Ao pensar sobre a música da década passada, a primeira lembrança que me vem à mente é a mudança pela qual passou o modo como a consumimos, partindo da mídia física para o arquivo digital. Se música é alimento, antes o prato já vinha pronto. A receita era juntar dez ou doze itens, embalar e colocar à venda. Agora, os ingredientes musicais precisam ser selecionados por nós, consumidores e, diante disso, a geração que já era mais madura no início dos anos 00, acostumada a ter comida na boquinha durante sua formação musical, vive, hoje, meio à deriva, nesses mares nunca dantes navegados, tendo que correr atrás.
A época em que mais se consome e absorve informações, ou pelo menos quando se está mais aberto a absorvê-las, é durante a juventude e uma mudança no modelo de reprodução musical ocorrida ainda nessa fase da vida é sempre melhor assimilada do que na maturidade. E ainda que essa geração a que me refiro - e à qual pertenço - também já tenha vivenciado alguma mudança, ela ocorreu apenas na embalagem do produto (de LP para CD), não na forma de entrega.
Analisando de forma simplista as duas transformações, primeiro o disco diminuiu de tamanho e perdeu o lado B, depois se desintegrou em objetos virtuais não identificados, soltos no ar, como discos voadores, sem arte-final, capa ou encarte e mesmo sem ficha técnica, muitas vezes. Trocando em miúdos, a revolução atual foi mais crítica (mas fico com o disco do Pixinguinha).
A era de ouro do CD foi a década de 90 (assim como o boom da internet, década importante essa). Lembro minha primeira refeição nesse formato, que recebi como presente de amigo-secreto, no natal de 1993: O canto da cidade, Daniela Mercury (era auge, também, da axé music). Até então, o que mais se aproximava do hábito de copiar ou baixar músicas era ficar com um gravador a postos e esperar a canção desejada tocar em nossa rádio preferida, para então apertar a tecla REC do aparelho. Missão árdua a exigir alerta máximo, é fácil imaginar por que hoje eu escolheria, como fundo musical ideal para a ocasião, Ana Carolina: “a canção tocou na hora errada...”. Sem falar que, muitas vezes, o locutor falava antes de a canção terminar, colocando todo o trabalho a perder.
Se a facilidade de reprodução de CD’s fez crescer a pirataria, o surgimento do MP3, a popularização da internet e seus downloads acabaram de decretar o declínio dessa mídia (agora, cantores ganham dinheiro mesmo é com shows, o que talvez explique o fato de artistas estrangeiros, cada vez mais, virem aportando em nosso país, em cidades fora do eixo Rio-São Paulo). Como resultado, vimos lojas de discos tradicionais calarem a voz, como a Vivace (Recife) e, no último dia do ano passado, a Modern Sound (Rio de Janeiro). Hoje, os locais que ainda resistem são, em sua maioria, aqueles não exclusivamente voltados ao comércio de CD's - grandes livrarias, lojas de departamento e supermercados - ou de público específico.
Assim como os discos, o mundo gira e sobretudo quem tem parentes adolescentes percebe que, ao menos para esse público, o fim do CD já é realidade, está na agulha. Quanto aos mais velhos, estes devem continuar consumindo discos que, com o passar do tempo, devem virar objeto de colecionadores, saudosistas e aficionados, como acontece com os LP's, hoje em dia, que continuam sendo lançados e têm público cativo. É o ciclo da vida. Se antes precisávamos de um cômodo da casa para dispor todos os nossos livros e discos, hoje eles cabem na palma da nossa mão. Trocamos o cômodo pela comodidade: a tecnologia atual coloca a antiga no bolso (mas ainda fico com o disco do Pixinguinha).
Com a pulverização da música proporcionada pela internet, o acesso a novas canções tornou-se, ao mesmo tempo, fácil e difícil. Fácil porque, em vez de depender apenas de programações de rádio e tv como aperitivo para escutá-las, conhecê-las, saboreá-las, antes de partir para o prato principal, à la carte - o CD -, passou-se a contar com o grande, democrático e sortido self-service da internet, com infinitas opções para abrir o apetite, que dispensam sugestões do chef e jabás. Difícil pelo mesmo motivo: sem o outrora prato principal, não se faz uma refeição completa, belisca-se uma coisinha aqui e outra ali, apenas.
Embora ainda desafeito a esse novo modus vivendi, reconheço que, independentemente do formato (e do disco do Pixinguinha), a essência disso tudo - a música - permanecerá e, para apreciá-la, sempre precisaremos apenas dos ouvidos. Mas mudando o disco, eu ia falar da música da década passada. Fica pra próxima (vez, não década).
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