30.12.06

Conversa com verso

Na última estação, em razão da confusão na aviação civil, avião não se viu e a população do Brasil, que se viu nessa situação, sem ação no saguão da estação, diante de uma aviação vil que não lhe serviu, servil, inquiriu: "vou ou não vou?", "vôo ou não vôo?". Em qualquer nação, overbook é contravenção, uma agressão, não tem perdão, mas o que dizer do cidadão que cancela a excursão e não dá satisfação, deixando vazio seu lugar ou posição no avião e dando sua contribuição às pequenas taxas de ocupação? Todos têm culpa, então e estão com Pires na mão, sem razão. A reclamação no balcão das companhias de aviação segue a mil, com razão, assim como a convicção de que do extravio só escaparão as bagagens de mão. Se em tal ocasião não havia avião, nos verões que virão, vocês verão, a via-crúcis nos terminais terminarão e os aviões que não haviam aviado, aviarão. Sairão da situação anacrônica em que estão e, então, decolarão e voarão.

Na novela da passarela, a magrela, que é só costela, sem nada na panela, trela que custa a ela seqüela, presa a uma empresa de meia-tigela, debela a situação em tela, que nada tem de bela, e, enfim, se rebela: ruim sem ela, pior com ela. Bela, mas num estado de osso e pele a que o padrão a impele, o que come expele. Carente de HDL, tentando ser Gisele, esperando que alguém a revele, a bela donzela apela para que o ás do corte e costura corte sua desventura e costure sua cura, revele sua loucura, aceite sua gordura, e cancele a ditadura da cintura.

As coisas nos Andes vão andar e, com Correa, vão correr. Devedores bolivianos, cansados de atentar contra Morales e os bons costumes, vão, finalmente, afirmar: "Evo, não nego, pago quando puder". Uribe, presidente da Colômbia Pictures, apoiado pelos Estados Unidos, ficará com as FARC e o queijo na mão, com receio de que um Vladimir Putin da vida envenene seu queijo com alguma droga nociva ou dê bola pra ele.

Romário, retardatário, mas ainda no páreo, em romaria no hilário intento do milésimo tento, promete que, em 2007, fará novo experimento. Tentará no basquete seu sustento, para que o processo não seja tão lento e, pelo contrário, o tetragenário, que tá lento, mostre o talento do craque lendário, encontre um alento e, por um momento, seu trabalho saia mais a contento, acelerando ao menos cem por cento, com meia cesta equivalendo a um tento.

Com um mínimo de menos de quatrocentos, um aumento de noventa e um por cento em um rendimento, lamento, mas não tem cabimento. Que no ano que vem, para lamentar o parlamentar e para nosso alento, o aumento salarial do parlamento seja igual ao percentual de cumprimento de toda promessa e juramento da campanha eleitoral, dando encerramento, afinal, a um aumento de vencimentos desproporcional e dando vencimento ao clamor geral contra o congresso nacional e à cara de pau de cada mau elemento, seja senador ou deputado federal. Verdade seja dita, essa sujeira irrita e Rita, então, sem eira nem beira e aflita, em sua costumeira desdita, perde a estribeira e, de maneira grosseira, em vindita, revida a rasteira e dita ao dito, que a um pedido seu não atendera, a mesma punhalada traiçoeira e maldita que levamos na traseira. Gabeira permita que sua classe reflita para que essa dita besteira não se repita. Tenho dito.

Após essa conversa em prosa e verso, girando em sentido inverso por um universo controverso e assunto diverso, não tergiverso e me despeço com os versos de um sucesso de Louis Armstrong, que aqui jazz e de quem soul fã confesso. Que no futuro que amanhã começa, a tolerância, a generosidade e o sorriso venham em excesso, a desigualdade cesse, não haja caminho adverso, o destino não seja perverso, a justiça tenha frente e verso, o verdadeiro sentido da vida seja expresso e o mundo seja maravilhoso para todos, não apenas para myself, é o que peço.






What A Wonderful World (Bob Thiele - George Weiss)

I see trees of green, red roses too
I see them bloom for me and you
And I think to myself, what a wonderful world
I see skies of blue and clouds of white
The bright blessed day, the dark sacred night
And I think to myself, what a wonderful world
The colors of the rainbow, so pretty in the sky
Are also on the faces of people going by
I see friends shaking hands, saying, "how do you do?"
They're really saying, "I love you"
I hear babies cry, I watch them grow
They'll learn much more, than I'll never know
And I think to myself, what a wonderful world
Yes, I think to myself, what a wonderful world

2.12.06

Choque cultural


Movimentos geralmente são definidos por características singulares, ímpares e bem definidas. Refletem uma tendência de idéias mais ou menos unificadas e homogêneas, predominantes em determinada época. A corrente dos tropicalistas, que completa quarenta anos em 2007, no entanto, foge um pouco a essa definição padrão, ao abraçar várias tendências e influências aparentemente incompatíveis, sem um sentido único. Como o movimento aparentemente desordenado dos elétrons. Caetano Veloso, um dos fundadores do movimento, até diz preferir o nome Tropicália a Tropicalismo, entre outras razões, justamente pela idéia limitadora e de enquadramento associada ao sufixo ismo, muito utilizado para denominar movimentos nas mais diversas áreas.

Sabemos, das aulas de eletricidade, que tensão gera corrente e a tropicalista, embora Gil e Caetano tenham-se destacado no festival de música da TV Record de 1967, com "Domingo no parque" e "Alegria, alegria" (segunda e quarta colocadas), respectivamente, provocou choque e não foi logo bem aceita. A Tropicália, cujo nome foi sugerido pelo produtor de cinema Luís Carlos Barreto, baseado em uma obra do artista plástico Hélio Oiticica, surgiu num clima de rivalidade e discórdia entre dois grupos antagônicos.

De um lado, os politizados, estudantes, artistas, intelectuais, contrários ao golpe militar de 64 e, por conseguinte, ao chamado imperialismo vindo dos Estados Unidos ou a qualquer influência deles, ou dos estrangeiros em geral, na nossa cultura. Do outro, os não politizados, que queriam apenas se divertir, sem maiores questionamentos sobre a situação do país. Havia, então, correntes alternadas, em sentidos contrários: o primeiro grupo era simpatizante e adepto da Bossa Nova e das músicas de protesto, de cunho político, e o segundo, da Jovem Guarda, influência dos Beatles e outros grupos de rock na música nacional.

Os tropicalistas tornaram-se, então, um campo neutro, sem uma polarização definida de forma simplória entre positiva e negativa. Uma energia mais nova que a Bossa Nova, mais jovem que a Jovem Guarda. Em vez do sistema monofásico vigente, onde só se podia apreciar um ou outro estilo, propuseram uma fonte geradora de energia trifásica, com as três correntes interagindo através de ondas harmônicas e em ressonância, em circuitos paralelos. Da Jovem Guarda, buscaram um som mais universal, mas sem copiar o rock estrangeiro. Em relação à Bossa Nova, sugeriram uma mudança de tom: em vez do Jobim, o Zé. De João Gilberto, ficou o Gilberto, que se reproduziu e virou Gilberto Gil.

"É proibido proibir". Então, podia-se valorizar a cultura brasileira sem menosprezar as influências estrangeiras: "sobre a cabeça os aviões, sobre os meus pés os caminhões". Podia-se exclamar "viva a bossa" ou "viva a banda", mas também "ouvir aquela canção do Roberto". "Que tudo mais vá pro inferno, meu bem". Podia-se contar uma história com princípio, meio e fim, como em "Domingo no parque" ou ser concretista, como em "Batmakumba"*, com sua letra visual, em forma de K, ou ainda das asas de um morcego, universalizando a macumba. Podia-se cantar em inglês: "baby, baby, I love you", em espanhol: "soy loco por ti, América, soy loco por ti de amores", em português, ou ainda criar uma nova língua, juntando todas: "batmakumbayêyê batmakumbaoba". "Não sei. Leia na minha camisa". Afinal de contas, o som é universal e tropical é tropical em várias línguas.

