21.8.06

“Há várias formas de fazer MPB.
Eu prefiro todas.”


Nos anos 70, os festivais de música popular brasileira não tinham mais a mesma força que na década anterior e os artistas então revelados não mais buscavam reconhecimento, sendo já bastante admirados pelo público. Ao mesmo tempo, a censura abria suas asas e soltava suas feras, em dias nem tão dançantes, de tanta mentira, tanta força bruta...

Foi nesse cenário que a gravadora Phonogram, atual Universal, reuniu seu especial elenco de cantores, os quais representavam o que havia de melhor na MPB à época (e ainda hoje) e realizou o memorável encontro batizado de Phono 73, no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, durante três dias do ano de 1973. Essa histórica apresentação foi lançada, em 2005, em uma caixa com dois CD’s e um DVD, este último, infelizmente, sem a íntegra dos shows, mas apenas 36 minutos de imagens ainda inéditas, entre apresentações e bastidores, tudo o que conseguiu ser recuperado do material filmado na época. Embora a qualidade do som, tecnicamente falando, não seja tão boa e assincronismos entre som e imagem sejam bem perceptíveis em alguns trechos do vídeo, isso não compromete a coleção, que vale pela reunião de tantos talentos, em performances tão ousadas e inovadoras, que fazem o nosso século XXI parecer bem careta em frente àqueles tempos, aos olhos de quem assiste.

O melhor momento do show, registrado no DVD, é quando Chico Buarque e Gilberto Gil aparecem em uma das primeiras apresentações públicas da canção "Cálice", de autoria dos dois, recém-composta. Censurada, a música não podia ser executada em ambientes públicos. Foi então que Gil, com toda sua perspicácia e imaginação, começou a cantar a melodia, emitindo sons vocais por ele inventados, em substituição à letra da música e Chico respondeu, cantando apenas seu inofensivo refrão. Tudo ia bem, até que Chico pôs um "arroz à grega" no meio da letra, em alusão ao fato de que os jornais da época, quando tinham suas matérias censuradas, colocavam em seu lugar receitas culinárias. Foi o suficiente para cortarem o som do seu microfone durante a apresentação (nesse dia, colocaram um censor esperto para acompanhar o show, mas nem tanto, como veremos a seguir), ao que ele protestou ao final da música, dizendo que esse corte não estava programado e era desnecessário ("Estava no programa que eu não posso cantar a música Cálice nem Anna de Amsterdam. Não vou cantar nenhuma das duas, mas desligar o som não precisava não"), o que ficou registrado, graças ao som da mesa de áudio, que permaneceu ligado ("Cálice" só pôde ser gravada em LP no ano de 1978, num dos melhores discos de Chico, que continha, além dessa, outras duas músicas que haviam sido liberadas para execução naquela ocasião: "Apesar de você" e "Tanto mar"). Ao cantar, depois, a música Baioque, de sua autoria, ele diz: "Vamos ao que pode", momento também registrado no CD.

Como todo autoritarismo é irracional e incoerente e o censor não era tão esperto assim (ou só tinha ouvidos pra o bicho-papão Chico), apesar da proibição de "Cálice", permitiu-se que o conjunto MPB-4 cantasse a música "Pesadelo" (ver letra ao final do texto), de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, de letra bem contundente e direta.

Alguns cantores apresentaram-se, sozinhos ou em duplas, em exibições bonitas, polêmicas, contestadoras ou provocantes (não necessariamente nessa ordem, nem fora dela): Caetano Veloso incorporou com sensibilidade e perfeição o sertanejo, ao cantar "A Volta da Asa Branca", de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, quase sem acompanhamento, apenas (?) sua voz e depois dividiu o palco com o cantor "popular" Odair José sob vaias da platéia, ao que respondeu chamando o evento de "Caphono 73" e dizendo que "não existe nada mais Z do que público classe A"; Maria Bethânia e Gal Costa, belas e sensuais com suas barriguinhas de fora, cantaram juntas a bela "Oração de Mãe Menininha", de Dorival Caymmi, beijando-se na boca ao final e Sérgio Sampaio, autor de "Eu quero é botar meu bloco na rua", em uma de suas poucas aparições públicas, fez coreografia um tanto quanto despudorada, considerando-se que naquela época não se estava acostumado com boquinhas da garrafa nem tampouco com vizinhos querendo comer coelhinhos, como hoje em dia. O DVD exibe, ainda, participações de nada menos que Toquinho e Vinícius, Elis Regina e Raul Seixas, entre outros.

