17.10.10

Uma vida que terminou aos 40

“A vida é aquilo que acontece enquanto planejamos o futuro” (John Lennon)

No último dia 9 de outubro, John Lennon* teria completado 70 anos. Morreu aos 40, há 30, em 80. Datas redondas. A geração que cresceu nos anos 80, após sua morte, não acompanhou a beatlemania, mas viveu a comoção provocada por seu assassinato, quando pôde entender melhor seu valor para a música em nosso planeta, devido a um novo momento de grande exposição do cantor na mídia, ocasionada pelo fato. Essa geração, que descobriu o sonho depois que o sonho acabou, percebeu que o mundo era redondo como os óculos de Lennon.

A morte prematura deixa uma sensação desagradável de falta, de algo por fazer ou que não pôde ser concluído. Música interrompida no meio da execução. No caso de Lennon, além de precoce, uma morte estúpida, que expôs, da pior forma, como ocorrera com Luther King e Gandhi, a fragilidade da utopia pacifista que ele pregava em seu trabalho, suas canções. Com o fim dos Beatles no auge do sucesso, as especulações e desejos de uma volta do grupo permaneceram por toda a década de 70 e o tiro disparado contra Lennon foi uma espécie de tiro de misericórdia, também nesse aspecto. O fim do sonho de toda uma geração.

Um ano antes, com o sonho ainda possível, o cantor Belchior compôs Comentário a respeito de John, que dizia: “João, o tempo andou mexendo com a gente, sim. John, eu não esqueço, a felicidade é uma arma quente”. No mesmo ano, o compositor mineiro Tavito, da turma do Clube da Esquina, que recebeu nítida influência dos Beatles, cantava, em Rua Ramalhete (Tavito / Ney Azambuja), sobre os rapazes de Liverpool: “Será que algum dia eles vem aí, cantar as canções que a gente quer ouvir?”. A resposta sombria não tardou a chegar.

Desde então, homenagens a Lennon sucederam-se, algumas em forma de música. Em 1981, a cantora Simone gravou, no disco Amar, Naquela noite com Yoko (Sueli Costa / Abel Silva). Na letra, o compositor falava do impacto emocional que lhe provocara a morte de Lennon, cuja falta era comparada a um pedaço de sua vida que se ia: “E a cada passo eu chorava, e a cada passo sentia que, de minhas veias, um pouco mais de vida escorria”. A citação explícita a Yoko, longe de apenas servir pra rimar com louco, parecia mais uma tentativa de unir-se, na dor, àquela que sempre fora olhada de viés pelos fãs dos Beatles (o mesmo olhar que, reza a lenda, Paul McCartney lhe dirigia, ao cantar o refrão: “get back to where you once belonged” - volte pro lugar de onde veio).

Na mesma época, os outros ex-beatles gravaram, juntos, All those year ago, de George Harrison, mais um tributo a John Lennon. Duas outras homenagens partiram do cantor britânico Elton John. Com o parceiro Bernie Taupin, Elton compôs, pouco depois da morte de Lennon, Empty garden, em que compara a vida na ausência do amigo com um jardim vazio: “a gardener like that one, no one can replace”** - um jardineiro assim, ninguém pode substituir (seu grito, "hey, hey, Johnny", é de cortar o coração). Sozinho, Elton compôs, também, para Lennon, a música instrumental The man who never died.

Além de um nome em comum, uma grande amizade unia Elton John e John Lennon. A última aparição de Lennon em palco foi em 1974, num show do amigo, com quem cantou algumas músicas, entre elas Lucy in the sky with diamonds, clássico dos Beatles. Curioso lembrar que o título dessa canção surgiu de um desenho escolar de Julian Lennon, filho de John, para a colega Lucy, sendo as iniciais LSD uma mera e feliz coincidência, segundo relato de Paul McCartney, citado em Many years from now, sua biografia autorizada, escrita pelo amigo Barry Milles (a canção também foi sucesso na voz de Elton, assim como One day at a time, da carreira solo de Lennon***).

Os anos 60 foram, de fato, revolucionários, inovadores e, se tivessem ocorrido hoje, cinco décadas depois, ainda o seriam. Paul McCartney afirmou, em 1994, também em depoimento a Many years from now: “... Não dá mesmo para acreditar que já faz trinta anos desde a década de 60. … Sinto que os anos 60 estão para chegar. Que estamos numa espécie de dobra temporal e que eles ainda estão para acontecer. … Eles me parecem um período mais no futuro que no passado”. Claro que essa década foi fruto do que veio antes, como a arte vanguardista do pós-guerra, da qual, por sinal, Yoko Ono fez parte, o que, de certa forma, fecha um ciclo.

O livro John Lennon – A vida, de Philip Norman, mostra o biografado como uma personalidade conflituosa, “violenta e carinhosa, perspicaz e ingênua, marcada em igual medida pela genialidade e pela extrema insegurança”, conforme texto de contra-capa da publicação. O cantor, que cresceu afastado dos pais, criado por uma tia, desde os seis anos, perdeu a mãe aos dezessete, no momento em que se reaproximava dela. A ausência deles em sua vida é retratada na autobiográfica canção Mother, de sua carreira solo (Mother, you had me / But I never had you / I wanted you / But you didn't want me / ... / Father, you left me / But I never left you / I needed you / But you didn't need me / So I just got to tell you / Goodbye). 

O fim do grupo, atribuído, no calor do momento, à influência de Yoko Ono sobre o marido, parece ter tido, na verdade, o mesmo motivo do fim de qualquer banda: a necessidade dos integrantes de mais espaço pra suas ideias. Olhando por esse aspecto, os Beatles, maior fenômeno da música pop mundial, que descobriu a receita do sucesso, seja com canções e arranjos sublimes, seja com músicas comerciais e de letras fáceis, contando com músicos e compositores de qualidade, dois deles disputando a liderança do grupo, até que duraram bastante.

* Veja trecho de documentário sobre Lennon, em inglês (16’)



** Elton John - Empty Garden


3 comentários:

Lais Castro disse...

Oi Paulo, aqui estou eu fazendo uma visitinha ao seu blog, influenciada por nossa amiga Fa. Abraço, Lais.

Lais Castro disse...

Ah... me tornei sua seguidora, mas confesso que sou meio preguiçosa para ler artigos muito longos em blogs!

Paulo Bap disse...

Legal, Laís. Obrigado pelas visitas e sinta-se, sempre, muito bem vinda. Tenho andado lhe seguindo em seus blogs, também. Abraços.