“Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter
finalmente vencido na vida, mas eu acho isso uma grande piada e um
tanto quanto perigosa” (Raul Seixas)
Abrindo as portas de abril, que se apresenta como mês promissor para os apreciadores da música pop(ular) em vários gêneros, com shows especiais como Maria Rita interpretando Elis Regina, o retorno do grupo Los Hermanos, nova turnê brasileira de Paul McCartney e novo show de Chico Buarque, entrou em cartaz nos cinemas nacionais o filme RaulSeixas – O início, o fim e o meio, de Walter Carvalho (Cazuza – O tempo não para, Budapeste).
No filme, a carreira do cantor e compositor baiano é mostrada em
interessante paralelo com seus relacionamentos afetivos, dos quais,
em meio a depoimentos de amigos, admiradores e parceiros, os
testemunhos de parentes são os mais reveladores. Dentre as mulheres
com quem o músico viveu, apenas a primeira não quis ser
entrevistada: escreveu uma carta, em que afirma não querer falar no
assunto. As demais companheiras, bem como suas filhas, referem-se a
ele de forma, em geral, carinhosa. Uma das mulheres apresenta o neto
adolescente do maluco beleza, nascido nos EUA, como o filho que Raul
não teve. A semelhança entre avô e neto impressiona.
O início – Nos anos 60, contagiado pela onda roqueira que
assolava o mundo e o país, Raul Seixas aproximou-se de um dos
destaques da Jovem Guarda, Jerry Adriani, a quem acompanhou em
shows. Pouco depois, lançou seu primeiro disco, Raulzito e os
Panteras e trabalhou, também, como produtor musical. No início
dos anos 70, lançou outro trabalho, junto com Sérgio Sampaio,
Miriam Batucada e Edy Star: Sociedade da grã-ordem kavernista
apresenta sessão das dez.
O fim – O filme de Walter Carvalho aborda, por meio de
depoimentos e imagens, um aspecto polêmico do final da carreira de
Raul Seixas, em que ele aproximou-se do também cantor e compositor
Marcelo Nova, ex-vocalista e líder da banda Camisa de Vênus.
A discussão deu-se em relação ao comportamento de Marcelo Nova,
visto por uns como oportunista - que estaria se aproveitando da fama
de Raul - e por outros como solidário, que o estaria ajudando, num
momento em que ele estava debilitado e um tanto esquecido.
O meio - Em 1973/74, Raul Seixas fez dois de seus melhores e
mais destacados discos, Krig-ha Bandolo e
Gita, que têm no repertório vários de seus clássicos:
Metamorfose ambulante, Medo da chuva, Mosca na sopa, Sociedade alternativa, O trem das sete, Ouro de tolo e Gita,
as três últimas também gravadas por Zé Ramalho (fez um disco
inteiro cantando Raul), Caetano Veloso e Maria Bethânia,
respectivamente. Neles, teve início sua parceria com Paulo Coelho,
que duraria até perto do final da década, com algumas canções de
Mata virgem* (78). Nessa época, as trilhas
sonoras nacionais das novelas da Globo eram encomendadas a um único
artista ou grupo e, não bastassem os dois citados discos, as canções
de O rebu (1974) ficaram a cargo da prolífica dupla.
A irreverência, característica tão agradável aos olhos infantis,
ajuda a explicar a empatia que certos grupos musicais despertam nas
crianças ao longo do tempo. Essa irreverência é percebida não só
na obra do conjunto - a música em si -, mas no conjunto da obra - as
atitudes, a postura, a aparência, as vestimentas dos músicos. Na
década de 70, esse comportamento foi visto, de forma mais intensa,
tanto nos Secos & Molhados, como em Raul Seixas. Duas das
composições que mais marcaram os infantes daquela geração vieram
deles: O vira, dos primeiros e Mosca na sopa, do segundo. Indiferentes a
qualquer sentido político-social da letra de Mosca na sopa,
era a interpretação literal que agradava às crianças, além do
ritmo, uma mistura de baião com rock.
Falando em baião e rock, Luiz Gonzaga e Elvis Presley sempre foram
identificados por Raulzito como suas maiores fontes de inspiração e
é perceptível a mistura dos estilos dos dois músicos em suas
composições. É empolgante uma cena do filme em que ele, ao citar
essas influências, emenda uma música de Elvis com a Asa Branca
de Gonzagão, num encaixe perfeito, que fala por si só. É mosca na
sopa. Já nos exagerados anos 80, em que a irreverência foi mais
regra que exceção, Raul voltou a se aproximar do universo infantil
com Carimbador Maluco - tema do especial Plunct
Plact Zuuum, da Rede Globo -, para surpresa de seus já
crescidinhos fãs.
Parecido com o que ocorreu com o público infantil, a identificação
dos jovens com Raul deu-se, em boa parte, por conta de sua postura
rebelde. Por meio de suas canções, ele expôs ao público um ponto
de vista divergente ou alternativo quanto a conceitos firmados como
vencer na vida ou ser normal, tratados como absolutos por quem tem
aquela velha opinião formada sobre tudo, inclusive sobre o que é
vencer na vida ou ser normal.
Você é um pé de planta
Que só dá no interior
No interior da mata
Coração do meu amor
Que só dá no interior
No interior da mata
Coração do meu amor
Você é roubar manga
Com os moleques no quintal
É manga rosa, espada
Guardiã no matagal
Qual flor de uma estação
Botão fechado eu sou
Se amadurecendo
Pra se abrir pro meu amor
Úmida de orvalho
Que o sol não enxugou
Você é mata virgem
Pela qual ninguém passou
É capinzal noturno
Escuro e denso protetor
De um lago leve e morno
Teu oásis seu amor
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