O manifesto do evento falava da diversidade da nossa música e da necessidade de se aceitarem todas as formas de expressão, "porque negá-las seria negar comunidades inteiras". E citava uma frase de Gilberto Gil, a qual sintetizava o espírito do festival (que, não por acaso, tinha como subtítulo "O canto de um povo"), e que vem norteando toda sua notável carreira: "Há várias formas de fazer música brasileira. Eu prefiro todas".



PESADELO (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro)

Quando o muro separa uma ponte une
Se a vingança encara o remorso pune
Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua ela um dia é nossa
Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós, olha aí

Você corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto
De repente olha eu de novo
Perturbando a paz, exigindo troco
Vamos por aí eu e meu cachorro
Olha um verso, olha o outro
Olha o velho, olha o moço chegando
Que medo você tem de nós, olha aí

O muro caiu, olha a ponte
Da liberdade guardiã
O braço do Cristo, horizonte
Abraça o dia de amanhã, olha aí

12.8.06

As duas faces do terror


Certamente, você lembra onde estava no dia 11 de setembro de 2001, um dia de muita angústia, incerteza, tristeza e medo para todos nós. A cena dos aviões chocando-se contra os dois prédios do World Trade Center, em Nova York, nos Estados Unidos, é impressionante, quem a viu nunca vai esquecer e, por mais que você a reveja, não consegue conceber tamanha tragédia. Em frações de segundos, centenas de vidas, nos aviões e nos prédios, acabaram-se e, em poucos minutos, outras milhares também, com a queda das torres. Foram quase três mil mortos e apenas vinte pessoas resgatadas com vida dos escombros. Parecia um filme de guerra, de ficção ou de terror, algo difícil de se esquecer. Parecia um filme e agora é isso também ...

Na semana em que a Inglaterra prendeu supostos suspeitos de planejarem ataques terroristas contra aviões que fazem a rota entre Londres e cidades americanas e há cinco anos dos atentados contra os maiores prédios de Nova York, foi lançado, nos Estados Unidos, o filme "World Trade Center" (traduzido como "Torres Gêmeas", no Brasil), de Oliver Stone que, além de "Platoon", sobre a guerra do Vietnã, dirigiu o filme "JFK – a pergunta que não quer calar", entre outros, e pretende, com este novo filme, dar ao episódio uma visão de esperança e luta em vez de morte e destruição. O filme conta a história real de dois sobreviventes dos atentados, John McLoughlin e Will Jimeno, os quais faziam parte, à época, da polícia de Nova York e que, ao tentarem salvar a vida dos que se encontravam dentro do World Trade Center após o choque dos aviões, acabaram se tornando, também, vítimas, ficando durante horas sob os escombros de uma das duas torres. No elenco, Nicolas Cage como John McLoughlin e Michael Pena, destaque em "Crash – No limite", como Will Jimeno.

O filme, que estréia no Brasil em outubro de 2006, é todo feito do ponto de vista dos dois policiais e, por isso, não mostra os aviões chocando-se contra as torres (que ironicamente situavam-se na Liberty Street), mas sim a angústia e o desespero de quem estava dentro dos prédios após o choque e antes dos desabamentos. Ao optar por mostrar o drama das vítimas, sem, também, analisar politicamente o fato, o diretor agradou à maioria dos espectadores (o filme foi considerado "patriótico" por alguns críticos americanos e foi bem recebido pela maioria da população de Nova York), mas perdeu a oportunidade de mostrar, também, ao mundo que, assim como o WTC tinha duas torres, o terrorismo tem duas faces. Sobre o mesmo tema, o canal de TV por assinatura GNT exibe os documentários "O Centro do Mundo" e "Uma História de Duas Torres", a partir do próximo dia 28 de agosto.