Mas, pela lei de Ohm e pela lei dos homens, toda corrente gera resistência e uma alta resistência impede que a corrente se propague. O movimento chegou ao fim com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro de 1968, por parte do governo militar (a trupe carlista não gostava de tropicalista), os baianos Caetano e Gil foram presos e depois seguiram em exílio para a Inglaterra, onde permaneceram por quase quatro anos. Pouco antes disso, lançaram um disco coletivo de nome "Tropicália ou Panis et Circenses", que consagrou o movimento e contou também com a participação de Tom Zé, Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes, Torquato Neto, Capinam e o maestro e arranjador Rogério Duprat.

Entre acordes nada dissonantes de guitarra, Caetano sintetizou bem o espírito do movimento em sua canção "Alegria, alegria"**, que retratava os acontecimentos da época de forma fragmentada, como notícias de jornal, forma essa que caracterizava também a postura neutra (no sentido de imparcialidade, não de impassibilidade), mas ao mesmo tempo marcante dos tropicalistas. Golpe militar, movimento hippie, guerra do Vietnã, conquista da lua, exibiam-se nas manchetes da letra, por entre fotos e nomes, repartidos em crimes, espaçonaves, guerrilhas, entre caras de presidentes e grandes beijos de amor, bomba e Brigitte Bardot. Sem livros e sem fuzil, nada no bolso ou nas mãos, caminhando contra o vento. É proibido proibir e vocês não estão entendendo nada!




* Batmakumba (Caetano Veloso – Gilberto Gil)

batmakumbayêyê batmakumbaoba
batmakumbayêyê batmakumbao
batmakumbayêyê batmakumba
batmakumbayêyê batmakum
batmakumbayêyê batman
batmakumbayêyê bat
batmakumbayêyê ba
batmakumbayêyê
batmakumbayê
batmakumba
batmakum
batman
bat
ba
bat
batman
batmakum
batmakumba
batmakumbayê
batmakumbayêyê
batmakumbayêyê ba
batmakumbayêyê bat
batmakumbayêyê batman
batmakumbayêyê batmakum
batmakumbayêyê batmakumbao
batmakumbayêyê batmakumbaoba


** Alegria, alegria (Caetano Veloso)


Caminhando contra o vento
Sem lenço sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou

O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em Cardinales bonitas
Eu vou

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes pernas bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot

O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia?
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou

Por que não? Por que não?

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço sem documento
Eu vou

Eu tomo uma Coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome sem telefone
No coração do Brasil

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou

Sem lenço sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou

Por que não? Por que não?

14.11.06

Pontos de vista

Em todos os sentidos, considero-me pouco aguçado e apurado nos detalhes, percebendo pouco pequenas diferenciações. Pequenas variações de odores não me cheiram melhor nem pior, meu paladar escolhe o que lhe agrada quase ao sabor do acaso, não dou ouvidos a certos ruídos e escuto um pouco de tudo. Faltou tato? Este às vezes me falta, também, em outros sentidos. Minha visão, na minha visão, não foge à regra e, como os demais sentidos, não é tão exigente, detalhista ou observadora, sobretudo do ponto de vista da arte da pintura.

Vejo com bons olhos, contudo, uma expressão artística que desperta a sensibilidade e impressiona a visão, sobre a qual atrevo-me a escrever, como admirador e não como conhecedor: o Impressionismo, especialmente na figura de Claude Oscar Monet, seu criador, pintor francês nascido há exatos 166 anos, cujo aniversário de 80 anos de morte dar-se-á neste mês de dezembro de 2006.

Monet não foi crítico nem contestador em seus trabalhos, tendo sua revolução ocorrido mais na técnica do que no conteúdo de suas obras, geralmente paisagens suaves e belas. Passou a infância na cidade do Havre, situada na foz do rio Sena, cena ideal para despertar seu gosto por essa pintura e, aos quinze anos, já era conhecido na cidade e ganhava dinheiro como caricaturista, o que poderíamos chamar de política "monetária".

A exposição que deu origem ao movimento impressionista ocorreu na cidade de Paris, em 1874 e seu nome provém de um quadro de Monet, apresentado na ocasião: "Impression: Soleil Levant" (Impressão: Nascer do Sol), nem tão representativo das características do Impressionismo, não fosse, justamente, seu título. Inicialmente usado pelos críticos em tom pejorativo, o nome "Impressionismo" foi mantido, por retratar bem duas importantes características do movimento: a valorização da construção subjetiva da imagem, das impressões do observador sobre ela e o hábito de pintura de paisagens in loco, retratando, assim, a primeira impressão do pintor (parecendo um esboço, na visão dos críticos), utilizado, principalmente, por Monet, já alguns anos antes do início formal do movimento.

"Impression: Soleil Levant" – Monet - 1874
("Impressão: Nascer do Sol", quadro que deu origem ao Impressionismo)

Tendo surgido após o Realismo que, na pintura, preocupava-se com a fidelidade à forma dos objetos retratados, o Impressionismo, por sua vez, preocupava-se com a fidelidade à percepção do objeto por parte do observador, possuindo como características, por conseguinte, o uso das variações de luz e seus reflexos sobre as imagens, dos efeitos de luz e sombra e a ausência de linhas e contornos bem definidos. Para reforçar essas particularidades, Monet fazia uso de paisagens a céu aberto e séries de quadros em seqüências, retratando paisagens em diferentes horas do dia, sob diferentes efeitos de luz. Além dele, o Impressionismo teve como principais expoentes os pintores Auguste Renoir e Edgard Degas e manifestou-se, também, na escultura, com Auguste Rodin e na música, com Maurice Ravel, todos franceses.

Se o Impressionismo é, em alguns aspectos, distante da realidade, uma característica em especial, reforçada por pintores ditos pós-impressionistas, aproxima-o das impressões que nos causa o mundo real, da maneira como percebemos a vida e seus acontecimentos: o processo de formação da imagem apenas em nossa retina, através da técnica do uso de cores complementares não misturadas, mas que, por meio de um fenômeno óptico, produzem um efeito de mistura em nossos olhos. Esta semelhança com a realidade é percebida quando observamos que a informação ou a imagem, sua interpretação e seus efeitos, assim como os acontecimentos, repercutem em nós dependendo da maneira como nossa mente os absorve. Quando assimilamos algo, não absorvemos apenas o fato em si, mas sim o fato como o percebemos, já impregnado de nós mesmos, de nossas vivências. Assim é a vida.




"La Promenade, la femme à l'ombrelle" – Monet - 1875
("O passeio, mulher com sombrinha", que retrata sua primeira esposa, Camille e seu filho mais velho, Jean)

“Eu não sou um grande pintor, um grande poeta. Sei apenas que faço o que posso para expressar o que sinto em frente à natureza.”

(Claude Monet)

2.11.06

Mutatis Mutantes


Os Mutantes mudaram, literalmente. E “o A e o Z”, música que gravaram em 1973 e que deu nome ao primeiro álbum da banda após a saída de Rita Lee, pode ter também, agora, um outro significado: o A de Arnaldo Baptista e o Z de Zélia Duncan. É que a cantora faz parte da nova formação do grupo, reunido este ano para shows, em substituição a Rita Lee, que não se interessou em participar do novo projeto.

