Desde seu primeiro
trabalho, que misturava rock, samba, xote e MPB, Marisa Monte recebeu
o rótulo elogioso de cantora eclética. Como a primeira impressão é
a que fica, vem daí as expectativas da crítica especializada e de
parte de seu público por trabalhos diferenciados e longe do óbvio.
A partir do segundo disco, Mais, a cantora foi além e surgiu
como compositora, lado que vem exercitando desde então, num
crescente. Nesse ofício, vem seguindo o modelo Roberto Carlos de
manter-se fiel a poucos parceiros e repetir uma fórmula que vem
dando certo, mas que pode soar repetitiva (Roberto, por sinal, é um
dos compositores admirados pela diva).
Não trilhar o caminho
mais fácil de sempre gravar outros compositores, ao mesmo tempo em
que constitui ato de ousadia, deixa o cantor mais vulnerável e
exposto a críticas, o que vem ocorrendo com seu novo disco, O que
você quer saber de verdade, “acusado” de ter canções um
tanto quanto óbvias, pra não dizer simplórias. De fato, o disco
traz algumas melodias fáceis e mensagens simples (vão-se memórias
e crônicas, ficam-se declarações de amor), mas isso não chega a
ser novidade - vide Os tribalistas e seu megassucesso Já
sei namorar -, nem compromete todo o resultado - o citado Mais
tinha canções como Eu sei e Beija eu, no mesmo estilo
e nem por isso desinteressantes, assim como as do disco atual. A
diferença, talvez, esteja na dose.
Em entrevista sobre o
novo trabalho, Marisa diz gostar e sempre se utilizar desse tipo de
linguagem em suas canções: “Minha música sempre teve essa
vocação popular. (...) Minha linguagem sempre foi direta, clara,
simples. (...) Claro que tem um contato com uma poesia mais
sofisticada, como em Diariamente, Bem Leve ou Maria De Verdade. E eu
gosto disso também. (...) Dizem que sou cult, mas eu nunca tive a
intenção de ser cult, no sentido de fazer música para poucos. Às
vezes, acho que a minha música se confunde com a minha postura
reservada. E isso cria um paradoxo.”
O que você quer
saber de verdade, com exceção de três faixas, tem a
participação de um, dois ou três dos inseparáveis compositores
Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e a própria Marisa Monte. Para
comprovar que às vezes é bom inspirar novos ares e novos parceiros,
uma das mais diferenciadas canções do disco é O que se quer,
parceria dela com Rodrigo Amarante, do Los Hermanos, que soa
como uma marcha-rancho sanfonada. Em seus dois discos simultâneos
anteriores, Adriana Calcanhoto e outros entraram nesse rol de novos
parceiros, também com bons resultados.
Outros companheiros de
longas datas de Marisa também participam deste novo disco. O músico
Dadi, ex-Novos Baianos e A Cor do Som, marca presença
como coprodutor, instrumentista, compositor e pai (seu filho André
Carvalho, que apareceu para a mídia na voz de Maria Gadu como autor
de Tudo diferente, assina Nada tudo). Três músicos da
Nação Zumbi - Pupilo, Dengue e Lúcio Maia – participam
como instrumentistas e é interessante ver suas performances num
outro estilo musical.
Bastante ligada a suas
raízes cariocas, ao samba e aos compositores do Rio de Janeiro, como
Tim Maia, Jorge Benjor e Paulinho da Viola, Marisa Monte sempre
manteve ligações musicais, também, com o nordeste brasileiro,
desde seu primeiro disco, quando gravou o Xote das meninas
(Luiz Gonzaga / Zé Dantas), com citações de Genival Lacerda. Além
de Brown e do trio da Nação, a porção nordestina do novo
disco está presente no acordeon do cearense Waldônis - que deu um
toque bem peculiar e especial a algumas canções - e,
particularmente, na faixa Hoje eu não saio não, que é tipo
um xaxado, buarqueanamente falando.
A canção-título*,
que abre o disco e foi anteriormente gravada por Arnaldo Antunes em
Qualquer (2006), fala da graça das pequenas coisas, do que
realmente importa. Na mensagem singela, lembra Vilarejo, do
álbum anterior e, como aquela, não caberia em letra e arranjo
rebuscados. Ambas são canções adequadas, que cabem em si. O disco
segue com Descalço no parque, uma antigona de Jorge Ben - e
aí MM repete a fórmula RC de sucesso. Quem se lembra dos discos de
Roberto Carlos da década de 70 sabe que todos eles tinham que ter
uma canção de Maurício Duboc e Carlos Colla, outra de Isolda e
Milton Carlos, além de uma de tema religioso e outra ecológica. No
caso de Marisa, onde lê-se cada uma das duplas, leia-se Paulinho da
Viola e Jorge Ben(jor).
Marisa Monte também é
eficaz em baladas e, se Infinito particular tinha Pra ser
sincero e Até parece, neste elas estão bem representadas
com Depois e Era óbvio. Amor I love you passou
a bola pra Ainda bem**, um bolerão rasgado, com direito a
trompete e belo clipe em preto e branco(a) dela bailando com o
lutador Anderson Silva. Se as duas músicas não dizem tanto, dizem o
necessário àquilo a que se propõem - mais uma vez, cabem em si.
Outros exemplos de trechos de letras simples, mas bacanas estão em
Seja feliz (“Tão curta a vida. Curta a vida”) e
Bem aqui (“Se a gente nem sabe onde está bem, está bem
aqui”). Merecem destaque, ainda, outras duas canções: uma
versão que foi sucesso décadas atrás com Dalva de Oliveira
(Lencinho querido) e outra que lembra as músicas da Jovem
Guarda (Aquela velha canção).
Amantes da música num
sentido mais amplo e geral hão de apreciar o novo trabalho da
cantora de bela voz. Escutar, entender, viajar, dançar, pular,
protestar, namorar, cantarolar, assoviar, para cada situação, há
um tipo de música mais adequado e, a depender das circunstâncias, a
água mineral do Candeal pode até saciar mais ou descer
melhor do que aquilo que apreciamos num Bach, on the rocks,
jazz, blues, etc.
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