Nada justifica um ato de tamanha insanidade, mas é certo que, com a conivência e o apoio americanos, ou mesmo independente deles, atrocidades semelhantes são cometidas diariamente, em vários cantos do mundo, mas, como não acontecem em locais que têm próximos de si a Quinta Avenida, a Broadway, a Estátua da Liberdade ou a Wall Street, não recebem a mesma atenção da comunidade internacional. Ademais, depois desse triste episódio, milhares de outras vidas inocentes também foram (e continuam sendo) perdidas, no Afeganistão, no Iraque, no conflito entre Israel e Palestina e agora no Líbano, com a presença, o apoio ou simplesmente a indiferença dos Estados Unidos, em guerras insensatas, que não levam a nada e que nunca terminam. Tais guerras só fazem aumentar o ódio contra este país norte-americano, que está em maus lençóis (ou burcas), pois, diferentemente da Guerra Fria, que se autodissolveu, com o fracasso do regime comunista nos países do leste europeu, a guerra atual é de fundo religioso, da parte dos muçulmanos (embora um tanto quanto racista por parte dos americanos) e religião é algo bastante precioso para a população islâmica, a qual não se restringe a um só país, fazendo com que o terrorismo seja um inimigo permanente, disperso, oculto, apátrida e, por tudo isso, difícil de ser combatido, tornando esta uma espécie de guerra eterna e de difícil solução. Antes fosse apenas uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade fosse mera coincidência.

Página oficial do filme: www.wtcmovie.com.

30.7.06

Direita, volver! Esquerda? Vou ver.

Dizem que conselho não serve pra nada. Principalmente se for Conselho da ONU, que vive a desorientar o Oriente Médio (Israel is real!). Por isso, não vou dar conselho, apenas falar sobre as eleições para presidente da República, aqui no Brasil. Enquanto o PCC não lança candidato, vejamos quais são as opções que nos restam, da direita pra esquerda.

Luciano Bivar, o presidente do Sport Club do Recife, quer ser presidente do Brasil, mas não passa do primeiro turno. Ainda bem, pois, a tirar pelo que ele vem fazendo no Sport, se pessoas assim ganhassem as eleições, o Brasil não passaria da segunda divisão e não seria nunca um país de primeira.

Os alckimistas estão chegando, achando terem descoberto o remédio para todos os males, o santo remédio, o "Ópio Dei". Não sabem da missa um terço, nem um cesto. De chuchu. Não nos preocupemos, entretanto. A "pedra filosofal" é bom devoto, mas é ruim de voto. Entende de ex-voto, mas não de voto. Deixemos pra ele apenas a "panacéia desvairada", pois o Brasil já provou dessa droga e de seus genéricos durante cerca de quarenta anos e agora eles estão fora de validade. Vota nele e tu entras pelo cano.

Lula, em algumas ocasiões, avançou o sinal e, por sinal, talvez por isso tenha, agora, resolvido diminuir o valor das multas do código de trânsito. Mas, é que a estrada estava mal sinalizada e ele, correndo muito, pois só tinha quatro anos pra recuperá-la. Não convém, portanto, suspender seu direito de dirigir. Ele tem poucos pontos na carteira de motorista e, pra ser passível de suspensão, o código dá vinte (isso não está me cheirando bem, está cheirando a chuchu, a hóstia hostil, Ópio Dei, ops, Opus Dei). Dêem-lhe, então, um voto de confiança. Dêem o exemplo: nessa eleição, respeitem o sinal vermelho.

Ao escolherem seu candidato, não pensem se é primeiro ou segundo turno, nem em votar em quem tem mais chance. Votem em quem quiserem, votem em vão, votem em Cristóvam. Abram o peito e digam orgulhosos: "Eu votei em Vam"! Não vão se arrepender. Ou então abram as portas e deixem o Sol entrar ...

Heloísa Helena é uma mulher com H maiúsculo (logo dois!). Só veste jeans e camiseta, não tá nem aí pra bolsa, não faz uso de maquiagem e não gosta de quem USA. Agora, receber o apoio de Garotinho é brincadeira! Assim, não brinco mais.

Resumindo:

Direita, volver! Esquerda? Vou ver.

Servidores e SINASEMPU:
a força da União*

Trabalhador sem sindicato
Não é trabalhador de fato
Nem tampouco de direito
É um pobre dum sujeito
Que vive à mercê do patrão
Contenta-se com o ganha-pão
E não luta por seus direitos

Até que ele se aposente
Depois de anos no batente
E aí venha um presidente
E o chame de vagabundo
Na frente de todo o mundo
Num desrespeito total
Na maior cara-de-pau

Se faço protesto, não presto
A fazer greve, quem se atreve?
Se me aposento, sou mal elemento
Uma só voz se perde no vento
Mas a união faz o momento
Lutar sozinho é perda de tempo
Lutemos eu, você e o Sinasempu

Num país de desempregados e míseros salários
De violência urbana e conflitos agrários
De injustiças sociais e preconceitos vários
De muitos discriminados e poucos privilegiados
De promessas fáceis a problemas complicados
Os primeiros passos podem ser dados
Se todos forem sindicalizados

