabe e que conduz. / Conduz agora este momento / O pensamento e os olhos meus / brilhando de emoção e grato / alguém que só te conheceu num filme que viu tantas vezes / Este poema aconteceu). Fernando Brandt, Márcio e Lô Borges, companheiros de Milton no Clube da Esquina, fizeram, para Lennon e McCartney, Para Lennon e McCartney.
Nando Reis compôs All Star, para Cássia Eller, que também a gravou (Estranho é gostar tanto do seu all star azul / Estranho é pensar que o bairro das Laranjeiras / Satisfeito sorri / Quando chego ali / E entro no elevador / Aperto o 12 que é o seu andar / Não vejo a hora de te reencontrar / E continuar aquela conversa / Que não terminamos ontem / Ficou pra hoje). Temos, também, referências e citações múltiplas, como a Festa de arromba de Roberto e Erasmo, que reverencia a turma da Jovem Guarda ou a homenagem de Chico, Para todos, dedicada a seus colegas músicos.
Na categoria a finados, lembro de outro trabalho afinado: Um ser de luz, composta por Paulo César Pinheiro (com João Nogueira e Mauro Duarte), após perder a esposa Clara Nunes (E ela se foi pra cantar / Para além do luar / Onde moram as estrelas / E a gente fica a lembrar / Vendo o céu clarear / Na esperança de vê-la, sabiá / Sabiá / Que falta faz tua alegria / Sem você / meu canto agora é só melancolia).
Dos compositores da MPB, Caetano é um dos mais atuantes nessa bela arte de prestar homenagem por meio de canções. Em sua lista, constam Rapte-me camaleoa, para Regina Casé; Leãozinho, para Dadi, ex-integrante dos grupos Novos Baianos e A Cor do Som (o músico também foi uma espécie de quarto tribalista e é pai de André Carvalho, compositor de Tudo diferente, sucesso na voz de Maria Gadú); Escândalo, para Ângela Rô Rô, linda e sensível homenagem da qual quem acompanhou a forma como a mídia tratava os “escândalos” da cantora, décadas atrás, entende cada palavra (Rompe a manhã da luz em fúria a arder / Dou gargalhada, dou dentada na maça da luxúria pra quê? / Se ninguém tem dó, ninguém entende nada / O grande escândalo sou eu, aqui, só). E mais: Tigresa e Trem das cores, para a atriz Sônia Braga, esta última uma encantadora descrição de viagem, em que nós, ouvintes, seguimos junto.
É comum perpetuarmos certos erros de escuta de canções e alguns deles, quando cometidos por grande número de pessoas, tornam-se até clássicos, como a famosa troca compulsiva de biquíni, em Noite do prazer, de Cláudio Zoli, em que, em vez de “tocando B. B. King sem parar”, muitos cantavam “trocando de biquíni sem parar”).
A esse respeito, cabe observação curiosa sobre Tigresa. Depois de quase três décadas escutando-a, notei, alertado por um amigo, parte engraçada da letra, para a qual, até então, não tinha atinado, que nem Gabriela, quando veio pra esse mundo: “as garras da felina me marcaram o coração, mas as besteiras de menina que ela disse, não”. Faltava, na minha escuta, a percepção da vírgula antes do não (determinada, eu acho, pela elipse sintática presente na oração) e, por isso, eu entendia a mensagem como se ela, a tigresa ou felina, dissesse não às besteiras de menina e não que era ela quem dizia as besteiras, as quais, por sua vez, não marcavam o coração do leão. Meu entendimento, porém, soava meio sem sentido, até porque, se fosse esse o caso, a frase estaria mal construída.
