Passados os movimentos da Bossa Nova, Tropicalismo e Jovem Guarda, e com a censura e a repressão impostas pelos nossos anos de chumbo dificultando o surgimento de novas expressões artísticas, o grande movimento dos anos 70 foi mesmo a Música Popular Brasileira, que ainda conseguiu conviver com a onda disco, importada dos Estados Unidos. O sucesso era tanto que representantes da dita MPB bateram recordes de venda de discos, algo incomum nas décadas seguintes, marcadas pelo predomínio de outros estilos, como ocorreu com o rock nos anos 80, axé e sertanejo nos anos 90.
Depois de dedicar um belo trabalho ao público infantil - Os saltimbancos -, Chico Buarque lançou disco que trazia as “liberadas” Cálice, com participação de Milton Nascimento, Tanto mar e Apesar de você, bem como algumas canções que estariam presentes em seu trabalho seguinte, a trilha sonora da peça “Ópera do Malandro”: Pedaço de mim, com participação de Zizi Possi, O meu amor, com interpretação de Elba Ramalho e Marieta Severo e Homenagem ao malandro. O disco tinha, ainda, Feijoada completa, Até o fim (já de saída a minha estrada entortou, mas vou até o fim), Pequeña serenata diurna – do cubano Sílvio Rodriguez, única não composta por Chico – e duas parcerias com Francis Hime, Pivete e Trocando em miúdos.
Talvez o melhor exemplo da alta qualidade das canções da época seja o citado álbum duplo Ópera do Malandro, que está completando trinta anos, como boa parte dos discos comentados, do final dos anos 70. Além de versões bem-humoradas para trechos de óperas, Chico compôs todas as canções do disco. Interpretou sozinho um dos destaques - Geni e o Zepelim - e contou com participações de Alcione em Casamento dos pequenos burgueses (vão viver sobre o mesmo teto até que a morte os una), Zizi Possi em Teresinha, Nara Leão em Folhetim, Gal Costa e Francis Hime em Pedaço de mim, Elba Ramalho e Marieta Severo de novo em O meu amor e mais: A Cor do Som, MPB-4, Marlene, Moreira da Silva, João Nogueira e As Frenéticas.
Com várias nações latino-americanas vivendo períodos de ditadura militar, houve uma aproximação natural de cantores desses países, como Pablo Milanés, Mercedes Sosa, Chico Buarque e Milton Nascimento. Chico fez versões para Iolanda e Cancion por la unidad de latino america, ambas do cubano Pablo Milanés. A segunda fez parte de Clube da Esquina 2, álbum duplo lançado por Milton em 1978, cujo maior destaque foi Maria, Maria, também gravada por Simone e Elis Regina. O disco reunia, novamente, Milton e os compositores mineiros Márcio e Lô Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini e Fernando Brant. Contava, ainda, com participações de Francis Hime, Chico Buarque e Elis Regina.
Elis lançou disco gravado ao vivo, Transversal do tempo (78), que reunia, além de Fascinação, canções bem brasileiras, poéticas, políticas, como Rancho da goiabada, de João Bosco e Aldir Blanc (os bóias-frias quando tomam umas biritas espantando a tristeza...), Saudosa Maloca, de Adoniran Barbosa, Querelas do Brasil, de Maurício Tapajós e Aldir Blanc (o Brazil não conhece o Brasil), Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, Cartomante, de Ivan Lins e Vítor Martins, Deus lhe pague e Construção, de Chico Buarque, Boto, de Tom Jobim e Jararaca – ecológica até no compositor - e Cão sem dono, de Sueli Costa e Paulo César Pinheiro (se eu cantar, a alegria sai falsa, se eu calar, a tristeza começa). Grandes compositores na voz de grande intérprete.
Ivan Lins, por sinal, também gravou Cartomante em álbum cujo título - Nos dias de hoje - foi tirado da letra dessa música e que incluía Aos nossos filhos, também gravada por Elis. Tom Jobim lançou um disco ao vivo com Toquinho, Vinícius e Miúcha e outro em dois volumes com a mesma cantora. Sivuca marcou presença com o LP Cabelo de milho, que trazia, entre as faixas, Feira de Mangaio - grande sucesso na voz de Clara Nunes – e o lirismo de No tempo dos quintais, com participação, nos vocais, de Raimundo Fagner.