Com um sindicato, a história é diferente
Tem-se alguém que fale por a gente
Como o Sinasempu, sempre presente
Premiando quem é filiado
Denunciando o que está errado
Com Luiz Ivan e Márcia Broxado
Junto aos servidores, lado a lado

O Sinasempu também está presente
Em nossa luta por um salário decente
Contra nepotismo empregando parente
Contra assédio moral patente ou latente
Com postura e atitude que nos fortalece
Por um trabalho justo, digno e sem stress
Pela reestruturação do MPU e pelo nosso PCS



* Trabalho inscrito no concurso literário em comemoração aos dez anos do SINASEMPU (Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério Público da União) http://www.sinasempu.org.br/Concurso/concurso.htm

23.7.06

Coisa mais linda


O filme "Vinícius", de Miguel Faria Jr., exibido nos cinemas em 2005, está agora disponível em DVD duplo. O documentário, sobre a vida e a obra do poeta Vinícius de Moraes, tem direção musical do maestro Luiz Cláudio Ramos, o mesmo que fez os arranjos das músicas do novo CD Carioca, de Chico Buarque e sua bela trilha sonora foi lançada em CD pela gravadora Biscoito Fino.

O diretor Miguel Faria Jr. tem em seu currículo filmes premiados no exterior, como "Pecado Mortal", de 1970 e "República dos Assassinos", de 1979, além de "Para Viver um Grande Amor", de 1984, com roteiro de Chico Buarque para adaptação de uma peça teatral de Vinícius, de nome "Pobre Menina Rica". Por não ter gostado do resultado final desse trabalho (muito bom na parte musical), o diretor sentia-se, desde então, em débito com Vinícius, como afirmou em entrevista, o que o estimulou mais ainda a realizar este filme sobre o poeta.

Vinícius foi crítico de cinema, diplomata e escreveu, em 1956, a premiada e inovadora peça "Orfeu da Conceição", a qual iniciou sua parceria musical com Tom Jobim, que daria origem à Bossa Nova, juntamente com João Gilberto. A peça foi adaptada, depois, para o cinema, em duas ocasiões: no filme "Orfeu do Carnaval", de 1959, dirigido por Marcel Camus e vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e, quarenta anos depois, no filme "Orfeu", de Cacá Diegues. Mas é na poesia e na música sua maior (em todos os sentidos) contribuição, como ele mesmo confirma, em entrevista a Clarice Lispector: "Cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto".

Além de mostrar essa inquestionável importância de Vinícius de Moraes na poesia e na música brasileira, o filme "Vinícius" mostra também aspectos de sua vida pessoal. Aliás, analisando-se a trajetória de sua vida exposta no filme, pode-se concluir que seu espírito jovem, sua simplicidade e o imenso valor que atribuía à amizade explicam a razão de ele ter trocado a vida de diplomata e de poeta, trabalho solitário, pela música popular, onde ele sempre trabalhou com parceiros, com quem se reunia freqüentemente em sua casa. Outras vezes, cedia suas poesias para serem musicadas por então jovens talentos, como a bela "Rosa de Hiroshima", por Gerson Conrad, integrante do grupo Secos e Molhados, e algumas poesias infantis, por Toquinho, no disco "Arca de Noé".

Como se não bastasse o próprio Vinícius, depoimentos interessantes, ora comoventes, ora bastante divertidos de parentes, especialmente suas filhas e de parceiros e amigos como Chico Buarque, Edu Lobo, Ferreira Gullar, Toquinho, Tônia Carrero e Maria Bethânia, contam detalhes curiosos e inusitados de sua vida artística e pessoal, como a origem da letra da música "Pra que chorar" (Vinicius de Moraes / Baden Powell)*, feita para um colega de quarto num hospital e interpretada no filme por Zeca Pagodinho e de seu casamento com Gesse Gessy, atriz baiana. Outros depoimentos, aprazíveis aos amantes da música, relatam as transformações que a mesma sofreu na década de 60 aqui no Brasil e a fundamental participação de Vinícius nesse processo. O filme também exibe cenas que mostram o poeta em momentos descontraídos e inebriantes (novamente em todos os sentidos) com os amigos e em apresentações em palco junto com o parceiro Toquinho, entremeadas por bonitas interpretações de suas músicas e poesias.

