1.4.12

Raul toca

Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida, mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto perigosa” (Raul Seixas)


Abrindo as portas de abril, que se apresenta como mês promissor para os apreciadores da música pop(ular) em vários gêneros, com shows especiais como Maria Rita interpretando Elis Regina, o retorno do grupo Los Hermanos, nova turnê brasileira de Paul McCartney e novo show de Chico Buarque, entrou em cartaz nos cinemas nacionais o filme RaulSeixas – O início, o fim e o meio, de Walter Carvalho (Cazuza – O tempo não para, Budapeste).

No filme, a carreira do cantor e compositor baiano é mostrada em interessante paralelo com seus relacionamentos afetivos, dos quais, em meio a depoimentos de amigos, admiradores e parceiros, os testemunhos de parentes são os mais reveladores. Dentre as mulheres com quem o músico viveu, apenas a primeira não quis ser entrevistada: escreveu uma carta, em que afirma não querer falar no assunto. As demais companheiras, bem como suas filhas, referem-se a ele de forma, em geral, carinhosa. Uma das mulheres apresenta o neto adolescente do maluco beleza, nascido nos EUA, como o filho que Raul não teve. A semelhança entre avô e neto impressiona.

O início – Nos anos 60, contagiado pela onda roqueira que assolava o mundo e o país, Raul Seixas aproximou-se de um dos destaques da Jovem Guarda, Jerry Adriani, a quem acompanhou em shows. Pouco depois, lançou seu primeiro disco, Raulzito e os Panteras e trabalhou, também, como produtor musical. No início dos anos 70, lançou outro trabalho, junto com Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Edy Star: Sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez.

O fim – O filme de Walter Carvalho aborda, por meio de depoimentos e imagens, um aspecto polêmico do final da carreira de Raul Seixas, em que ele aproximou-se do também cantor e compositor Marcelo Nova, ex-vocalista e líder da banda Camisa de Vênus. A discussão deu-se em relação ao comportamento de Marcelo Nova, visto por uns como oportunista - que estaria se aproveitando da fama de Raul - e por outros como solidário, que o estaria ajudando, num momento em que ele estava debilitado e um tanto esquecido.

O meio - Em 1973/74, Raul Seixas fez dois de seus melhores e mais destacados discos, Krig-ha Bandolo e Gita, que têm no repertório vários de seus clássicos: Metamorfose ambulante, Medo da chuva, Mosca na sopa, Sociedade alternativa, O trem das sete, Ouro de tolo e Gita, as três últimas também gravadas por Zé Ramalho (fez um disco inteiro cantando Raul), Caetano Veloso e Maria Bethânia, respectivamente. Neles, teve início sua parceria com Paulo Coelho, que duraria até perto do final da década, com algumas canções de Mata virgem* (78). Nessa época, as trilhas sonoras nacionais das novelas da Globo eram encomendadas a um único artista ou grupo e, não bastassem os dois citados discos, as canções de O rebu (1974) ficaram a cargo da prolífica dupla.

A irreverência, característica tão agradável aos olhos infantis, ajuda a explicar a empatia que certos grupos musicais despertam nas crianças ao longo do tempo. Essa irreverência é percebida não só na obra do conjunto - a música em si -, mas no conjunto da obra - as atitudes, a postura, a aparência, as vestimentas dos músicos. Na década de 70, esse comportamento foi visto, de forma mais intensa, tanto nos Secos & Molhados, como em Raul Seixas. Duas das composições que mais marcaram os infantes daquela geração vieram deles: O vira, dos primeiros e Mosca na sopa, do segundo. Indiferentes a qualquer sentido político-social da letra de Mosca na sopa, era a interpretação literal que agradava às crianças, além do ritmo, uma mistura de baião com rock.

Falando em baião e rock, Luiz Gonzaga e Elvis Presley sempre foram identificados por Raulzito como suas maiores fontes de inspiração e é perceptível a mistura dos estilos dos dois músicos em suas composições. É empolgante uma cena do filme em que ele, ao citar essas influências, emenda uma música de Elvis com a Asa Branca de Gonzagão, num encaixe perfeito, que fala por si só. É mosca na sopa. Já nos exagerados anos 80, em que a irreverência foi mais regra que exceção, Raul voltou a se aproximar do universo infantil com Carimbador Maluco - tema do especial Plunct Plact Zuuum, da Rede Globo -, para surpresa de seus já crescidinhos fãs.

Parecido com o que ocorreu com o público infantil, a identificação dos jovens com Raul deu-se, em boa parte, por conta de sua postura rebelde. Por meio de suas canções, ele expôs ao público um ponto de vista divergente ou alternativo quanto a conceitos firmados como vencer na vida ou ser normal, tratados como absolutos por quem tem aquela velha opinião formada sobre tudo, inclusive sobre o que é vencer na vida ou ser normal.




* Mata virgem (Raul Seixas / Tania Menna Barreto)

Você é um pé de planta
Que só dá no interior
No interior da mata
Coração do meu amor

Você é roubar manga
Com os moleques no quintal
É manga rosa, espada
Guardiã no matagal

Qual flor de uma estação
Botão fechado eu sou
Se amadurecendo
Pra se abrir pro meu amor

Úmida de orvalho
Que o sol não enxugou
Você é mata virgem
Pela qual ninguém passou

É capinzal noturno
Escuro e denso protetor
De um lago leve e morno
Teu oásis seu amor

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