Pra fechar a lista com mais de cem músicas citadas, outros grandes destaques da época: Maluco Beleza, Coração Leviano, Ive Brussel, Amanhã, Êxtase, Sufoco, Sonhos, Romaria, A Rosa, Mal necessário, Coração tranquilo, Bye bye Brasil, O bêbado e a equilibrista, Flor de Lis, Feira moderna, O cio da terra, Canção da América, Pombo correio, Vou festejar, Casinha branca, Medo de avião, Rua ramalhete, João e Maria, Dia branco, Jura secreta, Doce vampiro, Dancin’ days, Sobradinho, Espanhola, Você não me ensinou a te esquecer. Encerro com uma homenagem aos artistas da nossa música, feita em 1993 por seu ilustríssimo representante, carioca meio paulista, meio pernambucano, meio mineiro, meio baiano. Um artista brasileiro.
Para todos (Chico Buarque)
O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Meu maestro soberano
Foi Antonio Brasileiro
Foi Antonio Brasileiro
Quem soprou esta toada
Que cobri de redondilhas
Pra seguir minha jornada
E com a vista enevoada
Ver o inferno e maravilhas
Nessas tortuosas trilhas
A viola me redime
Creia, ilustre cavalheiro
Contra fel, moléstia, crime
Use Dorival Caymmi
Vá de Jackson do Pandeiro
Vi cidades, vi dinheiro
Bandoleiros, vi hospícios
Moças feito passarinho
Avoando de edifícios
Fume Ari, cheire Vinícius
Beba Nelson Cavaquinho
Para um coração mesquinho
Contra a solidão agreste
Luiz Gonzaga é tiro certo
Pixinguinha é inconteste
Tome Noel, Cartola, Orestes
Caetano e João Gilberto
Viva Erasmo, Ben, Roberto
Gil e Hermeto, palmas para
Todos os instrumentistas
Salve Edu, Bituca, Nara
Gal, Bethania, Rita, Clara
Evoé, jovens à vista
O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Vou na estrada há muitos anos
Sou um artista brasileiro
31.5.09
15.5.09
A MPB em seu esplendor - Parte I
Quem já se entendia por gente no final da década de 70 do século passado pôde vivenciar um dos períodos mais férteis da música popular brasileira, com discos mais bem feitos que esconderijo de Osama Bin Laden. Muitos dos cantores de MPB – sigla que, por sinal, começou a ser empregada em meados da década anterior, com os festivais de música -, lançaram, nesses anos, alguns de seus melhores discos. Tantas canções de qualidade em tão poucos anos é algo difícil de se repetir. Os LP’s desses cantores eram bastante esperados, da capa ao conteúdo, e a qualidade, em geral, superava as expectativas. Além do mais, ainda tínhamos Elis, Vinícius, Nara e Clara.
Evoé, jovens à vista, duas grandes cantoras começaram a carreira nesse período, contando com o aval de nada menos que Chico Buarque: Elba Ramalho e Zizi Possi. Elba, que vinha de participação na peça Morte e vida severina como atriz e cantora, lançou, em 79, o disco Ave de prata, que tinha como destaque Não sonho mais, de Chico, além de Canta coração e Ave de prata. Zizi, que estreou em 78, deixou para a posteridade suas interpretações para Pedaço de mim, de Chico, Nunca e Luz e mistério, integrantes de seu segundo disco, Pedaço de mim. Estrearam, ainda, Ângela Rô Rô, que brilhou como cantora e compositora com Tola foi você e Amor meu grande amor, Marina Lima e os grupos A Cor do Som, Boca Livre e 14 Bis.
Logo após a experiência conjunta dos Doces Bárbaros, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia reinvadiram, a sós, o solo fértil da nossa música. Em 1977, Caetano atacou de Bicho, que louvava, nas canções, vários espécimes de seres vivos (Gente, Um índio, Tigresa, O leãozinho). Um ano depois, lançou o disco Muito, que se hoje não é muito lembrado, trazia pérolas eternas, como Sampa e Terra, além de Muito romântico, também gravada por Roberto Carlos. Em paralelo aos dois trabalhos, lançou Muitos carnavais - apenas com marchinhas e frevos - e um disco ao vivo, com Bethânia. Fechou a década com Cinema transcendental, que incluía Lua de São Jorge, Beleza pura, Menino do Rio e Cajuína.