Por tudo isso, assiste-se ao filme rindo, emocionando-se ou apenas deleitando-se, mas com um desejo unânime de que ele não termine (ou que seja infinito enquanto dure). Não é à toa que, em várias sessões nos cinemas do Rio de Janeiro, o filme foi bastante aplaudido ao final das exibições.

O segundo DVD tem cenas inéditas de Ricardo Blat e Camila Morgado declamando poemas de Vinícius de Moraes, algo que fizeram com emoção e de forma magistral nas cenas do filme, bem como entrevistas com o diretor Miguel Faria Jr. sobre sua relação com o poeta, o processo de criação e os critérios de seleção das músicas do documentário.





* Pra Que Chorar (Baden Powell / Vinicius de Moraes)

Pra que chorar, se o sol já vai raiar
Se o dia vai amanhecer
Pra que sofrer, se a lua vai nascer
E é só o sol se pôr
Pra que chorar, se existe amor
A questão é só de dar, a questão é só de dor
Quem não chorou, quem não se lastimou
Não pode nunca mais dizer
Pra que chorar, pra que sofrer
Se há sempre um novo amor
Cada novo amanhecer

Feliz aniversário

É um dia normal. Acordamos e estamos um dia mais velhos. Como sempre. Vamos à rua e todos são, a nós, indiferentes. Como sempre. Mas, de repente, percebemos amigos e parentes, pessoas próximas, todos pensando em nós ao mesmo tempo. Como nunca. E recebemos deles doses concentradas de carinho e atenção, por meio de abraços e palavras, gestos e pensamentos, sorrisos e lembranças. Mais do que nunca.

Tínhamos que ter alguma compensação pelo fato de estarmos completando um ano a mais, além da tão propalada experiência de vida. E a compensação é justamente a magia de, em um único dia, mantermos contato com todas as pessoas que nos são importantes, que nos apreciam e estimam e que, nesse dia, concentram em nós suas atenções.

Um sorriso e um abraço sinceros dos que estão por perto valem cada fio de cabelo branco, uma mensagem sincera e carinhosa dos que estão longe vale cada ruga a mais no rosto. Que todos os dias sejam dias de aniversário e no dia seguinte tudo volte ao normal. É assim que devemos envelhecer e é assim que quero envelhecer. Com pessoas estimadas sempre próximas, num lugar "onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais"* (dedico este texto a todos os que, certamente, farão parte desse jardim).

No dia seguinte, tudo volta ao normal ...



* Trecho da música "Casa no campo" (Zé Rodrix e Tavito)

3.7.06

Só queria agasalhar meu anjo ...




Moda e política, embora não combinem e tenham graus de relevância e impacto opostos no cotidiano e na vida das pessoas, já andaram juntas, tempos atrás, quando a estilista Zuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel, fez protestos nas passarelas para denunciar os desmandos da ditadura militar que vitimaram seu filho, Stuart Angel.

No início da década de 70, Zuzu Angel já era uma estilista bastante conhecida no Brasil e no exterior. Seu filho Stuart, militante do MR-8, organização de esquerda brasileira, foi preso, torturado, assassinado e dado como desaparecido político no governo militar de Médici, em 1971, quando tinha 26 anos. A partir de então, ela iniciou uma luta ávida e destemida pela localização e recuperação do corpo de seu filho e protestou contra o regime militar com o instrumento de que dispunha, a moda. Denunciou através de suas vestes e de antológicos desfiles, como o realizado no consulado brasileiro em Nova York, no qual ela, que tinha os anjos como marca de suas confecções, devido a seu sobrenome, utilizou como motivo das estampas de sua coleção anjos machucados, feridos, sangrando. Em seus "desfiles políticos", os manequins desfilavam com vendas nos olhos e mordaças na boca. Sem perder tempo, fez denúncias à ONU, fez protestos até em aviões, aproveitando suas viagens e pediu apoio a artistas, intelectuais e políticos de esquerda.

Há exatos trinta anos, Zuzu Angel morreu em um estranho acidente de carro, no túnel Dois Irmãos (que posteriormente recebeu seu nome), no Rio de Janeiro, uma semana após escrever uma carta a seu amigo, o compositor Chico Buarque de Hollanda, dizendo-se ameaçada e responsabilizando o governo dos militares, ou os assassinos de seu filho, como ela se referia a eles, por algo de ruim que porventura lhe acontecesse. No ano seguinte à morte da estilista, em 1977, Chico Buarque compôs em sua homenagem a bela música Angélica, em parceria com Miltinho, do conjunto MPB-4 (ver letra ao final do texto) e gravou-a em seu disco Almanaque, de 1981.

