Passados os movimentos da Bossa Nova, Tropicalismo e Jovem Guarda, e com a censura e a repressão impostas pelos nossos anos de chumbo dificultando o surgimento de novas expressões artísticas, o grande movimento dos anos 70 foi mesmo a Música Popular Brasileira, que ainda conseguiu conviver com a onda disco, importada dos Estados Unidos. O sucesso era tanto que representantes da dita MPB bateram recordes de venda de discos, algo incomum nas décadas seguintes, marcadas pelo predomínio de outros estilos, como ocorreu com o rock nos anos 80, axé e sertanejo nos anos 90.
Depois de dedicar um belo trabalho ao público infantil - Os saltimbancos -, Chico Buarque lançou disco que trazia as “liberadas” Cálice, com participação de Milton Nascimento, Tanto mar e Apesar de você, bem como algumas canções que estariam presentes em seu trabalho seguinte, a trilha sonora da peça “Ópera do Malandro”: Pedaço de mim, com participação de Zizi Possi, O meu amor, com interpretação de Elba Ramalho e Marieta Severo e Homenagem ao malandro. O disco tinha, ainda, Feijoada completa, Até o fim (já de saída a minha estrada entortou, mas vou até o fim), Pequeña serenata diurna – do cubano Sílvio Rodriguez, única não composta por Chico – e duas parcerias com Francis Hime, Pivete e Trocando em miúdos.
Talvez o melhor exemplo da alta qualidade das canções da época seja o citado álbum duplo Ópera do Malandro, que está completando trinta anos, como boa parte dos discos comentados, do final dos anos 70. Além de versões bem-humoradas para trechos de óperas, Chico compôs todas as canções do disco. Interpretou sozinho um dos destaques - Geni e o Zepelim - e contou com participações de Alcione em Casamento dos pequenos burgueses (vão viver sobre o mesmo teto até que a morte os una), Zizi Possi em Teresinha, Nara Leão em Folhetim, Gal Costa e Francis Hime em Pedaço de mim, Elba Ramalho e Marieta Severo de novo em O meu amor e mais: A Cor do Som, MPB-4, Marlene, Moreira da Silva, João Nogueira e As Frenéticas.
Com várias nações latino-americanas vivendo períodos de ditadura militar, houve uma aproximação natural de cantores desses países, como Pablo Milanés, Mercedes Sosa, Chico Buarque e Milton Nascimento. Chico fez versões para Iolanda e Cancion por la unidad de latino america, ambas do cubano Pablo Milanés. A segunda fez parte de Clube da Esquina 2, álbum duplo lançado por Milton em 1978, cujo maior destaque foi Maria, Maria, também gravada por Simone e Elis Regina. O disco reunia, novamente, Milton e os compositores mineiros Márcio e Lô Borges, Beto Guedes, Flávio Venturini e Fernando Brant. Contava, ainda, com participações de Francis Hime, Chico Buarque e Elis Regina.
Elis lançou disco gravado ao vivo, Transversal do tempo (78), que reunia, além de Fascinação, canções bem brasileiras, poéticas, políticas, como Rancho da goiabada, de João Bosco e Aldir Blanc (os bóias-frias quando tomam umas biritas espantando a tristeza...), Saudosa Maloca, de Adoniran Barbosa, Querelas do Brasil, de Maurício Tapajós e Aldir Blanc (o Brazil não conhece o Brasil), Sinal Fechado, de Paulinho da Viola, Cartomante, de Ivan Lins e Vítor Martins, Deus lhe pague e Construção, de Chico Buarque, Boto, de Tom Jobim e Jararaca – ecológica até no compositor - e Cão sem dono, de Sueli Costa e Paulo César Pinheiro (se eu cantar, a alegria sai falsa, se eu calar, a tristeza começa). Grandes compositores na voz de grande intérprete.
Ivan Lins, por sinal, também gravou Cartomante em álbum cujo título - Nos dias de hoje - foi tirado da letra dessa música e que incluía Aos nossos filhos, também gravada por Elis. Tom Jobim lançou um disco ao vivo com Toquinho, Vinícius e Miúcha e outro em dois volumes com a mesma cantora. Sivuca marcou presença com o LP Cabelo de milho, que trazia, entre as faixas, Feira de Mangaio - grande sucesso na voz de Clara Nunes – e o lirismo de No tempo dos quintais, com participação, nos vocais, de Raimundo Fagner.
Pra fechar a lista com mais de cem músicas citadas, outros grandes destaques da época: Maluco Beleza, Coração Leviano, Ive Brussel, Amanhã, Êxtase, Sufoco, Sonhos, Romaria, A Rosa, Mal necessário, Coração tranquilo, Bye bye Brasil, O bêbado e a equilibrista, Flor de Lis, Feira moderna, O cio da terra, Canção da América, Pombo correio, Vou festejar, Casinha branca, Medo de avião, Rua ramalhete, João e Maria, Dia branco, Jura secreta, Doce vampiro, Dancin’ days, Sobradinho, Espanhola, Você não me ensinou a te esquecer. Encerro com uma homenagem aos artistas da nossa música, feita em 1993 por seu ilustríssimo representante, carioca meio paulista, meio pernambucano, meio mineiro, meio baiano. Um artista brasileiro.
Para todos (Chico Buarque)
O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Meu maestro soberano
Foi Antonio Brasileiro
Foi Antonio Brasileiro
Quem soprou esta toada
Que cobri de redondilhas
Pra seguir minha jornada
E com a vista enevoada
Ver o inferno e maravilhas
Nessas tortuosas trilhas
A viola me redime
Creia, ilustre cavalheiro
Contra fel, moléstia, crime
Use Dorival Caymmi
Vá de Jackson do Pandeiro
Vi cidades, vi dinheiro
Bandoleiros, vi hospícios
Moças feito passarinho
Avoando de edifícios
Fume Ari, cheire Vinícius
Beba Nelson Cavaquinho
Para um coração mesquinho
Contra a solidão agreste
Luiz Gonzaga é tiro certo
Pixinguinha é inconteste
Tome Noel, Cartola, Orestes
Caetano e João Gilberto
Viva Erasmo, Ben, Roberto
Gil e Hermeto, palmas para
Todos os instrumentistas
Salve Edu, Bituca, Nara
Gal, Bethania, Rita, Clara
Evoé, jovens à vista
O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Vou na estrada há muitos anos
Sou um artista brasileiro
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