A primeira
edição do festival Rock in Rio, ocorrida em
janeiro de 1985, foi desses eventos que acontecem no momento certo,
no lugar certo. Com um público total de 1.380.000 pessoas, o maior
de todas as edições, tornou-se uma espécie de versão brasileira
de Woodstock, sem o mesmo caráter libertário e alternativo,
mas com semelhante apelo de um período musical fértil por trás,
guardadíssimas as devidas proporções.
O Rock in Rio I
foi, ao mesmo tempo, divisor de águas e ponto médio no percurso
ascendente que a nova onda roqueira percorria no país, a começar da
data em que foi realizado, bem no meio da década de 80. Mesmo com o
rock nacional já consolidado, o festival contribuiu para seu
crescimento mais acelerado e uma maior profissionalização do
negócio como um todo, o que gerou oportunidade para novas bandas que
não paravam de surgir, fossem de boa ou má qualidade aos olhos e
ouvidos críticos. Por outro lado, durante o evento, muito se queixou
da diferença de tratamento dispensado aos músicos locais em relação
aos estrangeiros, estes com mais exigências e regalias.
Para o público, o clima
do festival foi o melhor possível. Refletia o astral do país, que
encerrava, na ocasião, um período de 21 anos de ditadura militar e
virava a tal página infeliz da nossa história. Além de grandes
nomes da MPB, como Ney Matogrosso, Ivan Lins, Erasmo Carlos, Rita
Lee, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Alceu Valença, Moraes Moreira e de
artistas do rock nacional que despontavam a olhos vistos e não
vistos (Blitz, Kid Abelha, Lulu Santos, Barão Vermelho,
Paralamas do Sucesso), o festival teve como atrações
internacionais os grupos Queen, Yes, AC/DC, Iron Maiden e os
cantores James Taylor e Rod Stewart, entre outros.
Bandas como Legião
Urbana, Titãs, Ultraje a Rigor e RPM, que logo
despontariam para o sucesso, não participaram do evento.
Diferentemente de edições posteriores, o Rock in Rio I
contou com apenas um palco, sem abrir espaço para revelações.
Mesmo dentre os novos talentos, preferiu investir em nomes mais
conhecidos ou já consagrados. O Ultraje a Rigor, não
obstante, foi homenageado no show dos Paralamas do Sucesso,
que cantaram Inútil*
(de Roger Moreira, líder do grupo), num dos grandes momentos do
festival.
Passados 25 anos da última
eleição direta para presidente e com o fracasso recente da campanha
Diretas Já (que virou diretas já já), a letra de Inútil,
por meio de um linguajar que remetia ao sucateamento da educação, à
má qualidade do ensino e à baixa escolaridade do brasileiro,
começava com a constatação: “A gente não sabemos escolher
presidente”. Com inflação, crise, dívida externa e FMI na
pauta dos assuntos econômicos, prosseguia: “A gente pede grana
e não consegue pagar” e, após sucessivos fracassos nas copas
de 74, 78 e 82, terminava com outro fato inegável: “A gente
joga bola e não consegue ganhar”. Em suma: “A gente somos
inútil”.
Vários outros momentos
marcaram o evento e, mesmo quem não o acompanhou à época, deve ter
deparado, depois, com imagens como as emocionantes interpretações
de Love
of my life pelo grupo Queen ou You've
got a friend por James Taylor. Taylor, pouco depois, viria a
compor Only
a dream in Rio, canção em que declara seu amor à cidade e
fala da experiência pela qual passou no festival carioca: “Eu
estava lá naquele dia / E meu coração voltou a viver / Havia mais
do que as vozes que cantavam / Mais do que rostos me olhando / E mais
do que olhos brilhando”.
A nível nacional, muitos
dos momentos inesquecíveis do Rock in Rio I tiveram relação
com as mudanças políticas por que passava o país, com a
redemocratização. Mesmo versos de canções que não tinham,
originalmente, ligação com o tema, acabaram por ganhar essa
conotação, como: “Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus
sinais” (Anunciação**
– Alceu Valença) e “Estamos, meu bem, por um triz, pro dia
nascer feliz” (Pro dia nascer feliz – Cazuza / Frejat
).
Em 15 de janeiro de 85,
Tancredo Neves foi eleito, de forma indireta, presidente da
República, o que marcou o fim dos governos militares no país.
Naquele mesmo dia, o grupo Barão Vermelho apresentou, no
festival, um show emocionante, com os componentes da banda em total
sintonia com a plateia, todos imbuídos do mesmo espírito
patriótico, revestidos por trajes e bandeiras verde-amarelas. No
ponto máximo do show, Cazuza clamou: “Que o dia nasça lindo
pra todo mundo amanhã. Um Brasil novo, com a rapaziada esperta”,
após cantar Pro
dia nascer feliz***, para delírio do público.
A quarta
edição do festival
em território brasileiro terá início nesta sexta-feira, 23 de
setembro. A programação é diversificada e tem como maiores
destaques internacionais Elton John e Stevie Wonder. A ideia de um
espaço alternativo foi mantida e promete alguns bons shows. Nada
comparável àquela edição que, não só em termos de atrações,
mas sobretudo pelo momento cultural e político do país, parece ser
insuperável. Afinal, uma esperança clara por dias melhores combina
perfeitamente com o espírito juvenil, que, por sua vez, casa muito
bem com um festival de rock. E não é todo dia que esse amoroso
triângulo é formado, que a Lua está na sétima casa e Júpiter
alinhado a Marte.
*
**
***
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