Em um comovente artigo publicado há dois anos no JB Online, "Letra para uma mãe lutadora", Hildegard Angel, irmã de Stuart e atualmente colunista do Jornal do Brasil, conta como se emocionou ao escutar a gravação dessa música pelo conjunto Quarteto em Cy, enviada para ela pelas integrantes do grupo. Seu depoimento é tocante, principalmente quando se refere a um trecho da letra que diz: "Só queria embalar meu filho que mora na escuridão do mar". O corpo de Stuart Angel nunca foi encontrado, tendo sido jogado ao mar, segundo relatos da época. Sobre esse fato, ela diz que, anos depois, encontrou uma poesia feita por seu irmão na adolescência, parafraseando Dorival Caymmi, ao afirmar que "é doce morrer no mar". Diz também que, à época de seu desaparecimento, recebeu de um pai-de-santo a notícia de que ele se encontrava no fundo do mar, quando ela ainda alimentava esperanças de encontrá-lo vivo. Ainda mais inusitado é o fato de que o pai-de-santo era o compositor Herivelto Martins

Esta página infeliz da nossa história será relembrada no filme Zuzu Angel, de Sérgio Rezende, que tem estréia nacional no próximo dia 4 de agosto. O roteiro é uma parceria entre o próprio Sérgio Rezende e Marcos Bernstein, roteirista do premiado e bonito filme Central do Brasil e a produção é de Joaquim Vaz de Carvalho, amigo de Stuart. Além de Angélica, de Chico Buarque e Miltinho, o filme tem, também, música de Cristóvão Bastos.

No elenco, além de Patrícia Pillar como protagonista, no papel de Zuzu Angel, estão atores experientes como Ângela Vieira, Othon Bastos e Nelson Dantas, que faleceu este ano, em seu último trabalho, e os jovens e talentosos atores Leandra Leal, que vem se destacando em trabalhos na televisão e no cinema, mas ainda não recebeu um papel à altura de seu talento e Daniel de Oliveira que encantou no papel-título de Cazuza – O tempo não pára, um filme inesquecível para quem viveu a época e era admirador do poeta; será Frei Betto em Batismo de Sangue, que também fala de política à época da ditadura e interpretará Stuart Angel nesse longa-metragem que traz ainda no elenco Alexandre Borges e Luana Piovani no papel da simpática Elke Maravilha (que, aliás, faz uma ponta no filme), a modelo preferida e amiga íntima da estilista, que foi presa por protestar em sua defesa, em episódio retratado na película.

O filme chega em boa hora, perto das eleições, para reavivar a memória dos espectadores e para que as gerações mais novas possam saber melhor quem é essa mulher, pois a moda agora é esquecer que estilistas sem talento que costuraram o triste destino do Brasil e modelos que desfilavam na Arena daqueles tempos, vestindo-se num estilo conservador e retrógrado, e que se mantiveram na mídia até bem pouco tempo, querem, agora, voltar às passarelas, pôr novamente as mangas de fora e posar travestidos de "prafrentex", como se dizia naquele tempo.




Angélica (Miltinho - Chico Buarque)

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar



Mais informações sobre o filme em:
http://www.zuzuangelofilme.com.br

25.6.06

Em ponto de Ballack

Antes de o Brasil querer vencer a Copa, é preciso jogar com Gana. Como diz Milton Nascimento, é preciso ter gana sempre. A seleção de Gana tem. E tem também Appiah pra lavar a alma dos simpáticos "gananciosos".

Um Klose na equipe da Alemanha, mostra-nos que a mesma, se não começou bem, agora já está em ponto de Ballack. No mais, nossos adversários não oferecem tanto perigo assim. A Argentina já Tevez melhores jogadores e dizem que os holandeses ainda Van Joggar Ben em futuras Copas. Se não, a menos que os juízes Robben, eles Van Der Sar sempre. E a França que Zidane.

A Itália, sempre candidata ao título e com bons times em outras Copas, está com um futebol Grosso, pelo menos Nesta. Aliás, o intestino está bem representado nesta Copa. Além do Grosso, italiano, temos também o Delgado, equatoriano (e outro angolano). O resultado, você sabe qual é: a Copa está uma merda. Muitos cartões, árbitros cheios de arbitrariedades, poucos gols e poucas jogadas bonitas e empolgantes. Acho que a seleção da Copa vai ser a dos treinadores. Imaginem um meio de campo com Van Basten, Klinsmann e Zico. Nada mal, hein?