Dedicar a alguém o fruto do nosso trabalho é algo de uma generosidade e delicadeza ímpar que, no caso particular da música, ou da arte em geral, ainda tem o mérito do compartilhamento com o público e, muitas vezes, pode ficar para a posteridade. Dedicado a você* é nome de uma música de Dominguinhos e Nando Cordel, mais uma da dupla que nos legou várias belas canções. O pronome ‘você’, do título, expande o universo alvo da letra da música ao infinito – ou a todas as pessoas -, mas, ao mesmo tempo, restringe-o ao particular – ao pessoal, como o próprio pronome: simplesmente dedicado a você. Seja você quem for, seja o que Deus quiser.
*Dedicado a você (Dominguinhos/Nando Cordel)
Vem, se eu tiver você no meu prazer
Se eu pudesse ficar com você
Todo o momento, em qualquer lugar
Ah! Se no desejo você fosse o amor
Durante o frio fosse o calor
Na minha lua, você fosse o mar
Vem, meu coração se enfeitou de céu
Se embebedou na luz do teu olhar
Queria tanto ter você aqui
Ah! Se teu amor fosse igual ao meu
Minha paixão ia brilhar e eu
Completamente ia ser feliz
31.10.10
17.10.10
Uma vida que terminou aos 40
“A vida é aquilo que acontece enquanto planejamos o futuro” (John Lennon)
No último dia 9 de outubro, John Lennon* teria completado 70 anos. Morreu aos 40, há 30, em 80. Datas redondas. A geração que cresceu nos anos 80, após sua morte, não acompanhou a beatlemania, mas viveu a comoção provocada por seu assassinato, quando pôde entender melhor seu valor para a música em nosso planeta, devido a um novo momento de grande exposição do cantor na mídia, ocasionada pelo fato. Essa geração, que descobriu o sonho depois que o sonho acabou, percebeu que o mundo era redondo como os óculos de Lennon.
A morte prematura deixa uma sensação desagradável de falta, de algo por fazer ou que não pôde ser concluído. Música interrompida no meio da execução. No caso de Lennon, além de precoce, uma morte estúpida, que expôs, da pior forma, como ocorrera com Luther King e Gandhi, a fragilidade da utopia pacifista que ele pregava em seu trabalho, suas canções. Com o fim dos Beatles no auge do sucesso, as especulações e desejos de uma volta do grupo permaneceram por toda a década de 70 e o tiro disparado contra Lennon foi uma espécie de tiro de misericórdia, também nesse aspecto. O fim do sonho de toda uma geração.
Um ano antes, com o sonho ainda possível, o cantor Belchior compôs Comentário a respeito de John, que dizia: “João, o tempo andou mexendo com a gente, sim. John, eu não esqueço, a felicidade é uma arma quente”. No mesmo ano, o compositor mineiro Tavito, da turma do Clube da Esquina, que recebeu nítida influência dos Beatles, cantava, em Rua Ramalhete (Tavito / Ney Azambuja), sobre os rapazes de Liverpool: “Será que algum dia eles vem aí, cantar as canções que a gente quer ouvir?”. A resposta sombria não tardou a chegar.
Desde então, homenagens a Lennon sucederam-se, algumas em forma de música. Em 1981, a cantora Simone gravou, no disco Amar, Naquela noite com Yoko (Sueli Costa / Abel Silva). Na letra, o compositor falava do impacto emocional que lhe provocara a morte de Lennon, cuja falta era comparada a um pedaço de sua vida que se ia: “E a cada passo eu chorava, e a cada passo sentia que, de minhas veias, um pouco mais de vida escorria”. A citação explícita a Yoko, longe de apenas servir pra rimar com louco, parecia mais uma tentativa de unir-se, na dor, àquela que sempre fora olhada de viés pelos fãs dos Beatles (o mesmo olhar que, reza a lenda, Paul McCartney lhe dirigia, ao cantar o refrão: “get back to where you once belonged” - volte pro lugar de onde veio).
