19.6.08

O nosso Dominguinhos de todos os dias


Há alguns dias, um homem arretado recebeu, com o sorriso sincero e a simplicidade cativante de sempre, merecida homenagem na sexta edição do Prêmio Tim de Música, substituto do Prêmio Sharp, que, este ano, trouxe seu nome no subtítulo: “Ano Dominguinhos”. Vai ser, também, um dos homenageados do São João do Recife.

Os primeiros discos do músico são da década de 60, época em que começou, também, a tocar com Luiz Gonzaga, que conheceu ainda adolescente, em sua terra natal, Garanhuns, no agreste pernambucano. O Rei do Baião, responsável pela escolha de seu nome artístico Dominguinhos, chamou-o para fazer parte do grupo que o acompanharia no histórico show “Luiz Gonzaga volta pra curtir”, no Teatro Tereza Rachel, no Rio, em 1972, um trabalho, segundo o jornalista Sérgio Cabral, da linha recomendada por Drummond que, cansado de ser moderno, resolveu ser eterno.

No ano seguinte, gravou seu primeiro grande sucesso, “Lamento sertanejo”*, uma parceria brilhante com Gilberto Gil a qual, pra mim, melhor define o sertanejo e sua dificuldade em lidar com os “mestiços neurastênicos do litoral”, como bem definiu Euclides da Cunha em “Os Sertões”. Gostaria de ser sertanejo para poder sentir o prazer de ser perfeitamente traduzido por canções como esta, “Súplica cearense” do baiano Gordurinha, “Disparada” do paraibano Geraldo Vandré.

“Lamento sertanejo” foi gravada, também, por Gil, juntamente com “Tenho sede”, de Dominguinhos e Anastácia – primeira esposa do sanfoneiro e sua principal parceira musical -, no disco Refazenda, numa época em que músicas que não eram feitas pra tocar no rádio ainda tocavam no rádio, o que fez com que Dominguinhos passasse a ser mais conhecido pelo grande público. Outra parceria dele com Anastácia, “Eu só quero um xodó”, já havia sido destaque no disco anterior de Gil, “Cidade do Salvador” e, alguns anos depois, em “Refestança”, de Gil e Rita Lee. O baiano e o pernambucano compuseram juntos, também, “Abri a porta”, um dos destaques do LP “Frutificar”, do grupo “A cor do som”.

Nos anos 80, Dominguinhos compôs, com Nando Cordel, “De volta pro aconchego” e “Gostoso demais”, que conseguiram uma brechinha no monopólio do rock brasileiro de então e foram das canções mais executadas nas rádios, em gravações de Elba Ramalho e Maria Bethânia, respectivamente. Também nessa época, firmou parceria com Chico Buarque em “Tantas palavras”, parceria que seria reeditada, anos depois, em “Xote da navegação”. Outro grande sucesso dele com Nando Cordel na década foi “Isso aqui tá bom demais”, gravada com Chico que, assim como “De volta pro aconchego”, fez parte da boa trilha sonora da impactante novela “Roque Santeiro”, de Dias Gomes, que havia sido censurada em 75 e, dez anos depois, refilmada e exibida.

Dominguinhos tem mais de 40 discos lançados, sendo o último um trabalho em conjunto com o violonista Yamandú Costa, pela gravadora Biscoito Fino, em 2007. No Prêmio Tim, dividiu o palco com velhos e novos amigos como Elba Ramalho, Gilberto Gil, Ivete Sangalo, Zezé di Camargo e Luciano e Vanessa da Mata, a quem acompanhou na sanfona, na citada “Lamento sertanejo”. No mesmo evento, uma seleção musical foi interpretada em conjunto por ele, Flávio José, Jorge de Altinho e o impagável Genival Lacerda, nomes conhecidos no nordeste, mas nem tanto no sudeste e sul do país. Em depoimento, na ocasião, Ângela Rô Rô afirmou: “Dominguinhos é o deus da música brasileira”. Como disse um aluno em prova do Enem, “eu concordo em gênero e número igual” (sic bem grande)!



* Lamento sertanejo (Gilberto Gil / Dominguinhos)


Por ser de lá do sertão
Lá do cerrado
Lá do interior, do mato
Da caatinga, do roçado
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigo
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado

Por ser de lá
Na certa, por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão boiada
Caminhando a esmo

2 comentários:

Anônimo disse...

Como eu gosto deste espaço! O conteúdo é realmente muito bom. Dominguinhos é incrível: os seus gestos, as suas canções e a sua voz transmitem muita simplicidade. É ótimo que artistas como ele sejam valorizados e verdadeiramente celebrados.

Anônimo disse...

Muito bom Paulo! Dominguinhos tb. é eterno.
"Eu pedi prá chover mas chover de mansinho.....perdoa esse pobre coitado que não sabe rezar....."se tiver a letra manda p/ mim, acho genial!