A volta dos Mutantes ocorreu em maio de 2006, em um show em Londres, que fez parte de uma série de apresentações ocorridas na capital inglesa em homenagem ao movimento tropicalista, em um evento denominado “Tropicália - A Revolution in Brazilian Culture”, do qual também participaram Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé. O grupo voltou a se apresentar duas vezes em julho, em Nova York e Los Angeles, nos Estados Unidos. A apresentação em Londres foi gravada e vai ser lançada, brevemente, em CD e DVD. Estão previstas, também, apresentações em solo brasileiro, em 2007.

Fora a entrada de Zélia Duncan nos vocais, os demais integrantes permaneceram os mesmos: Dinho Leme na bateria e os irmãos Arnaldo Baptista nos teclados e Sérgio Dias na guitarra, com o reforço, desta vez, de dois backing vocals e outros músicos, entre eles a percussionista Simone Soul, que já acompanhou vários nomes da MPB, como Chico César, Zeca Baleiro e a própria Zélia Duncan.

Espécie de precursores do estilo seguido logo depois pelo grupo Secos & Molhados e pelo cantor Raul Seixas (vide “O vira”, do primeiro e “Mosca na sopa”, do segundo), Os Mutantes tinham como uma de suas características mais marcantes o humor, a irreverência e a ironia inteligentes, que se mostravam, ora na maneira como se vestiam em suas apresentações, ora em várias letras de suas canções, como “Amor branco e preto”, cujo título parece insinuar um relacionamento amoroso inter-racial, mas que, na verdade, fala de um amor não correspondido entre... Bem, vejam a letra, bastante atual, ao final do texto.

Logo no início da carreira, foram convidados para acompanhar Ronnie Von em seu programa na TV Record. Foi o cantor da Jovem Guarda quem batizou o grupo dos irmãos Baptista com o nome de “Os Mutantes”. Fazendo jus ao nome, pouco depois, eles aproximaram-se do movimento tropicalista, acompanhando Gilberto Gil na canção “Domingo no Parque”, segunda colocada no Festival da Record de 1967.

Os desentendimentos entre seus integrantes começaram a surgir quando, no início da década de 70, Rita Lee quis continuar seguindo o caminho dos tropicalistas e Arnaldo e Sérgio, como mutantes, quiseram partir para o rock progressivo e o experimentalismo. Se ambas as intenções eram válidas e enriquecedoras culturalmente falando, a de Rita se mostrou mais enriquecedora também na acepção monetária da palavra.

No ano seguinte a sua saída dos Mutantes, Arnaldo e Dinho também abandonaram a banda, que seguiu ainda com Sérgio Dias até 1978, quando encerrou definitivamente (à época) suas atividades. Em 1977, já consagrada em sua carreira solo, com sucessos como “Ovelha negra”, “Menino bonito”, “Coisas da vida” e “Agora só falta você”, Rita Lee gravou um elogiado disco ao vivo, junto com Gilberto Gil, o Refestança. Seguiu fazendo uma ponte entre o rock e a MPB, acompanhada da banda Tutti-Frutti, com quem fez os melhores trabalhos de sua carreira pós-Mutantes até que, em 1980, já sem essa banda, superou a marca de um milhão de discos vendidos do LP que levava seu nome no título, sucesso avassalador à época, com todas as faixas tocando em rádio, especialmente “Lança-perfume” e que iniciou uma fase mais comercial de sua carreira.

Para Arnaldo Baptista, contudo, riqueza parece nunca ter sido um grande apelo. “Se eles têm três carros, eu posso voar”, já dizia ele em sua bela “Balada do Louco”. Depois de um acidente ou tentativa de suicídio em 1982, quando caiu ou se atirou do terceiro andar de uma clínica onde se recuperava do uso de drogas, ele passou a morar num sítio em Juiz de Fora, Minas Gerais, levando uma vida simples, afastado da mídia.

A partir de 2000, quando foi lançado o álbum Tecnicolor, gravado em 1970 pelos Mutantes, mas até então inédito em disco, voltou a se apresentar em shows, participando de festivais como o “Abril pro Rock”, no Recife e o “Free Jazz”, no Rio de Janeiro, onde, além de sua apresentação solo, dividiu o palco com um grande fã, Sean Lennon, com quem cantou um dos maiores sucessos dos Mutantes, a música “Panis et Circensis”, de Caetano e Gil. Em 2004, lançou um novo trabalho, o disco “Let it bed” que, ironicamente, tem como uma de suas faixas a canção LSD, que brinca com “Lucy in the Sky with Diamonds”, dos Beatles, fazendo uso das mesmas três letras, desta feita como as iniciais de "Louvado Seja Deus” (na música, ele diz: “Louvado seja Deus que nos deu o rock'n roll”).

Com a MPB em constante mutação, essa volta dos Mutantes pode trazer muito mais do que simples curiosidade aos mais novos e saudosismo aos mais antigos, que já cantaram com Rita Lee o refrão: “Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu com a música popular brasileira?” e hoje em dia andam meio desligados, talvez sentindo a falta daquele ácido Lee-Sérgico.



AMOR BRANCO E PRETO (Rita Lee / Arnaldo Baptista)

Por que será que eu gosto de sofrer?
Vai ver que agora eu dei pra masoquista
Meu amor branco e preto
Às vezes me deixou na mão
Mas eu gosto de você
Já não me importa a sua ingratidão
Sofro mas continuo a te adorar
Corinthians meu amor
Corinthians!

24.10.06

Sábio Sabino

No mês em que se comemora o dia das crianças, presto uma singela homenagem a Fernando Sabino, autor de diversos contos, crônicas e livros como "O encontro marcado", publicado em vários países e "O grande mentecapto", entre outros.

Aprendi a admirá-lo ainda na infância, lendo seus contos que fizeram parte dos vários volumes da deliciosa coleção "Para gostar de ler", entre eles "O homem nu"*, bastante leve e divertido (pra nós, não pra o homem), que já dera nome a um de seus livros de contos e crônicas e posteriormente foi adaptado para o cinema. Além de Fernando Sabino, a coleção "Para gostar de ler" contava, ainda, com as notáveis contribuições de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade, que tornavam fácil aos pequenos leitores iniciantes o alcance do objetivo claramente expresso em seu nome.

Não é fácil escrever para crianças e adolescentes, nem despertar seus interesses para a leitura, sem guardar um pouco deles dentro de si, algo que Sabino sempre buscou, declaradamente, ao longo de suas mais de oito décadas vividas. Decerto devido ao seu jeito simples, agradável e informal de escrever, imaginava-o, à época, bem mais jovem do que seus por mim então desconhecidos cinqüenta e poucos anos.

Hoje, percebo que, de certa forma, ele era jovem mesmo, algo que pude compreender melhor tomando conhecimento de seu epitáfio. Nascido e sepultado no dia das crianças, 12 de outubro, em sua lápide está escrito, a seu pedido: "Aqui jaz Fernando Sabino. Nasceu homem, morreu menino". Ou seja, enquanto eu estava me tornando menor, virando homem, ele estava crescendo, virando criança, realizando o desejo de toda sua vida, o qual ele resumiu nas seguintes frases, que revelam bem sua admiração e amor aos pequeninos, sentimentos com os quais compactuo:

"Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer? Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino".