Na mesma época, os outros ex-beatles gravaram, juntos, All those year ago, de George Harrison, mais um tributo a John Lennon. Duas outras homenagens partiram do cantor britânico Elton John. Com o parceiro Bernie Taupin, Elton compôs, pouco depois da morte de Lennon, Empty garden, em que compara a vida na ausência do amigo com um jardim vazio: “a gardener like that one, no one can replace”** - um jardineiro assim, ninguém pode substituir (seu grito, "hey, hey, Johnny", é de cortar o coração). Sozinho, Elton compôs, também, para Lennon, a música instrumental The man who never died.
Além de um nome em comum, uma grande amizade unia Elton John e John Lennon. A última aparição de Lennon em palco foi em 1974, num show do amigo, com quem cantou algumas músicas, entre elas Lucy in the sky with diamonds, clássico dos Beatles. Curioso lembrar que o título dessa canção surgiu de um desenho escolar de Julian Lennon, filho de John, para a colega Lucy, sendo as iniciais LSD uma mera e feliz coincidência, segundo relato de Paul McCartney, citado em Many years from now, sua biografia autorizada, escrita pelo amigo Barry Milles (a canção também foi sucesso na voz de Elton, assim como One day at a time, da carreira solo de Lennon***).
Os anos 60 foram, de fato, revolucionários, inovadores e, se tivessem ocorrido hoje, cinco décadas depois, ainda o seriam. Paul McCartney afirmou, em 1994, também em depoimento a Many years from now: “... Não dá mesmo para acreditar que já faz trinta anos desde a década de 60. … Sinto que os anos 60 estão para chegar. Que estamos numa espécie de dobra temporal e que eles ainda estão para acontecer. … Eles me parecem um período mais no futuro que no passado”. Claro que essa década foi fruto do que veio antes, como a arte vanguardista do pós-guerra, da qual, por sinal, Yoko Ono fez parte, o que, de certa forma, fecha um ciclo.
O livro John Lennon – A vida, de Philip Norman, mostra o biografado como uma personalidade conflituosa, “violenta e carinhosa, perspicaz e ingênua, marcada em igual medida pela genialidade e pela extrema insegurança”, conforme texto de contra-capa da publicação. O cantor, que cresceu afastado dos pais, criado por uma tia, desde os seis anos, perdeu a mãe aos dezessete, no momento em que se reaproximava dela. A ausência deles em sua vida é retratada na autobiográfica canção Mother, de sua carreira solo (Mother, you had me / But I never had you / I wanted you / But you didn't want me / ... / Father, you left me / But I never left you / I needed you / But you didn't need me / So I just got to tell you / Goodbye).
O fim do grupo, atribuído, no calor do momento, à influência de Yoko Ono sobre o marido, parece ter tido, na verdade, o mesmo motivo do fim de qualquer banda: a necessidade dos integrantes de mais espaço pra suas ideias. Olhando por esse aspecto, os Beatles, maior fenômeno da música pop mundial, que descobriu a receita do sucesso, seja com canções e arranjos sublimes, seja com músicas comerciais e de letras fáceis, contando com músicos e compositores de qualidade, dois deles disputando a liderança do grupo, até que duraram bastante.
* Veja trecho de documentário sobre Lennon, em inglês (16’)
** Elton John - Empty Garden
A morte prematura deixa uma sensação desagradável de falta, de algo por fazer ou que não pôde ser concluído. Música interrompida no meio da execução. No caso de Lennon, além de precoce, uma morte estúpida, que expôs, da pior forma, como ocorrera com Luther King e Gandhi, a fragilidade da utopia pacifista que ele pregava em seu trabalho, suas canções. Com o fim dos Beatles no auge do sucesso, as especulações e desejos de uma volta do grupo permaneceram por toda a década de 70 e o tiro disparado contra Lennon foi uma espécie de tiro de misericórdia, também nesse aspecto. O fim do sonho de toda uma geração.
Um ano antes, com o sonho ainda possível, o cantor Belchior compôs Comentário a respeito de John, que dizia: “João, o tempo andou mexendo com a gente, sim. John, eu não esqueço, a felicidade é uma arma quente”. No mesmo ano, o compositor mineiro Tavito, da turma do Clube da Esquina, que recebeu nítida influência dos Beatles, cantava, em Rua Ramalhete (Tavito / Ney Azambuja), sobre os rapazes de Liverpool: “Será que algum dia eles vem aí, cantar as canções que a gente quer ouvir?”. A resposta sombria não tardou a chegar.