Das zebras, ficou provado que a Costa Rica tem um futebol pobre e não ameaça nem com gritos de Porras no gol. A última colocada deste mundial mostrou que não Servia mesmo para o futebol. Desse título, Montenegro escapou, pois a Fifa já havia determinado que esta participação seria creditada à Sérvia para efeitos estatísticos. A Croácia só tem um jogador de destaque, Prso, que já fez tanto gol de letra que faltou letra no nome dele. A Costa do Marfim, que tem em seu quadro Kalou e Boka, volta pra casa em silêncio. E o México, apesar de ser o time de Bravo que é, mesmo com Sanchez, ficou sem chances.

No Brasil, Émerson e Roberto Carlos talvez devessem tentar carreira na Fórmula 1 e na música, respectivamente, porque no futebol eles estão devagar e sem emoções. Cafu devia sair, pois não é recomendável uma defesa brasileira Cafu-Dida. Finalmente, entendi porque dizem que o Quadrado Mágico é formado por astros. É que, enquanto Adriano e Ronaldo buscam um lugar ao Sol, Ronaldinho e Kaká vivem no mundo da Lua.

6.6.06

Música inspirada



Música é perfume. Esta é uma frase dita por Maria Bethânia, num trecho do documentário de mesmo nome, dirigido pelo francês Georges Gachot. O documentário é uma verdadeira perfumaria, com fragrâncias suaves e tradicionais, como Gente humilde, Bom dia tristeza, Luar do sertão, Olhos nos olhos e Samba da benção e outras mais fortes e encorpadas, como Purificar o Subaé e Ya Ya Mussemba.

Entre um e outro aroma, depoimentos de pessoas bem próximas a ela, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Nana Caymmi, seu irmão Caetano Veloso e sua mãe, dona Canô. Em uma parte do filme, Caetano explica que Bethânia, no início de sua carreira, não se identificava com o estilo comedido da bossa nova, embora a admirasse, pois tal estilo opunha-se a sua voz forte e a toda a dramaticidade que ela apresentava, e que traz consigo até hoje, o que a fez, à época, buscar referências musicais nos compositores mais antigos e com maior carga dramática, como Lupicínio Rodrigues e outros.

Interessante também o comentário da cantora sobre sua voz, tratada por ela como uma entidade à parte, independente e com vida própria: "A voz mora em mim, mas não sinto como se fosse minha. É uma expressão de Deus". Por isso, quando Gilberto Gil define a voz de Bethânia como "a fricção entre o tudo e o nada" ou "entre o corpo e a alma", embora essa frase venha provocando risos nas exibições do documentário, qual Terezinha (de Chico) ao terceiro homem, eu entendo o que ele quer: mostrar, justamente, esses dois lados de sua voz, forte e racional (corpo), mas também sensível e emocional (alma), concreta e abstrata, tudo e nada (Tá bom, podem me chamar de Gil, ficarei bastante orgulhoso).

Na parte musical, o filme é metade palco, metade estúdio. Mostra trechos do espetáculo Brasileirinho (eu não poderia chamar de ‘show’ algo tão brasileiro) no Rio de Janeiro e na Bahia, ensaios, bastidores, bem como todo o envolvimento da cantora no processo de gravação de um disco, como em "Que falta você me faz", em que se pode observar sua sensibilidade, preocupação com detalhes e participação na escolha dos arranjos musicais, junto com Jaime Alem, seu diretor musical e arranjador, com quem ela demonstra ter bastante entrosamento.

No estúdio, ela vibra, dá palpites e é exigente. No palco, com seus pés descalços e cabelos esvoaçantes, ela entrega-se, transforma-se e emociona-se. Somente as emoções, como num drama, tão bem definido por Caetano e cantado por ela: "E ao fim de cada ato, limpo num pano de prato as mãos sujas de sangue das canções". Tudo isto nos ajuda a entender porque seus shows e discos resultam tão esmerados e bem feitos. Por sua vez, este compromisso com a perfeição sem deixar de lado a emoção, pelo contrário, pondo-a sempre à frente e em primeiro lugar, talvez explique sua enorme empatia com o público.