Depois do disco Refazenda, de 1975, Gil completou a trilogia “Re” com Refavela (77) e Realce (79), que nos presentearam com canções como Aqui e agora, Sandra, Super-homem, Toda menina baiana, Não chore mais, além das que deram nome aos discos. Ainda dividiu com Rita Lee o álbum Refestança (78), época em que a cantora compôs, com Paulo Coelho, as duas versões de Arrombou a festa*, em que caçoava da MPB. Bethânia em Álibi e Gal em Água viva deram voz e graça a canções de grandes compositores como Chico, Caetano, Gil e Gonzaguinha. A primeira com O meu amor, Diamante verdadeiro, Cálice e Explode coração e a segunda com Folhetim, Mãe, De onde vem o baião e O gosto do amor, entre outras.
Fora os bárbaros baianos, uma nova leva de retirantes, incluindo Elba, colocou ainda mais nos eixos nordestinos a música brasileira de então: Zé Ramalho, que já havia lançado o experimental Paêbirú, com a boa companhia de Lula Côrtes, contribuiu, nos dois primeiros trabalhos de sua carreira solo, com Vila do sossego, Chão de giz, Bicho de sete cabeças, Admirável gado novo, Frevo mulher, entre outras. Fagner, que começara a carreira no início da década, alcançou, com os discos Quem viver chorará (78) e Beleza (79), o auge do sucesso de público e crítica. Revelação e Noturno foram os grandes destaques desses dois álbuns.
A cantora Simone também marcou época com seu LP Pedaços, de 1979, no qual interpretava temas sobre encontros, como o samba Tô voltando, que virou hino da anistia e sobre separações, como Começar de novo e Saindo de mim ("você foi saindo de mim por todos os meus poros e ainda está saindo nas vezes em que choro"), ambas de Ivan Lins e Vítor Martins. E mais: Outra vez, de Isolda, Pedaço de mim e Sob medida, de Chico Buarque.
Roberto Carlos continuou sua cavalgada em torno do sucesso com um bom disco, em 1977, em que todas as músicas tocaram em rádio. Falando sério, amigo. Roberto, outra vez, lançou disco muito romântico e ainda homenageou a Jovem Guarda, com Jovens tardes de domingo. Nos anos seguintes, num gesto familiar, fez coro com Pai e mãe de Gil, Mãe de Caetano e Pai de Fábio Júnior, ao presentear a mãe e o pai com Lady Laura e Meu querido, meu velho, meu amigo, com direito a Café da manhã, ainda que sovinamente requisitado: “vou pedir um café pra nós dois”.
* Arrombou a festa II (Rita Lee - Paulo Coelho)
Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu
Com a música popular brasileira?
Quando a gente fala mal, a turma toda cai de pau
Dizendo que esse papo é besteira
Na onda discoteque da América do Sul
Lenilda é Miss Lene, Zuleide é Lady Zu
Pra defender o samba contrataram Alcione
É boa de piston mas bota a boca no trombone
No meio disso tudo a Fafá vem dar um jeito
Além de muita voz, ela também tem muito peito
E a música parece brincadeira de garoto
Pois quando ligo o rádio ouço até Cauby Peixoto
Cantando: “Conceição!”
Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu
Com a música popular brasileira?
Quando a gente fala mal, a turma toda cai de pau
Dizendo que esse papo é besteira
O Sidney Magal rebola mais que o Matogrosso
Cigano de araque, fabricado até o pescoço
E o Chico na piscina grita logo pro garçon
Afasta esse cálice e me traz Moët Chandon
Com tanto brasileiro por aí metido a bamba
Sucesso no estrangeiro ainda é Carmen Miranda
E a Rita Lee parece que não vai sair mais dessa
Pois pra fazer sucesso arrombou de novo a festa
Ziri, ziriguidum, skindô, skindô, lelê
Sai da frente que eu quero é comer
A música popular brasileira
Lady Laura
A música popular
Parabéns a você, parabéns para a...