Desde então, homenagens a Lennon sucederam-se, algumas em forma de música. Em 1981, a cantora Simone gravou, no disco Amar, Naquela noite com Yoko (Sueli Costa / Abel Silva). Na letra, o compositor falava do impacto emocional que lhe provocara a morte de Lennon, cuja falta era comparada a um pedaço de sua vida que se ia: “E a cada passo eu chorava, e a cada passo sentia que, de minhas veias, um pouco mais de vida escorria”. A citação explícita a Yoko, longe de apenas servir pra rimar com louco, parecia mais uma tentativa de unir-se, na dor, àquela que sempre fora olhada de viés pelos fãs dos Beatles (o mesmo olhar que, reza a lenda, Paul McCartney lhe dirigia, ao cantar o refrão: “get back to where you once belonged” - volte pro lugar de onde veio).
Na mesma época, os outros ex-beatles gravaram, juntos, All those year ago, de George Harrison, mais um tributo a John Lennon. Duas outras homenagens partiram do cantor britânico Elton John. Com o parceiro Bernie Taupin, Elton compôs, pouco depois da morte de Lennon, Empty garden, em que compara a vida na ausência do amigo com um jardim vazio: “a gardener like that one, no one can replace”** - um jardineiro assim, ninguém pode substituir (seu grito, "hey, hey, Johnny", é de cortar o coração). Sozinho, Elton compôs, também, para Lennon, a música instrumental The man who never died.
Além de um nome em comum, uma grande amizade unia Elton John e John Lennon. A última aparição de Lennon em palco foi em 1974, num show do amigo, com quem cantou algumas músicas, entre elas Lucy in the sky with diamonds, clássico dos Beatles. Curioso lembrar que o título dessa canção surgiu de um desenho escolar de Julian Lennon, filho de John, para a colega Lucy, sendo as iniciais LSD uma mera e feliz coincidência, segundo relato de Paul McCartney, citado em Many years from now, sua biografia autorizada, escrita pelo amigo Barry Milles (a canção também foi sucesso na voz de Elton, assim como One day at a time, da carreira solo de Lennon***).
Os anos 60 foram, de fato, revolucionários, inovadores e, se tivessem ocorrido hoje, cinco décadas depois, ainda o seriam. Paul McCartney afirmou, em 1994, também em depoimento a Many years from now: “... Não dá mesmo para acreditar que já faz trinta anos desde a década de 60. … Sinto que os anos 60 estão para chegar. Que estamos numa espécie de dobra temporal e que eles ainda estão para acontecer. … Eles me parecem um período mais no futuro que no passado”. Claro que essa década foi fruto do que veio antes, como a arte vanguardista do pós-guerra, da qual, por sinal, Yoko Ono fez parte, o que, de certa forma, fecha um ciclo.
O livro John Lennon – A vida, de Philip Norman, mostra o biografado como uma personalidade conflituosa, “violenta e carinhosa, perspicaz e ingênua, marcada em igual medida pela genialidade e pela extrema insegurança”, conforme texto de contra-capa da publicação. O cantor, que cresceu afastado dos pais, criado por uma tia, desde os seis anos, perdeu a mãe aos dezessete, no momento em que se reaproximava dela. A ausência deles em sua vida é retratada na autobiográfica canção Mother, de sua carreira solo (Mother, you had me / But I never had you / I wanted you / But you didn't want me / ... / Father, you left me / But I never left you / I needed you / But you didn't need me / So I just got to tell you / Goodbye).