* Clique aqui para ler o conto

29.9.06

Beleza pura

Pouco antes e ainda durante a renovação, para o bem ou para o mal, da música brasileira, proporcionada pelo chamado BRock e de seu monopólio na indústria fonográfica nacional, um grupo dava um novo tom, uma nova cor ao som monocromático da música brasileira de então. Com seu embrião formado no grupo Novos Baianos, do qual fazia parte o baixista Dadi, e contando com dois baianos entre seus integrantes, este novo grupo daria seqüência à boa e constante influência dos mesmos na MPB, com o mesmo charme bonito que o santo lhes deu.

Com a saída de Moraes Moreira dos Novos Baianos para seguir carreira-solo, Dadi passou a acompanhá-lo em shows para, em seguida, dar vida própria a esse novo grupo ao qual Caetano Veloso, que já homenageara o baixista com a canção "Leãozinho", sugeriu o nome de "A Cor do Som".

Para compor a aquarela musical da banda, Dadi convidou seu irmão Mu Carvalho, pianista. Ambos vêm de uma família bastante ligada à música e também são irmãos de Sérgio Carvalho, produtor musical e de Heloísa Tapajós, socióloga e pesquisadora de MPB. Heloísa, por sua vez, é casada com o compositor Paulinho Tapajós, autor de clássicos da nossa música, como "Andança" (com Edmundo Souto e Danilo Caymmi) e "Cantiga por Luciana" (com Edmundo Souto). Numa parceria em família, Mu e Paulinho Tapajós, juntamente com Cláudio Nucci, integrante do grupo Boca Livre, compuseram a bela canção "Sapato velho", que veio a se tornar um grande sucesso na interpretação do grupo Roupa Nova.

Outro integrante de "A Cor do Som" foi o principal responsável por dar ao grupo um perfil e uma identidade instrumental peculiar, bastante elogiados à época: Armandinho, filho de Osmar Macedo, inventor do trio elétrico junto com Dodô (completava o trio, o músico Temístocles Aragão). No início da década de 60, aos nove anos de idade, em Salvador, ele já tocava guitarra no grupo do pai que, a partir de 1974, passou a ser conhecido como "Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar". Hoje, é considerado um dos maiores instrumentistas do país e o danado é bom como quê, mesmo.

Completaram a formação original do grupo o baterista Gustavo Schröeter, que também acompanhara Moraes no início de sua carreira-solo e o percussionista Ary Dias.

O grupo lançou dez trabalhos, entre 1977 e 1987, e foi convidado, em 1979, a participar do disco "A Ópera do Malandro", de Chico Buarque, a quem acompanharam na faixa "Hino de Duran". Reuniram-se em 1996 para a gravação de um CD ao vivo e novamente em 2006, com "A Cor do Som Acústico", com o qual ganharam o prêmio Tim de melhor grupo, na categoria canção popular.

Este novo CD/DVD mostra bem a diversidade de ritmos e sons que sempre caracterizou a banda, indo do chorinho instrumental de "Noites cariocas" (Jacob do Bandolim) ao samba-reggae de "Amor inteiro" (Armandinho e Fausto Nilo). Contém algumas músicas inéditas, como "O dia de amanhã" (Dadi e Arnaldo Antunes) e antigos sucessos do grupo, com destaque para "Abri a porta", de Gilberto Gil e Dominguinhos, "Beleza Pura", de Caetano Veloso, com participação especial de Daniella Mercury e "Menino Deus", também de Caetano, com quem eles cantam na faixa.

Uma curiosidade sobre Menino Deus* é que a canção homenageia, com poesia, singeleza e ternura, um bairro antigo da cidade de Porto Alegre, de mesmo nome, que Caetano descobriu em uma viagem àquela cidade (Também foi assim que descobri tal homenagem, em passagem pelo bairro, por meio de uma guia de turismo).

Outra participação especial no CD foi a de Moraes Moreira em "Davilicença", composta por ele (em parceria com Armandinho) em homenagem ao então pequenino filho, Davi Moraes, o qual participa do DVD, tocando guitarra no frevo Taiane, de Osmar Macedo.

Atualmente, além do trabalho com "A Cor do Som", seus integrantes trabalham com outros projetos e músicos. Dadi faz parte da banda que acompanha a cantora Marisa Monte e possui composições em parceria com ela, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes (é quase, digamos assim, um quarto tribalista). Armandinho continuou o trabalho de seu pai, já falecido, no trio elétrico e vem fazendo um trabalho instrumental em conjunto com o violonista Yamandú Costa.



Menino Deus (Caetano Veloso)

Menino Deus, um corpo azul dourado
Um porto alegre é bem mais que um seguro
Na rota das nossas viagens no escuro

Menino Deus, quando tua luz se acenda
A minha voz comporá tua lenda
E por um momento haverá mais futuro
Do que jamais houve

Mas ouve a nossa harmonia,
A eletricidade ligada no dia
Em que brilharias por sobre a cidade

Menino Deus, quando a flor do teu sexo
Abrir as pétalas para o universo
E então, por um lapso, se encontrar anexo

Ligando os breus, dando sentido aos mundos
E aos corações sentimentos profundos
De terna alegria no dia
Do menino Deus
No dia do menino Deus

19.9.06

Um jornal brilhante


Na segunda metade da década de 60, após o golpe militar e antes do AI-5, enquanto as pessoas na sala de jantar eram ocupadas em nascer e morrer, o Sol despontava do lado de fora de suas janelas, antes que a definitiva noite se espalhasse.

O jornal alternativo "O Sol" surgiu como um encarte diário do Jornal dos Sports e logo ganhou luz própria. A idéia de seu idealizador e criador, o jornalista Reynaldo Jardim, era que fosse um jornal-escola, em que editores como ele, Zuenir Ventura, Carlos Heitor Cony e Ziraldo assumiriam o papel de professores, e novos jornalistas, atuando como repórteres e colaboradores, seriam os alunos. Entre os alunos de destaque estavam Daniel Azulay, Dedé Gadelha, primeira esposa de Caetano Veloso e Luiz Carlos Sá, que depois viria a compor o trio Sá, Rodrix e Guarabira, autor de belas canções como "Caçador de mim" e "Sobradinho" ("o sertão vai virar mar, dá no coração o medo que algum dia o mar também vire sertão"), em parceria com Guarabira, além de um dos jingles mais duradouros e famosos do nosso país ("Vem pra Caixa você também").

Como se quisesse acompanhar a temporada anual do seu homônimo astro-rei no hemisfério sul, o Sol durou apenas seis meses, começando na primavera e terminando no verão, entre 1967 e 1968. É sobre ele, os fatos que noticiava e as pessoas que faziam ou eram notícia na época que versa o documentário "O Sol – Caminhando contra o vento", dirigido por Tetê Moraes, com roteiro dela e de Martha Alencar, as quais faziam parte da equipe do periódico. A maior parte dos depoimentos foram colhidos durante uma reunião de confraternização organizada pela produção do filme, alguns deles sem acrescentar muito ao seu resultado final, como se a diretora tivesse filmado tudo e esquecido de cortar os excessos. Em certos momentos, também, sente-se falta de uma narrativa que o conduza e explique melhor a história do jornal.

O filme situa bem a história de "O Sol" no contexto político e cultural da época, mostrando cenas de acontecimentos contemporâneos marcantes, tanto no âmbito nacional quanto em outros países, como a passeata dos cem mil, o AI-5, a primavera de Praga e a morte de Che Guevara. Tendo surgido em meio a toda essa efervescência política, o jornal destacava-se nessa área, com matérias provocadoras e manchetes criativas como "CPI PARA CIA" e "FMI É O FIM".

Participam com vários depoimentos ao longo do documentário, além daquelas que trabalhavam no jornal, pessoas que viveram ou, de alguma maneira, influenciaram os acontecimentos da época e viram o Sol nascer (alguns deles, quadrado também), como Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso, Fernando Gabeira, Ruy Castro e Vladimir Palmeira.