Música popular
Oh, eu te amo, oh, eu te amo, meu amor
Ai Sandra Rosa Madalena
O meu sangue ferve pela...
Música popular
Oh, fricote, eu fiz xixi
Fricote, eu fiz xixi
Na música popular brasileira
Corre que lá vem os "hóme"!
Evoé, jovens à vista, duas grandes cantoras começaram a carreira nesse período, contando com o aval de nada menos que Chico Buarque: Elba Ramalho e Zizi Possi. Elba, que vinha de participação na peça Morte e vida severina como atriz e cantora, lançou, em 79, o disco Ave de prata, que tinha como destaque Não sonho mais, de Chico, além de Canta coração e Ave de prata. Zizi, que estreou em 78, deixou para a posteridade suas interpretações para Pedaço de mim, de Chico, Nunca e Luz e mistério, integrantes de seu segundo disco, Pedaço de mim. Estrearam, ainda, Ângela Rô Rô, que brilhou como cantora e compositora com Tola foi você e Amor meu grande amor, Marina Lima e os grupos A Cor do Som, Boca Livre e 14 Bis.
Logo após a experiência conjunta dos Doces Bárbaros, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia reinvadiram, a sós, o solo fértil da nossa música. Em 1977, Caetano atacou de Bicho, que louvava, nas canções, vários espécimes de seres vivos (Gente, Um índio, Tigresa, O leãozinho). Um ano depois, lançou o disco Muito, que se hoje não é muito lembrado, trazia pérolas eternas, como Sampa e Terra, além de Muito romântico, também gravada por Roberto Carlos. Em paralelo aos dois trabalhos, lançou Muitos carnavais - apenas com marchinhas e frevos - e um disco ao vivo, com Bethânia. Fechou a década com Cinema transcendental, que incluía Lua de São Jorge, Beleza pura, Menino do Rio e Cajuína.
Depois do disco Refazenda, de 1975, Gil completou a trilogia “Re” com Refavela (77) e Realce (79), que nos presentearam com canções como Aqui e agora, Sandra, Super-homem, Toda menina baiana, Não chore mais, além das que deram nome aos discos. Ainda dividiu com Rita Lee o álbum Refestança (78), época em que a cantora compôs, com Paulo Coelho, as duas versões de Arrombou a festa*, em que caçoava da MPB. Bethânia em Álibi e Gal em Água viva deram voz e graça a canções de grandes compositores como Chico, Caetano, Gil e Gonzaguinha. A primeira com O meu amor, Diamante verdadeiro, Cálice e Explode coração e a segunda com Folhetim, Mãe, De onde vem o baião e O gosto do amor, entre outras.
Fora os bárbaros baianos, uma nova leva de retirantes, incluindo Elba, colocou ainda mais nos eixos nordestinos a música brasileira de então: Zé Ramalho, que já havia lançado o experimental Paêbirú, com a boa companhia de Lula Côrtes, contribuiu, nos dois primeiros trabalhos de sua carreira solo, com Vila do sossego, Chão de giz, Bicho de sete cabeças, Admirável gado novo, Frevo mulher, entre outras. Fagner, que começara a carreira no início da década, alcançou, com os discos Quem viver chorará (78) e Beleza (79), o auge do sucesso de público e crítica. Revelação e Noturno foram os grandes destaques desses dois álbuns.
A cantora Simone também marcou época com seu LP Pedaços, de 1979, no qual interpretava temas sobre encontros, como o samba Tô voltando, que virou hino da anistia e sobre separações, como Começar de novo e Saindo de mim ("você foi saindo de mim por todos os meus poros e ainda está saindo nas vezes em que choro"), ambas de Ivan Lins e Vítor Martins. E mais: Outra vez, de Isolda, Pedaço de mim e Sob medida, de Chico Buarque.
Roberto Carlos continuou sua cavalgada em torno do sucesso com um bom disco, em 1977, em que todas as músicas tocaram em rádio. Falando sério, amigo. Roberto, outra vez, lançou disco muito romântico e ainda homenageou a Jovem Guarda, com Jovens tardes de domingo. Nos anos seguintes, num gesto familiar, fez coro com Pai e mãe de Gil, Mãe de Caetano e Pai de Fábio Júnior, ao presentear a mãe e o pai com Lady Laura e Meu querido, meu velho, meu amigo, com direito a Café da manhã, ainda que sovinamente requisitado: “vou pedir um café pra nós dois”.