O fim do grupo, atribuído, no calor do momento, à influência de Yoko Ono sobre o marido, parece ter tido, na verdade, o mesmo motivo do fim de qualquer banda: a necessidade dos integrantes de mais espaço pra suas ideias. Olhando por esse aspecto, os Beatles, maior fenômeno da música pop mundial, que descobriu a receita do sucesso, seja com canções e arranjos sublimes, seja com músicas comerciais e de letras fáceis, contando com músicos e compositores de qualidade, dois deles disputando a liderança do grupo, até que duraram bastante.
* Veja trecho de documentário sobre Lennon, em inglês (16’)
** Elton John - Empty Garden
5.10.10
Flor do nordeste
Após a efervescência dos anos 60, período de tantos movimentos culturais de renovação, a década seguinte representou a colhida dos frutos, a consolidação e o auge da MPB, bem representada por nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, entre outros.
Depois da bonança, vem a tempestade e, com esses nomes já consolidados, era hora de buscar movimentos rumo a outras direções, deixar-se levar por outros ventos. De posse de régua e compasso baianos (aquele abraço), que definiram um novo eixo musical para a MPB - ou ampliaram-no para além do Rio-São Paulo -, foi só seguir a reta ou reforçar a que, mais atrás, fora traçada por Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, para o baião e o forró. Foi assim que, misturando todos esses estilos, uma nova leva de retirantes invadiu o sudeste, entre eles Elba Ramalho, que se tornou uma espécie de musa nordestina da geração pós-festivais, no final dos anos 70*.
De Pernambuco, fizeram parte dessa turma Alceu Valença e Geraldo Azevedo, reforçando uma tendência de pouca presença feminina na música do estado (e não só nela, na política, por exemplo, também). Sempre que a música pernambucana despontou nacionalmente, os nomes de destaque foram, com raras exceções, do sexo masculino, seja na MPB de Lenine, seja na época áurea do frevo (Antônio Maria, Nelson Ferreira, Capiba), do forró (Luiz Gonzaga, Dominguinhos) ou do manguebeat (Chico Science, Fred Zero Quatro, Otto). A paraibana Elba Ramalho, por sua relação bem próxima com Pernambuco, cobriu um pouco essa lacuna.
Também por essa afinidade recíproca, o aniversário de 473 anos do Recife, comemorado no último dia 12 de março, teve como principal atração o show de Elba, que celebrou, também, seus trinta anos de carreira. A apresentação foi registrada e resultou em seu trigésimo trabalho, marco zero - ao vivo, que acaba de ser lançado pela gravadora Biscoito Fino, em CD.
Para quem não conhece a capital pernambucana, vale salientar que o título do disco faz referência ao local onde ocorreu o evento. A praça Rio Branco, no bairro do Recife (também conhecido como Recife Antigo), centro histórico do município, ficou conhecida pelo nome de praça do Marco Zero, a partir de 2000, quando, por ocasião das comemorações da virada do milênio, foi reformada e ampliada (sob certo protesto, por ter derrubado algumas árvores), transformando-se, a partir de então, no principal palco de apresentações ao ar livre local, sobretudo durante o carnaval. O nome é referência ao fato de ali ter surgido a cidade e dali serem medidas todas as distâncias aos demais pontos do município e do estado.
Discos comemorativos de datas especiais, por terem uma certa obrigação de serem representativos de um período – e é difícil que seja diferente -, tornam-se uma espécie de mais do mesmo e mesmo de mais. Em marco zero - ao vivo, Elba repetiu essa fórmula, mas procurou equacioná-la com outras variáveis. Contou com participações especiais (Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Lenine, Alcione, Chico César e André Rio) e, de alguns compositores constantes em sua carreira, escolheu canções que ainda não faziam parte de seu repertório, como Anunciação, de Alceu Valença, que abre o show e o disco***.
Dentro do mais do mesmo, Zé Ramalho, por exemplo, não poderia ficar de fora. Dele, foram quatro canções: Banquete de Signos, Chão de Giz, Admirável Gado Novo e Frevo Mulher, sendo as duas últimas inéditas no repertório de Elba. Geraldo Azevedo e Nando Cordel contribuíram com duas, o primeiro com Canta coração e Chorando e cantando, o segundo com É só você querer e De volta pro aconchego** – uma das canções mais bonitas e representativas da carreira de Elba.