Na área cultural, o país vivia o auge dos festivais de música, com inúmeros talentos surgindo e o filme mostra cenas de alguns desses festivais, como o de 1967, de um nível tal que teve como primeiros colocados os compositores Edu Lobo (Ponteio), Gilberto Gil (Domingo no Parque), Chico Buarque (Roda Viva) e Caetano Veloso (Alegria, Alegria). Este último, em um de seus depoimentos, esclarece a dúvida sobre sua suposta referência ao jornal, em trecho da letra dessa canção ("O sol nas bancas de revista me enche de alegria e preguiça"). Também são exibidas cenas do festival de 1968, que teve a polêmica disputa do primeiro lugar entre "Pra não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré, a preferida do público, e "Sabiá", de Chico Buarque e Tom Jobim, que venceu sob protestos e vaias, embora também trouxesse em sua letra alguma mensagem política, ainda que de uma forma bem mais sutil e leve em comparação com sua concorrente. *

Ao final, uma frase muito repetida à época (não apenas por padeiros) é colocada como pergunta a alguns dos entrevistados que a respondem de uma maneira que logo associamos ao contexto político atual e à chegada da esquerda ao poder no Brasil: o sonho acabou? Caetano diz que sim, mas que isso pode não ser ruim. Gabeira diz que não, que ele apenas está se modificando e tem que se renovar sempre. Que a gente possa, então, seguir vivendo. Por que não? Por que não?

Página oficial do filme: http://www.osolfilme.com



* Com exceção de "Ponteio", as demais músicas citadas neste parágrafo, bem como "Panis et circenses" (Gilberto Gil e Caetano Veloso) e "Soy loco por ti America" (Gilberto Gil e Capinam), também referenciadas no texto, constam da trilha sonora do filme, disponível em CD.

4.9.06

Meia-verdade

Em tempos de vacas magras na seleção brasileira de futebol, lembremos do episódio ocorrido nas quartas-de-final da copa do mundo 2006, época em que as vacas começaram o regime: o momento do gol que eliminou o Brasil, na derrota para a França. Tal episódio motivou, à época, desabafo (não a música) de Roberto Carlos (não o cantor), em que ele afirmava entender a revolta das pessoas, mas que os jogadores deviam ser respeitados e dizia também: “Chega de tentar achar culpados, vamos pelo menos uma vez entender que futebol é assim, nem sempre se pode vencer”. Apenas para relembrar os fatos, na hora do gol, Roberto Carlos estava ajeitando a meia.

Em meio a tanta confusão, apesar de concordar em parte com a reação meio irada de boa parte dos torcedores e não negar que o Brasil jogou um futebol de meia-tigela nessa copa, venho, por meio deste texto, buscar um meio-termo e defender o nosso jogador de camisa meia-dúzia, que estava, realmente, meio devagar, e de tão lento, quase não passou do meio-de-campo, mas que, em outros torneios, deu aos amantes do futebol, principalmente ao povo mais sofrido, meios de levar a vida com um pouco mais de alegria e por isso não deve ter seu passado esquecido ao ir pro meio da rua.

Em nosso país, há mesmo uma certa vocação para a caprinocultura expiatória, seja no campo dos esportes (incluindo o meio-campo do futebol), da política, das artes ou em outro qualquer. Sendo ou não cabras (ou bodes) safados, os bodes expiatórios são comuns no nosso meio ambiente, aparecendo sempre que algo deu bode, muitas vezes por incentivo dos meios de comunicação, querendo embolar o meio-de-campo. O técnico zangado, anterior a Dunga, não estava de todo errado quando afirmou que os torcedores eram “caixas de ressonância” da imprensa. Quem assistiu à Rede Globo achincalhando o nosso lateral de meia-idade ou execrando e decretando o fim do francês Zidane e como isso repercutiu na opinião de meio mundo de gente sabe disso.

Temos vários exemplos de bodes expiatórios que, de todos os bodes (ou “everybode”), são os únicos penalizados. No futebol, Roberto Carlos tem, entre outras, a companhia de Toninho Cerezzo, a ovelha negra, ou o bode da vez da copa do mundo de 82 (uma copa não se perde por causa de meio minuto, uma reputação, sim). Como esse meio não é privilégio dos brasileiros, na música, Yoko Ono também possui o título, em reconhecimento a serviços prestados em favor do fim da carreira dos Beatles, do ponto de vista dos fãs, para quem, ao casar-se com John Lennon, ela, literalmente, passou a ter culpa no cartório.

Dando meia-volta e retornando ao futebol brasileiro, percebe-se que os mais jovens, por acompanharem os jogos com mais fervor, por não terem presenciado outros fracassos da nossa seleção, como em 66 e 90 - entre outras tantas conquistas e boas participações - e não conhecerem, até 2006, uma seleção brasileira que não tivesse ido a uma final de copa, foram os mais indignados e, em conseqüência, mais suscetíveis a interpretações precipitadas. Talvez, a geração no entremeio de dois títulos, que não acompanhou a copa de 70 e só viu o Brasil ser campeão em 94, já na idade adulta, mais calejada por tantos percalços futebolísticos, seja mais conformada e transigente com tais fracassos.

Depois de 1986, 1998 e 2006, francamente, o Brasil já é freguês da França. Na última encomenda desse freguês, o tal lance fortuito do gol que nos fez cantar em outra freguesia, foi a linha de impedimento da defesa brasileira que falhou (se os demais jogadores da nossa seleção tivessem arrumado a meia também, em vez de correrem em direção à bola, talvez tivesse sido melhor). Ademais, o Brasil não perdeu a copa porque Roberto Carlos arrumou a meia, o zangado Parreira é que não arrumou um meio de o Brasil ganhar a copa. E em vez de colocar outro meia em seu lugar, apenas amarrou o bode...

21.8.06

“Há várias formas de fazer MPB.
Eu prefiro todas.”


Nos anos 70, os festivais de música popular brasileira não tinham mais a mesma força que na década anterior e os artistas então revelados não mais buscavam reconhecimento, sendo já bastante admirados pelo público. Ao mesmo tempo, a censura abria suas asas e soltava suas feras, em dias nem tão dançantes, de tanta mentira, tanta força bruta...

Foi nesse cenário que a gravadora Phonogram, atual Universal, reuniu seu especial elenco de cantores, os quais representavam o que havia de melhor na MPB à época (e ainda hoje) e realizou o memorável encontro batizado de Phono 73, no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, durante três dias do ano de 1973. Essa histórica apresentação foi lançada, em 2005, em uma caixa com dois CD’s e um DVD, este último, infelizmente, sem a íntegra dos shows, mas apenas 36 minutos de imagens ainda inéditas, entre apresentações e bastidores, tudo o que conseguiu ser recuperado do material filmado na época. Embora a qualidade do som, tecnicamente falando, não seja tão boa e assincronismos entre som e imagem sejam bem perceptíveis em alguns trechos do vídeo, isso não compromete a coleção, que vale pela reunião de tantos talentos, em performances tão ousadas e inovadoras, que fazem o nosso século XXI parecer bem careta em frente àqueles tempos, aos olhos de quem assiste.