* Arrombou a festa II (Rita Lee - Paulo Coelho)
Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu
Com a música popular brasileira?
Quando a gente fala mal, a turma toda cai de pau
Dizendo que esse papo é besteira
Na onda discoteque da América do Sul
Lenilda é Miss Lene, Zuleide é Lady Zu
Pra defender o samba contrataram Alcione
É boa de piston mas bota a boca no trombone
No meio disso tudo a Fafá vem dar um jeito
Além de muita voz, ela também tem muito peito
E a música parece brincadeira de garoto
Pois quando ligo o rádio ouço até Cauby Peixoto
Cantando: “Conceição!”
Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu
Com a música popular brasileira?
Quando a gente fala mal, a turma toda cai de pau
Dizendo que esse papo é besteira
O Sidney Magal rebola mais que o Matogrosso
Cigano de araque, fabricado até o pescoço
E o Chico na piscina grita logo pro garçon
Afasta esse cálice e me traz Moët Chandon
Com tanto brasileiro por aí metido a bamba
Sucesso no estrangeiro ainda é Carmen Miranda
E a Rita Lee parece que não vai sair mais dessa
Pois pra fazer sucesso arrombou de novo a festa
Ziri, ziriguidum, skindô, skindô, lelê
Sai da frente que eu quero é comer
A música popular brasileira
Lady Laura
A música popular
Parabéns a você, parabéns para a...
Música popular
Oh, eu te amo, oh, eu te amo, meu amor
Ai Sandra Rosa Madalena
O meu sangue ferve pela...
Música popular
Oh, fricote, eu fiz xixi
Fricote, eu fiz xixi
Na música popular brasileira
Corre que lá vem os "hóme"!
1.5.09
Caminhando e cantando - os dias eram assim
Quando se fala em música de protesto, Geraldo Vandré é o primeiro nome que nos vem à cabeça. Vandré tinha convicção de que a arte constituía poderosa arma contra o regime militar e, por conta disso, não via com bons olhos aquela que não se prestasse a tal fim. Desaprovava o uso de guitarras da Jovem Guarda e do Tropicalismo – influência externa, em geral associada ao imperialismo estadunidense -, bem como os temas mais suaves da Bossa Nova, também pouco engajados politicamente.
O compositor paraibano teve curta carreira artística, talvez desiludido com o caminho que traçava o país, a perseguição que sofria por lhe ser contrário e as dificuldades com a censura. Lançou apenas cinco discos, sendo o último em 1973. Tempo suficiente, porém, para compor belas canções, como Disparada e Canção da despedida. Sua canção mais conhecida, Caminhando (Pra não dizer que não falei das flores), tornou-se hino de resistência à ditadura. Era fascinante escutar pessoas cantando, em rodas de violão ou reuniões informais, uma música que não tocava em rádio e televisão, nem estava disponível em disco, o que, naqueles tempos, apenas contribuía para torná-la especial.
Da desilusão de Roda-Viva (“tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”) à esperança de Vai Passar (“vem ver de perto uma cidade a cantar a evolução da liberdade”), Chico Buarque foi o compositor que melhor traduziu o sentimento do povo em relação ao rumo político que o país tomava. No início dos anos 70, período crítico da ditadura militar, mandou um recado mais do que direto contra o governo e a repressão em Apesar de você. Quando a censura deu conta do recado, a canção já havia sido lançada em compacto simples que foi, então, recolhido.
O disco Calabar (1973), trilha sonora para a peça de mesmo nome, com composições de Chico Buarque e Ruy Guerra, teve que mudar a capa e o título, que passou a ser Chico canta. Fora isso, trechos de música foram alterados, palavras substituídas ou suprimidas. No jogo de palavras em que era mestre, Chico usou as sílabas de Calabar como mote de uma das canções do disco: Cala a boca Bárbara. Outras duas – Ana de Amsterdam e Vence na vida quem diz sim - apenas foram liberadas em versões instrumentais. Com subtítulo “O elogio da traição”, a peça fazia uma analogia entre Calabar – personagem da história do Brasil visto de forma controversa como traidor - e os opositores do regime militar.