Chico Buarque marcou presença com O meu amor, outra canção importantíssima do repertório da cantora (da Ópera do Malandro), que abriu as portas para o seu reconhecimento nacional (ao lado de sua atuação na peça Morte e Vida Severina) e Morena de Angola, mais conhecida na voz de Clara Nunes. Não sonho mais, também de Chico e, essa sim, a cara de Elba, ficou de fora e fez falta. Completando o disco, Pavão Mysterioso (Ednardo), Chuva de sombrinhas (André Rio / Nena Queiroga), frevo pouco conhecido nacionalmente, mas sucesso no carnaval pernambucano e Queixa (Caetano Veloso), de cujo autor ela recebeu o apelido de Flor da Paraíba, que virou título de um de seus discos (1998).
Lenine, outro parceiro constante, sugeriu participar não com uma canção de sua autoria, mas na interpretação de Queixa, num dueto com Elba. Outra curiosidade do disco, dentro da porção diferente do mesmo, foi a presença de um único forró, resgate do disco anterior, Balaio de amor (2009): É só você querer, certamente não o mais importante ou representativo da carreira da cantora. Logo ela, que levou o popular ritmo de volta às FM’s, com qualidade, por meio de inúmeros sucessos, desde Não sonho mais e Bodocongó, do primeiro disco, Ave de prata (1979), cuja canção-título, por sinal, não é um forró, mas também merecia ter entrado no novo disco, dentro do quinhão que coube a Zé Ramalho.
* Leia também: Nação nordestina – Parte I e Nação nordestina – Parte II
** De volta pro aconchego (Dominguinhos / Nando Cordel)
Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo um sorriso sincero um abraço
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade
Que bom poder estar contigo de novo
Roçando teu corpo e beijando você
Pra mim tu és a estrela mais linda
Teus olhos me prendem fascinam
A paz que eu gosto de ter
É duro ficar sem você vez em quando
Parece que falta um pedaço de mim
Me alegro na hora de regressar
Parece que eu vou mergulhar
Na felicidade sem fim
*** Abertura do show no Marco Zero (12/03/2010)
Depois da bonança, vem a tempestade e, com esses nomes já consolidados, era hora de buscar movimentos rumo a outras direções, deixar-se levar por outros ventos. De posse de régua e compasso baianos (aquele abraço), que definiram um novo eixo musical para a MPB - ou ampliaram-no para além do Rio-São Paulo -, foi só seguir a reta ou reforçar a que, mais atrás, fora traçada por Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, para o baião e o forró. Foi assim que, misturando todos esses estilos, uma nova leva de retirantes invadiu o sudeste, entre eles Elba Ramalho, que se tornou uma espécie de musa nordestina da geração pós-festivais, no final dos anos 70*.
De Pernambuco, fizeram parte dessa turma Alceu Valença e Geraldo Azevedo, reforçando uma tendência de pouca presença feminina na música do estado (e não só nela, na política, por exemplo, também). Sempre que a música pernambucana despontou nacionalmente, os nomes de destaque foram, com raras exceções, do sexo masculino, seja na MPB de Lenine, seja na época áurea do frevo (Antônio Maria, Nelson Ferreira, Capiba), do forró (Luiz Gonzaga, Dominguinhos) ou do manguebeat (Chico Science, Fred Zero Quatro, Otto). A paraibana Elba Ramalho, por sua relação bem próxima com Pernambuco, cobriu um pouco essa lacuna.
Também por essa afinidade recíproca, o aniversário de 473 anos do Recife, comemorado no último dia 12 de março, teve como principal atração o show de Elba, que celebrou, também, seus trinta anos de carreira. A apresentação foi registrada e resultou em seu trigésimo trabalho, marco zero - ao vivo, que acaba de ser lançado pela gravadora Biscoito Fino, em CD.