O melhor momento do show, registrado no DVD, é quando Chico Buarque e Gilberto Gil aparecem em uma das primeiras apresentações públicas da canção "Cálice", de autoria dos dois, recém-composta. Censurada, a música não podia ser executada em ambientes públicos. Foi então que Gil, com toda sua perspicácia e imaginação, começou a cantar a melodia, emitindo sons vocais por ele inventados, em substituição à letra da música e Chico respondeu, cantando apenas seu inofensivo refrão. Tudo ia bem, até que Chico pôs um "arroz à grega" no meio da letra, em alusão ao fato de que os jornais da época, quando tinham suas matérias censuradas, colocavam em seu lugar receitas culinárias. Foi o suficiente para cortarem o som do seu microfone durante a apresentação (nesse dia, colocaram um censor esperto para acompanhar o show, mas nem tanto, como veremos a seguir), ao que ele protestou ao final da música, dizendo que esse corte não estava programado e era desnecessário ("Estava no programa que eu não posso cantar a música Cálice nem Anna de Amsterdam. Não vou cantar nenhuma das duas, mas desligar o som não precisava não"), o que ficou registrado, graças ao som da mesa de áudio, que permaneceu ligado ("Cálice" só pôde ser gravada em LP no ano de 1978, num dos melhores discos de Chico, que continha, além dessa, outras duas músicas que haviam sido liberadas para execução naquela ocasião: "Apesar de você" e "Tanto mar"). Ao cantar, depois, a música Baioque, de sua autoria, ele diz: "Vamos ao que pode", momento também registrado no CD.

Como todo autoritarismo é irracional e incoerente e o censor não era tão esperto assim (ou só tinha ouvidos pra o bicho-papão Chico), apesar da proibição de "Cálice", permitiu-se que o conjunto MPB-4 cantasse a música "Pesadelo" (ver letra ao final do texto), de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, de letra bem contundente e direta.

Alguns cantores apresentaram-se, sozinhos ou em duplas, em exibições bonitas, polêmicas, contestadoras ou provocantes (não necessariamente nessa ordem, nem fora dela): Caetano Veloso incorporou com sensibilidade e perfeição o sertanejo, ao cantar "A Volta da Asa Branca", de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, quase sem acompanhamento, apenas (?) sua voz e depois dividiu o palco com o cantor "popular" Odair José sob vaias da platéia, ao que respondeu chamando o evento de "Caphono 73" e dizendo que "não existe nada mais Z do que público classe A"; Maria Bethânia e Gal Costa, belas e sensuais com suas barriguinhas de fora, cantaram juntas a bela "Oração de Mãe Menininha", de Dorival Caymmi, beijando-se na boca ao final e Sérgio Sampaio, autor de "Eu quero é botar meu bloco na rua", em uma de suas poucas aparições públicas, fez coreografia um tanto quanto despudorada, considerando-se que naquela época não se estava acostumado com boquinhas da garrafa nem tampouco com vizinhos querendo comer coelhinhos, como hoje em dia. O DVD exibe, ainda, participações de nada menos que Toquinho e Vinícius, Elis Regina e Raul Seixas, entre outros.

O manifesto do evento falava da diversidade da nossa música e da necessidade de se aceitarem todas as formas de expressão, "porque negá-las seria negar comunidades inteiras". E citava uma frase de Gilberto Gil, a qual sintetizava o espírito do festival (que, não por acaso, tinha como subtítulo "O canto de um povo"), e que vem norteando toda sua notável carreira: "Há várias formas de fazer música brasileira. Eu prefiro todas".



PESADELO (Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro)

Quando o muro separa uma ponte une
Se a vingança encara o remorso pune
Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua ela um dia é nossa
Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós, olha aí

Você corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto
De repente olha eu de novo
Perturbando a paz, exigindo troco
Vamos por aí eu e meu cachorro
Olha um verso, olha o outro
Olha o velho, olha o moço chegando
Que medo você tem de nós, olha aí

O muro caiu, olha a ponte
Da liberdade guardiã
O braço do Cristo, horizonte
Abraça o dia de amanhã, olha aí

12.8.06

As duas faces do terror


Certamente, você lembra onde estava no dia 11 de setembro de 2001, um dia de muita angústia, incerteza, tristeza e medo para todos nós. A cena dos aviões chocando-se contra os dois prédios do World Trade Center, em Nova York, nos Estados Unidos, é impressionante, quem a viu nunca vai esquecer e, por mais que você a reveja, não consegue conceber tamanha tragédia. Em frações de segundos, centenas de vidas, nos aviões e nos prédios, acabaram-se e, em poucos minutos, outras milhares também, com a queda das torres. Foram quase três mil mortos e apenas vinte pessoas resgatadas com vida dos escombros. Parecia um filme de guerra, de ficção ou de terror, algo difícil de se esquecer. Parecia um filme e agora é isso também ...

Na semana em que a Inglaterra prendeu supostos suspeitos de planejarem ataques terroristas contra aviões que fazem a rota entre Londres e cidades americanas e há cinco anos dos atentados contra os maiores prédios de Nova York, foi lançado, nos Estados Unidos, o filme "World Trade Center" (traduzido como "Torres Gêmeas", no Brasil), de Oliver Stone que, além de "Platoon", sobre a guerra do Vietnã, dirigiu o filme "JFK – a pergunta que não quer calar", entre outros, e pretende, com este novo filme, dar ao episódio uma visão de esperança e luta em vez de morte e destruição. O filme conta a história real de dois sobreviventes dos atentados, John McLoughlin e Will Jimeno, os quais faziam parte, à época, da polícia de Nova York e que, ao tentarem salvar a vida dos que se encontravam dentro do World Trade Center após o choque dos aviões, acabaram se tornando, também, vítimas, ficando durante horas sob os escombros de uma das duas torres. No elenco, Nicolas Cage como John McLoughlin e Michael Pena, destaque em "Crash – No limite", como Will Jimeno.

O filme, que estréia no Brasil em outubro de 2006, é todo feito do ponto de vista dos dois policiais e, por isso, não mostra os aviões chocando-se contra as torres (que ironicamente situavam-se na Liberty Street), mas sim a angústia e o desespero de quem estava dentro dos prédios após o choque e antes dos desabamentos. Ao optar por mostrar o drama das vítimas, sem, também, analisar politicamente o fato, o diretor agradou à maioria dos espectadores (o filme foi considerado "patriótico" por alguns críticos americanos e foi bem recebido pela maioria da população de Nova York), mas perdeu a oportunidade de mostrar, também, ao mundo que, assim como o WTC tinha duas torres, o terrorismo tem duas faces. Sobre o mesmo tema, o canal de TV por assinatura GNT exibe os documentários "O Centro do Mundo" e "Uma História de Duas Torres", a partir do próximo dia 28 de agosto.

Nada justifica um ato de tamanha insanidade, mas é certo que, com a conivência e o apoio americanos, ou mesmo independente deles, atrocidades semelhantes são cometidas diariamente, em vários cantos do mundo, mas, como não acontecem em locais que têm próximos de si a Quinta Avenida, a Broadway, a Estátua da Liberdade ou a Wall Street, não recebem a mesma atenção da comunidade internacional. Ademais, depois desse triste episódio, milhares de outras vidas inocentes também foram (e continuam sendo) perdidas, no Afeganistão, no Iraque, no conflito entre Israel e Palestina e agora no Líbano, com a presença, o apoio ou simplesmente a indiferença dos Estados Unidos, em guerras insensatas, que não levam a nada e que nunca terminam. Tais guerras só fazem aumentar o ódio contra este país norte-americano, que está em maus lençóis (ou burcas), pois, diferentemente da Guerra Fria, que se autodissolveu, com o fracasso do regime comunista nos países do leste europeu, a guerra atual é de fundo religioso, da parte dos muçulmanos (embora um tanto quanto racista por parte dos americanos) e religião é algo bastante precioso para a população islâmica, a qual não se restringe a um só país, fazendo com que o terrorismo seja um inimigo permanente, disperso, oculto, apátrida e, por tudo isso, difícil de ser combatido, tornando esta uma espécie de guerra eterna e de difícil solução. Antes fosse apenas uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade fosse mera coincidência.