Nas cenas externas, bonitas imagens do Rio de Janeiro, de Salvador e de sua terra natal, Santo Amaro da Purificação, com seus habitantes e sua vida simples, que lembram a Bethânia, que completa 60 anos de vida neste mês de junho, a importância de suas origens, de sua infância e um episódio que ela considera ter sido seu primeiro exercício de concentração, ainda na infância, com o mano Caetano.

18.5.06

Carioca sob medida para todos


Não poderia inaugurar este blog em melhor estilo, ao falar de um carioca. Não do Zé, mas do Chico, assim chamado durante sua adolescência em São Paulo. Seu pai era paulista; seu avô, pernambucano; seu bisavô, mineiro; seu tataravô, baiano. Isso mesmo. Nos dias de hoje, ele é mais conhecido como Chico Buarque de Holanda e acaba de lançar seu novo disco, "Carioca", depois de longas e tenebrosas estações (e transações também): seu último CD com músicas inéditas foi "As Cidades", de 1998.

Este seu novo trabalho é o primeiro pela gravadora Biscoito Fino (cada vez mais fino), o novo dono da voz. Além do CD, será lançado também um documentário em DVD, com uma hora de duração, intitulado "Desconstrução", contendo o processo de elaboração do álbum e os bastidores das gravações. Nem todas as faixas do CD são inéditas, algumas já foram gravadas por outros cantores, outras por ele mesmo, como "Ode aos Ratos", dele e de Edu Lobo, da peça musical "Cambaio".

Todas as doze faixas do disco são de sua autoria, cinco delas em parceria, inclusive uma inédita com o cantor e compositor Ivan Lins, a música "Renata Maria", também já gravada anteriormente por ele, neste caso, junto com a cantora Leila Pinheiro, em seu último trabalho. As outras músicas compostas em parceria foram: "Bolero Blues", com o baixista de sua banda Jorge Hélder (em uma das boas cenas do DVD, Hélder chora ao saber que Chico pôs letra em sua música e selecionou-a para o CD); "Leve", com o cantor e compositor Carlinhos Vergueiro, composta em 1997 e gravada pela cantora Dora Vergueiro, nesse mesmo ano, em seu disco e "Imagina" com seu maestro soberano, Antônio Brasileiro, Tom Jobim, a qual Chico canta em dueto com a cantora Mônica Salmaso. Uma curiosidade é que a melodia de "Imagina", de 1947, é a primeira feita por Tom Jobim. A letra foi feita bem depois por Chico, em 1983, quando a canção entrou na trilha sonora do filme "Para Viver Um Grande Amor", interpretada, então, por Djavan e Olívia Byington.

Além de "Imagina", outras músicas também foram feitas por encomenda para trilhas sonoras de filmes, como "Porque Era Ela, Porque Era Eu", composta para o filme "A Máquina", de João Falcão, atualmente em exibição nos cinemas e "Sempre", do novo filme de Cacá Diegues, "O Maior Amor Do Mundo", com estréia prevista para setembro deste ano (veja letra ao final do texto).

As músicas "Ela Faz Cinema" e "As Atrizes", embora não tenham sido feitas para nenhum filme específico, têm a sétima arte como tema. Completam o CD as faixas "Subúrbio", "Outros Sonhos" e "Dura na Queda", que tem o sub-título de "Ela Desatinou nº 2", feita por Chico em homenagem a Elza Soares, e gravada por ela no seu bastante elogiado e premiado CD "Do Cóccix ao Pescoço", lançado em 2002.

Além de Mônica Salmaso, o disco tem também participações de Dominguinhos, que toca acordeon na faixa "Outro Sonhos" e de Daniel Jobim, no piano, na música "Imagina". Os arranjos são do maestro Luiz Cláudio Ramos.

P.S.: Pessoas especiais não são preconceituosas e Chico não é exceção: aceitou participar do novo disco da dupla Zezé Di Camargo e Luciano, cantando junto com eles a música "Minha História", sua versão para a música italiana "Gesùbambino" (Dalla – Palotino).



Sempre (Chico Buarque)

Sempre
Eu te contemplava sempre
Te mirei de mil mirantes
Mesmo em sonho estive atento
Para poder lembrar-te sempre
Como olhando o firmamento
E as estrelas cintilantes
Que se foram para sempre
No teu corpo em movimento
Os teus lábios em flagrante
O teu riso, o teu silêncio
Serão meus ainda e sempre
Dura a vida alguns instantes
Porém mais do que o bastante
Quando em cada instante é sempre