Para quem não conhece a capital pernambucana, vale salientar que o título do disco faz referência ao local onde ocorreu o evento. A praça Rio Branco, no bairro do Recife (também conhecido como Recife Antigo), centro histórico do município, ficou conhecida pelo nome de praça do Marco Zero, a partir de 2000, quando, por ocasião das comemorações da virada do milênio, foi reformada e ampliada (sob certo protesto, por ter derrubado algumas árvores), transformando-se, a partir de então, no principal palco de apresentações ao ar livre local, sobretudo durante o carnaval. O nome é referência ao fato de ali ter surgido a cidade e dali serem medidas todas as distâncias aos demais pontos do município e do estado.
Discos comemorativos de datas especiais, por terem uma certa obrigação de serem representativos de um período – e é difícil que seja diferente -, tornam-se uma espécie de mais do mesmo e mesmo de mais. Em marco zero - ao vivo, Elba repetiu essa fórmula, mas procurou equacioná-la com outras variáveis. Contou com participações especiais (Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Lenine, Alcione, Chico César e André Rio) e, de alguns compositores constantes em sua carreira, escolheu canções que ainda não faziam parte de seu repertório, como Anunciação, de Alceu Valença, que abre o show e o disco***.
Dentro do mais do mesmo, Zé Ramalho, por exemplo, não poderia ficar de fora. Dele, foram quatro canções: Banquete de Signos, Chão de Giz, Admirável Gado Novo e Frevo Mulher, sendo as duas últimas inéditas no repertório de Elba. Geraldo Azevedo e Nando Cordel contribuíram com duas, o primeiro com Canta coração e Chorando e cantando, o segundo com É só você querer e De volta pro aconchego** – uma das canções mais bonitas e representativas da carreira de Elba.
Chico Buarque marcou presença com O meu amor, outra canção importantíssima do repertório da cantora (da Ópera do Malandro), que abriu as portas para o seu reconhecimento nacional (ao lado de sua atuação na peça Morte e Vida Severina) e Morena de Angola, mais conhecida na voz de Clara Nunes. Não sonho mais, também de Chico e, essa sim, a cara de Elba, ficou de fora e fez falta. Completando o disco, Pavão Mysterioso (Ednardo), Chuva de sombrinhas (André Rio / Nena Queiroga), frevo pouco conhecido nacionalmente, mas sucesso no carnaval pernambucano e Queixa (Caetano Veloso), de cujo autor ela recebeu o apelido de Flor da Paraíba, que virou título de um de seus discos (1998).
Lenine, outro parceiro constante, sugeriu participar não com uma canção de sua autoria, mas na interpretação de Queixa, num dueto com Elba. Outra curiosidade do disco, dentro da porção diferente do mesmo, foi a presença de um único forró, resgate do disco anterior, Balaio de amor (2009): É só você querer, certamente não o mais importante ou representativo da carreira da cantora. Logo ela, que levou o popular ritmo de volta às FM’s, com qualidade, por meio de inúmeros sucessos, desde Não sonho mais e Bodocongó, do primeiro disco, Ave de prata (1979), cuja canção-título, por sinal, não é um forró, mas também merecia ter entrado no novo disco, dentro do quinhão que coube a Zé Ramalho.
* Leia também: Nação nordestina – Parte I e Nação nordestina – Parte II
** De volta pro aconchego (Dominguinhos / Nando Cordel)
Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo um sorriso sincero um abraço
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade
Que bom poder estar contigo de novo
Roçando teu corpo e beijando você
Pra mim tu és a estrela mais linda
Teus olhos me prendem fascinam
A paz que eu gosto de ter
É duro ficar sem você vez em quando
Parece que falta um pedaço de mim
Me alegro na hora de regressar
Parece que eu vou mergulhar
Na felicidade sem fim
*** Abertura do show no Marco Zero (12/03/2010)
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