Página oficial do filme: www.wtcmovie.com.

30.7.06

Direita, volver! Esquerda? Vou ver.

Dizem que conselho não serve pra nada. Principalmente se for Conselho da ONU, que vive a desorientar o Oriente Médio (Israel is real!). Por isso, não vou dar conselho, apenas falar sobre as eleições para presidente da República, aqui no Brasil. Enquanto o PCC não lança candidato, vejamos quais são as opções que nos restam, da direita pra esquerda.

Luciano Bivar, o presidente do Sport Club do Recife, quer ser presidente do Brasil, mas não passa do primeiro turno. Ainda bem, pois, a tirar pelo que ele vem fazendo no Sport, se pessoas assim ganhassem as eleições, o Brasil não passaria da segunda divisão e não seria nunca um país de primeira.

Os alckimistas estão chegando, achando terem descoberto o remédio para todos os males, o santo remédio, o "Ópio Dei". Não sabem da missa um terço, nem um cesto. De chuchu. Não nos preocupemos, entretanto. A "pedra filosofal" é bom devoto, mas é ruim de voto. Entende de ex-voto, mas não de voto. Deixemos pra ele apenas a "panacéia desvairada", pois o Brasil já provou dessa droga e de seus genéricos durante cerca de quarenta anos e agora eles estão fora de validade. Vota nele e tu entras pelo cano.

Lula, em algumas ocasiões, avançou o sinal e, por sinal, talvez por isso tenha, agora, resolvido diminuir o valor das multas do código de trânsito. Mas, é que a estrada estava mal sinalizada e ele, correndo muito, pois só tinha quatro anos pra recuperá-la. Não convém, portanto, suspender seu direito de dirigir. Ele tem poucos pontos na carteira de motorista e, pra ser passível de suspensão, o código dá vinte (isso não está me cheirando bem, está cheirando a chuchu, a hóstia hostil, Ópio Dei, ops, Opus Dei). Dêem-lhe, então, um voto de confiança. Dêem o exemplo: nessa eleição, respeitem o sinal vermelho.

Ao escolherem seu candidato, não pensem se é primeiro ou segundo turno, nem em votar em quem tem mais chance. Votem em quem quiserem, votem em vão, votem em Cristóvam. Abram o peito e digam orgulhosos: "Eu votei em Vam"! Não vão se arrepender. Ou então abram as portas e deixem o Sol entrar ...

Heloísa Helena é uma mulher com H maiúsculo (logo dois!). Só veste jeans e camiseta, não tá nem aí pra bolsa, não faz uso de maquiagem e não gosta de quem USA. Agora, receber o apoio de Garotinho é brincadeira! Assim, não brinco mais.

Resumindo:

Direita, volver! Esquerda? Vou ver.

Servidores e SINASEMPU:
a força da União*

Trabalhador sem sindicato
Não é trabalhador de fato
Nem tampouco de direito
É um pobre dum sujeito
Que vive à mercê do patrão
Contenta-se com o ganha-pão
E não luta por seus direitos

Até que ele se aposente
Depois de anos no batente
E aí venha um presidente
E o chame de vagabundo
Na frente de todo o mundo
Num desrespeito total
Na maior cara-de-pau

Se faço protesto, não presto
A fazer greve, quem se atreve?
Se me aposento, sou mal elemento
Uma só voz se perde no vento
Mas a união faz o momento
Lutar sozinho é perda de tempo
Lutemos eu, você e o Sinasempu

Num país de desempregados e míseros salários
De violência urbana e conflitos agrários
De injustiças sociais e preconceitos vários
De muitos discriminados e poucos privilegiados
De promessas fáceis a problemas complicados
Os primeiros passos podem ser dados
Se todos forem sindicalizados

Com um sindicato, a história é diferente
Tem-se alguém que fale por a gente
Como o Sinasempu, sempre presente
Premiando quem é filiado
Denunciando o que está errado
Com Luiz Ivan e Márcia Broxado
Junto aos servidores, lado a lado

O Sinasempu também está presente
Em nossa luta por um salário decente
Contra nepotismo empregando parente
Contra assédio moral patente ou latente
Com postura e atitude que nos fortalece
Por um trabalho justo, digno e sem stress
Pela reestruturação do MPU e pelo nosso PCS



* Trabalho inscrito no concurso literário em comemoração aos dez anos do SINASEMPU (Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério Público da União) http://www.sinasempu.org.br/Concurso/concurso.htm

23.7.06

Coisa mais linda


O filme "Vinícius", de Miguel Faria Jr., exibido nos cinemas em 2005, está agora disponível em DVD duplo. O documentário, sobre a vida e a obra do poeta Vinícius de Moraes, tem direção musical do maestro Luiz Cláudio Ramos, o mesmo que fez os arranjos das músicas do novo CD Carioca, de Chico Buarque e sua bela trilha sonora foi lançada em CD pela gravadora Biscoito Fino.

O diretor Miguel Faria Jr. tem em seu currículo filmes premiados no exterior, como "Pecado Mortal", de 1970 e "República dos Assassinos", de 1979, além de "Para Viver um Grande Amor", de 1984, com roteiro de Chico Buarque para adaptação de uma peça teatral de Vinícius, de nome "Pobre Menina Rica". Por não ter gostado do resultado final desse trabalho (muito bom na parte musical), o diretor sentia-se, desde então, em débito com Vinícius, como afirmou em entrevista, o que o estimulou mais ainda a realizar este filme sobre o poeta.

Vinícius foi crítico de cinema, diplomata e escreveu, em 1956, a premiada e inovadora peça "Orfeu da Conceição", a qual iniciou sua parceria musical com Tom Jobim, que daria origem à Bossa Nova, juntamente com João Gilberto. A peça foi adaptada, depois, para o cinema, em duas ocasiões: no filme "Orfeu do Carnaval", de 1959, dirigido por Marcel Camus e vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e, quarenta anos depois, no filme "Orfeu", de Cacá Diegues. Mas é na poesia e na música sua maior (em todos os sentidos) contribuição, como ele mesmo confirma, em entrevista a Clarice Lispector: "Cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto".

Além de mostrar essa inquestionável importância de Vinícius de Moraes na poesia e na música brasileira, o filme "Vinícius" mostra também aspectos de sua vida pessoal. Aliás, analisando-se a trajetória de sua vida exposta no filme, pode-se concluir que seu espírito jovem, sua simplicidade e o imenso valor que atribuía à amizade explicam a razão de ele ter trocado a vida de diplomata e de poeta, trabalho solitário, pela música popular, onde ele sempre trabalhou com parceiros, com quem se reunia freqüentemente em sua casa. Outras vezes, cedia suas poesias para serem musicadas por então jovens talentos, como a bela "Rosa de Hiroshima", por Gerson Conrad, integrante do grupo Secos e Molhados, e algumas poesias infantis, por Toquinho, no disco "Arca de Noé".

