3.3.12

Sobre Wando

O pertencer a uma mesma geração proporciona uma série de cumplicidades às pessoas, sendo a música uma das mais diretas e representativas. A contemporaneidade, logicamente, não implica em homogeneidade de inclinações, mas cria certos vínculos emocionais. Pessoas de gerações diferentes, mesmo com gosto musical parecido, não vivenciam essa cumplicidade, uma vez que ela é construída não por identidade de gosto, mas com base em momentos em comum vividos numa mesma fase da vida e ao longo do tempo.

A morte do cantor Wando e como ela repercutiu de forma diferente em diferentes gerações, muito ou pouco sentida, ilustra bem essas reflexões. Muito se questionou o fato de ele ter sido endeusado e reverenciado, por alguns, apenas depois de morrer. Pode ser, isso ocorre com frequência - ou, como diria Cauby, essas coisas acontecem por aí naturalmente -, mas alguns desses depoimentos pareceram sinceros e é provável que tenham partido justamente de alguns de seus contemporâneos.

O moço mineiro tinha público cativo e sua popularidade remonta à década de 70, quando O importante é ser fevereiro foi gravada por Jair Rodrigues. Pouco depois, ele compôs Moça*, que o posicionou, perante a mídia, na categoria dos cantores românticos - ainda não existia o termo brega. A música fez parte da trilha sonora da primeira versão da novela Pecado Capital e foi regravada, anos depois, por CaetanoVeloso. Na mesma linha e na mesma época, Wando compôs A menina e o poeta**, bonita, mas pouco conhecida, mesmo tendo sido gravada por Roberto Carlos, em seu disco de 1976. Nesse mesmo período, despontaram, também, Agepê, Hildon, entre outros.

Já nos anos 80, Chora coração, tema da novela Roque Santeiro e Coisa cristalina foram grande destaque, mas nada comparável a Fogo e paixão, seu maior sucesso, um “Ai se eu te pego” da época que, com sua letra quente, consolidou a fama de amante latino do cantor e o hábito de seus iaiás e ioiôs de jogarem peças íntimas no palco. Ele afirmava, porém, que essa aproximação com o público feminino sempre fora seu objetivo, desde o início da carreira.

Ninguém atravessou incólume os anos 80 que, ao proporcionar a ruptura da fronteira entre estilos musicais, representou uma espécie de retropicalismo, somado a grandes porções de jovem guarda. Há semelhanças entre o é proibido proibir tropicalista e o vale tudo ou libera geral oitentista, quando cantores mais populares passaram a frequentar espaços elitizados, antes exclusivos e restritos, como as rádios FM ou as casas de show voltadas para as classes mais abastadas. Com Wando, não foi diferente. Aquela que já cantarolou uma música dele, que atire a primeira calcinha, a segunda, a terceira...

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A menina e o poeta (Wando)

Virgem menina morena
Nos cabelos uma trança
No rosto um jeito criança
Na voz um canto mulher

Virgem menina morena
Nos olhos toda a primavera
No corpo uma longa espera
Coração banhado em fé

A tarde corre pra noite
A lua desperta sorrindo
A menina na janela
Botão em flor se abrindo

Nasceu o primeiro desejo
Conhecer o primeiro amor
Na história de um poeta
A menina acreditou

Mas o poeta foi um dia
E até hoje não voltou
Ninguém sabe o caminho
Que o poeta levou

O vento que foi com ele
Um dia por lá voltou
Mas só que voltou sozinho
E a menina chorou

Na história do poeta
A menina acreditou
E dos olhos da menina
Uma lágrima rolou

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