19.9.06

Um jornal brilhante


Na segunda metade da década de 60, após o golpe militar e antes do AI-5, enquanto as pessoas na sala de jantar eram ocupadas em nascer e morrer, o Sol despontava do lado de fora de suas janelas, antes que a definitiva noite se espalhasse.

O jornal alternativo "O Sol" surgiu como um encarte diário do Jornal dos Sports e logo ganhou luz própria. A idéia de seu idealizador e criador, o jornalista Reynaldo Jardim, era que fosse um jornal-escola, em que editores como ele, Zuenir Ventura, Carlos Heitor Cony e Ziraldo assumiriam o papel de professores, e novos jornalistas, atuando como repórteres e colaboradores, seriam os alunos. Entre os alunos de destaque estavam Daniel Azulay, Dedé Gadelha, primeira esposa de Caetano Veloso e Luiz Carlos Sá, que depois viria a compor o trio Sá, Rodrix e Guarabira, autor de belas canções como "Caçador de mim" e "Sobradinho" ("o sertão vai virar mar, dá no coração o medo que algum dia o mar também vire sertão"), em parceria com Guarabira, além de um dos jingles mais duradouros e famosos do nosso país ("Vem pra Caixa você também").

Como se quisesse acompanhar a temporada anual do seu homônimo astro-rei no hemisfério sul, o Sol durou apenas seis meses, começando na primavera e terminando no verão, entre 1967 e 1968. É sobre ele, os fatos que noticiava e as pessoas que faziam ou eram notícia na época que versa o documentário "O Sol – Caminhando contra o vento", dirigido por Tetê Moraes, com roteiro dela e de Martha Alencar, as quais faziam parte da equipe do periódico. A maior parte dos depoimentos foram colhidos durante uma reunião de confraternização organizada pela produção do filme, alguns deles sem acrescentar muito ao seu resultado final, como se a diretora tivesse filmado tudo e esquecido de cortar os excessos. Em certos momentos, também, sente-se falta de uma narrativa que o conduza e explique melhor a história do jornal.

O filme situa bem a história de "O Sol" no contexto político e cultural da época, mostrando cenas de acontecimentos contemporâneos marcantes, tanto no âmbito nacional quanto em outros países, como a passeata dos cem mil, o AI-5, a primavera de Praga e a morte de Che Guevara. Tendo surgido em meio a toda essa efervescência política, o jornal destacava-se nessa área, com matérias provocadoras e manchetes criativas como "CPI PARA CIA" e "FMI É O FIM".

Participam com vários depoimentos ao longo do documentário, além daquelas que trabalhavam no jornal, pessoas que viveram ou, de alguma maneira, influenciaram os acontecimentos da época e viram o Sol nascer (alguns deles, quadrado também), como Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, Fernando Gabeira, Ruy Castro e Vladimir Palmeira.

Na área cultural, o país vivia o auge dos festivais de música, com inúmeros talentos surgindo e o filme mostra cenas de alguns desses festivais, como o de 1967, de um nível tal que teve como primeiros colocados os compositores Edu Lobo (Ponteio), Gilberto Gil (Domingo no Parque), Chico Buarque (Roda Viva) e Caetano Veloso (Alegria, Alegria). Este último, em um de seus depoimentos, esclarece a dúvida sobre sua suposta referência ao jornal, em trecho da letra dessa canção ("O sol nas bancas de revista me enche de alegria e preguiça"). Também são exibidas cenas do festival de 1968, que teve a polêmica disputa do primeiro lugar entre "Pra não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré, a preferida do público, e "Sabiá", de Chico Buarque e Tom Jobim, que venceu sob protestos e vaias, embora também trouxesse em sua letra alguma mensagem política, ainda que de uma forma bem mais sutil e leve em comparação com sua concorrente. *

Ao final, uma frase muito repetida à época (não apenas por padeiros) é colocada como pergunta a alguns dos entrevistados que a respondem de uma maneira que logo associamos ao contexto político atual e à chegada da esquerda ao poder no Brasil: o sonho acabou? Caetano diz que sim, mas que isso pode não ser ruim. Gabeira diz que não, que ele apenas está se modificando e tem que se renovar sempre. Que a gente possa, então, seguir vivendo. Por que não? Por que não?

Página oficial do filme: http://www.osolfilme.com



* Com exceção de "Ponteio", as demais músicas citadas neste parágrafo, bem como "Panis et circenses" (Gilberto Gil e Caetano Veloso) e "Soy loco por ti America" (Gilberto Gil e Capinam), também referenciadas no texto, constam da trilha sonora do filme, disponível em CD.

Um comentário:

Anônimo disse...

Paulinho, brilhante é você! Donde vem esse talento, menino!
Diga-me quem foi seu mestre?
Ja sei.. tá no sangue!!!
Maravilha..!AEGR