Com o nome cada vez mais visado, Chico gravou, no ano seguinte, disco com músicas de outros compositores, com um sugestivo título: Sinal fechado. Para escapar da censura, passou a adotar, até ser descoberto alguns meses depois, o pseudônimo Julinho de Adelaide, com o qual assinou Milagre brasileiro, Acorda amor (“depois de um ano eu não vindo, ponha a roupa de domingo e pode me esquecer”) e Jorge Maravilha (“você não gosta de mim, mas sua filha gosta”).
Tim Maia disse, certa vez, que com uma música de Ivan Lins faria umas dez, em exaltação ao estilo apurado das composições do colega. Compositor mais comumente associado a canções românticas, Ivan Lins, com o parceiro e letrista Vítor Martins, também foi esmerado em canções políticas, como A noite (“a noite tem deixado seus rancores gravados...”), Cartomante (“nos dias de hoje não lhes dê motivo, porque na verdade eu te quero vivo”) e Aos nossos filhos*, as duas últimas com interpretações notáveis de Elis Regina. Ironicamente, um de seus primeiros sucessos foi O amor é o meu país, de seu primeiro LP (1970), considerada alienada para um período tão conturbado.
Pra não dizer que não falei das flores, com a abertura política, canções outrora censuradas puderam, enfim, ser gravadas, como a citada música de Vandré, que fez parte de um disco ao vivo da cantora Simone, gravado no último dia do ano de 1979, no qual ela fazia votos de “que as pessoas menos afortunadas do que nós tenham um pouquinho de estabilidade na vida”. Um ano antes, num LP a que ele se refere como o “disco das samambaias”, por conta da capa, Chico Buarque não perdeu tempo e gravou logo três: Apesar de você, Cálice e Tanto mar.
A partir daí, surgiu uma leva de canções mais otimistas. Prenunciava-se “um novo tempo, apesar dos perigos”, com mensagens como “desesperar jamais, aprendemos muito nesses anos” (Ivan Lins e Vítor Martins). Como já disse Tom Zé, a felicidade é cheia de hino. Vieram, então, os hinos da anistia (O bêbado e o equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc; Tô voltando, de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro), das diretas (Pelas tabelas, de Chico Buarque), da Nova República (Coração de estudante, de Milton Nascimento e Wagner Tiso), culminando com o hino da redemocratização (Vai passar, de Chico Buarque e Francis Hime).
A arte, mais especificamente a música, sempre foi lenitivo a momentos difíceis. Quem canta seus males espanta, diz um dito popular. Cantando eu mando a tristeza embora, responde um cantor popular. E assim, virando a página, tocando em frente, caminhando, cantando e seguindo a canção, escrevemos nossa história em notas musicais.
* Aos nossos filhos (Ivan Lins / Vítor Martins)
Perdoem a cara amarrada
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço
Os dias eram assim
Perdoem por tantos perigos
Perdoem a falta de abrigo
Perdoem a falta de amigos
Os dias eram assim
Perdoem a falta de folhas
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha
Os dias eram assim
E quando passarem a limpo
E quando cortarem os laços
E quando soltarem os cintos
Façam a festa por mim
E quando lavarem a mágoa
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim
Quando brotarem as flores
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto pra mim
O compositor paraibano teve curta carreira artística, talvez desiludido com o caminho que traçava o país, a perseguição que sofria por lhe ser contrário e as dificuldades com a censura. Lançou apenas cinco discos, sendo o último em 1973. Tempo suficiente, porém, para compor belas canções, como Disparada e Canção da despedida. Sua canção mais conhecida, Caminhando (Pra não dizer que não falei das flores), tornou-se hino de resistência à ditadura. Era fascinante escutar pessoas cantando, em rodas de violão ou reuniões informais, uma música que não tocava em rádio e televisão, nem estava disponível em disco, o que, naqueles tempos, apenas contribuía para torná-la especial.
Da desilusão de Roda-Viva (“tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”) à esperança de Vai Passar (“vem ver de perto uma cidade a cantar a evolução da liberdade”), Chico Buarque foi o compositor que melhor traduziu o sentimento do povo em relação ao rumo político que o país tomava. No início dos anos 70, período crítico da ditadura militar, mandou um recado mais do que direto contra o governo e a repressão em Apesar de você. Quando a censura deu conta do recado, a canção já havia sido lançada em compacto simples que foi, então, recolhido.
O disco Calabar (1973), trilha sonora para a peça de mesmo nome, com composições de Chico Buarque e Ruy Guerra, teve que mudar a capa e o título, que passou a ser Chico canta. Fora isso, trechos de música foram alterados, palavras substituídas ou suprimidas. No jogo de palavras em que era mestre, Chico usou as sílabas de Calabar como mote de uma das canções do disco: Cala a boca Bárbara. Outras duas – Ana de Amsterdam e Vence na vida quem diz sim - apenas foram liberadas em versões instrumentais. Com subtítulo “O elogio da traição”, a peça fazia uma analogia entre Calabar – personagem da história do Brasil visto de forma controversa como traidor - e os opositores do regime militar.
Com o nome cada vez mais visado, Chico gravou, no ano seguinte, disco com músicas de outros compositores, com um sugestivo título: Sinal fechado. Para escapar da censura, passou a adotar, até ser descoberto alguns meses depois, o pseudônimo Julinho de Adelaide, com o qual assinou Milagre brasileiro, Acorda amor (“depois de um ano eu não vindo, ponha a roupa de domingo e pode me esquecer”) e Jorge Maravilha (“você não gosta de mim, mas sua filha gosta”).
Tim Maia disse, certa vez, que com uma música de Ivan Lins faria umas dez, em exaltação ao estilo apurado das composições do colega. Compositor mais comumente associado a canções românticas, Ivan Lins, com o parceiro e letrista Vítor Martins, também foi esmerado em canções políticas, como A noite (“a noite tem deixado seus rancores gravados...”), Cartomante (“nos dias de hoje não lhes dê motivo, porque na verdade eu te quero vivo”) e Aos nossos filhos*, as duas últimas com interpretações notáveis de Elis Regina. Ironicamente, um de seus primeiros sucessos foi O amor é o meu país, de seu primeiro LP (1970), considerada alienada para um período tão conturbado.
Pra não dizer que não falei das flores, com a abertura política, canções outrora censuradas puderam, enfim, ser gravadas, como a citada música de Vandré, que fez parte de um disco ao vivo da cantora Simone, gravado no último dia do ano de 1979, no qual ela fazia votos de “que as pessoas menos afortunadas do que nós tenham um pouquinho de estabilidade na vida”. Um ano antes, num LP a que ele se refere como o “disco das samambaias”, por conta da capa, Chico Buarque não perdeu tempo e gravou logo três: Apesar de você, Cálice e Tanto mar.
A partir daí, surgiu uma leva de canções mais otimistas. Prenunciava-se “um novo tempo, apesar dos perigos”, com mensagens como “desesperar jamais, aprendemos muito nesses anos” (Ivan Lins e Vítor Martins). Como já disse Tom Zé, a felicidade é cheia de hino. Vieram, então, os hinos da anistia (O bêbado e o equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc; Tô voltando, de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro), das diretas (Pelas tabelas, de Chico Buarque), da Nova República (Coração de estudante, de Milton Nascimento e Wagner Tiso), culminando com o hino da redemocratização (Vai passar, de Chico Buarque e Francis Hime).
A arte, mais especificamente a música, sempre foi lenitivo a momentos difíceis. Quem canta seus males espanta, diz um dito popular. Cantando eu mando a tristeza embora, responde um cantor popular. E assim, virando a página, tocando em frente, caminhando, cantando e seguindo a canção, escrevemos nossa história em notas musicais.
* Aos nossos filhos (Ivan Lins / Vítor Martins)
Perdoem a cara amarrada
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço
Os dias eram assim
Perdoem por tantos perigos
Perdoem a falta de abrigo
Perdoem a falta de amigos
Os dias eram assim
Perdoem a falta de folhas
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha
Os dias eram assim
E quando passarem a limpo
E quando cortarem os laços
E quando soltarem os cintos
Façam a festa por mim
E quando lavarem a mágoa
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim
Quando brotarem as flores
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto pra mim
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