Como se não bastasse o próprio Vinícius, depoimentos interessantes, ora comoventes, ora bastante divertidos de parentes, especialmente suas filhas e de parceiros e amigos como Chico Buarque, Edu Lobo, Ferreira Gullar, Toquinho, Tônia Carrero e Maria Bethânia, contam detalhes curiosos e inusitados de sua vida artística e pessoal, como a origem da letra da música "Pra que chorar" (Vinicius de Moraes / Baden Powell)*, feita para um colega de quarto num hospital e interpretada no filme por Zeca Pagodinho e de seu casamento com Gesse Gessy, atriz baiana. Outros depoimentos, aprazíveis aos amantes da música, relatam as transformações que a mesma sofreu na década de 60 aqui no Brasil e a fundamental participação de Vinícius nesse processo. O filme também exibe cenas que mostram o poeta em momentos descontraídos e inebriantes (novamente em todos os sentidos) com os amigos e em apresentações em palco junto com o parceiro Toquinho, entremeadas por bonitas interpretações de suas músicas e poesias.

Por tudo isso, assiste-se ao filme rindo, emocionando-se ou apenas deleitando-se, mas com um desejo unânime de que ele não termine (ou que seja infinito enquanto dure). Não é à toa que, em várias sessões nos cinemas do Rio de Janeiro, o filme foi bastante aplaudido ao final das exibições.

O segundo DVD tem cenas inéditas de Ricardo Blat e Camila Morgado declamando poemas de Vinícius de Moraes, algo que fizeram com emoção e de forma magistral nas cenas do filme, bem como entrevistas com o diretor Miguel Faria Jr. sobre sua relação com o poeta, o processo de criação e os critérios de seleção das músicas do documentário.





* Pra Que Chorar (Baden Powell / Vinicius de Moraes)

Pra que chorar, se o sol já vai raiar
Se o dia vai amanhecer
Pra que sofrer, se a lua vai nascer
E é só o sol se pôr
Pra que chorar, se existe amor
A questão é só de dar, a questão é só de dor
Quem não chorou, quem não se lastimou
Não pode nunca mais dizer
Pra que chorar, pra que sofrer
Se há sempre um novo amor
Cada novo amanhecer

Feliz aniversário

É um dia normal. Acordamos e estamos um dia mais velhos. Como sempre. Vamos à rua e todos são, a nós, indiferentes. Como sempre. Mas, de repente, percebemos amigos e parentes, pessoas próximas, todos pensando em nós ao mesmo tempo. Como nunca. E recebemos deles doses concentradas de carinho e atenção, por meio de abraços e palavras, gestos e pensamentos, sorrisos e lembranças. Mais do que nunca.

Tínhamos que ter alguma compensação pelo fato de estarmos completando um ano a mais, além da tão propalada experiência de vida. E a compensação é justamente a magia de, em um único dia, mantermos contato com todas as pessoas que nos são importantes, que nos apreciam e estimam e que, nesse dia, concentram em nós suas atenções.

Um sorriso e um abraço sinceros dos que estão por perto valem cada fio de cabelo branco, uma mensagem sincera e carinhosa dos que estão longe vale cada ruga a mais no rosto. Que todos os dias sejam dias de aniversário e no dia seguinte tudo volte ao normal. É assim que devemos envelhecer e é assim que quero envelhecer. Com pessoas estimadas sempre próximas, num lugar "onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais"* (dedico este texto a todos os que, certamente, farão parte desse jardim).

No dia seguinte, tudo volta ao normal ...



* Trecho da música "Casa no campo" (Zé Rodrix e Tavito)

3.7.06

Só queria agasalhar meu anjo ...




Moda e política, embora não combinem e tenham graus de relevância e impacto opostos no cotidiano e na vida das pessoas, já andaram juntas, tempos atrás, quando a estilista Zuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel, fez protestos nas passarelas para denunciar os desmandos da ditadura militar que vitimaram seu filho, Stuart Angel.

No início da década de 70, Zuzu Angel já era uma estilista bastante conhecida no Brasil e no exterior. Seu filho Stuart, militante do MR-8, organização de esquerda brasileira, foi preso, torturado, assassinado e dado como desaparecido político no governo militar de Médici, em 1971, quando tinha 26 anos. A partir de então, ela iniciou uma luta ávida e destemida pela localização e recuperação do corpo de seu filho e protestou contra o regime militar com o instrumento de que dispunha, a moda. Denunciou através de suas vestes e de antológicos desfiles, como o realizado no consulado brasileiro em Nova York, no qual ela, que tinha os anjos como marca de suas confecções, devido a seu sobrenome, utilizou como motivo das estampas de sua coleção anjos machucados, feridos, sangrando. Em seus "desfiles políticos", os manequins desfilavam com vendas nos olhos e mordaças na boca. Sem perder tempo, fez denúncias à ONU, fez protestos até em aviões, aproveitando suas viagens e pediu apoio a artistas, intelectuais e políticos de esquerda.

Há exatos trinta anos, Zuzu Angel morreu em um estranho acidente de carro, no túnel Dois Irmãos (que posteriormente recebeu seu nome), no Rio de Janeiro, uma semana após escrever uma carta a seu amigo, o compositor Chico Buarque de Hollanda, dizendo-se ameaçada e responsabilizando o governo dos militares, ou os assassinos de seu filho, como ela se referia a eles, por algo de ruim que porventura lhe acontecesse. No ano seguinte à morte da estilista, em 1977, Chico Buarque compôs em sua homenagem a bela música Angélica, em parceria com Miltinho, do conjunto MPB-4 (ver letra ao final do texto) e gravou-a em seu disco Almanaque, de 1981.

Em um comovente artigo publicado há dois anos no JB Online, "Letra para uma mãe lutadora", Hildegard Angel, irmã de Stuart e atualmente colunista do Jornal do Brasil, conta como se emocionou ao escutar a gravação dessa música pelo conjunto Quarteto em Cy, enviada para ela pelas integrantes do grupo. Seu depoimento é tocante, principalmente quando se refere a um trecho da letra que diz: "Só queria embalar meu filho que mora na escuridão do mar". O corpo de Stuart Angel nunca foi encontrado, tendo sido jogado ao mar, segundo relatos da época. Sobre esse fato, ela diz que, anos depois, encontrou uma poesia feita por seu irmão na adolescência, parafraseando Dorival Caymmi, ao afirmar que "é doce morrer no mar". Diz também que, à época de seu desaparecimento, recebeu de um pai-de-santo a notícia de que ele se encontrava no fundo do mar, quando ela ainda alimentava esperanças de encontrá-lo vivo. Ainda mais inusitado é o fato de que o pai-de-santo era o compositor Herivelto Martins

Esta página infeliz da nossa história será relembrada no filme Zuzu Angel, de Sérgio Rezende, que tem estréia nacional no próximo dia 4 de agosto. O roteiro é uma parceria entre o próprio Sérgio Rezende e Marcos Bernstein, roteirista do premiado e bonito filme Central do Brasil e a produção é de Joaquim Vaz de Carvalho, amigo de Stuart. Além de Angélica, de Chico Buarque e Miltinho, o filme tem, também, música de Cristóvão Bastos.

No elenco, além de Patrícia Pillar como protagonista, no papel de Zuzu Angel, estão atores experientes como Ângela Vieira, Othon Bastos e Nelson Dantas, que faleceu este ano, em seu último trabalho, e os jovens e talentosos atores Leandra Leal, que vem se destacando em trabalhos na televisão e no cinema, mas ainda não recebeu um papel à altura de seu talento e Daniel de Oliveira que encantou no papel-título de Cazuza – O tempo não pára, um filme inesquecível para quem viveu a época e era admirador do poeta; será Frei Betto em Batismo de Sangue, que também fala de política à época da ditadura e interpretará Stuart Angel nesse longa-metragem que traz ainda no elenco Alexandre Borges e Luana Piovani no papel da simpática Elke Maravilha (que, aliás, faz uma ponta no filme), a modelo preferida e amiga íntima da estilista, que foi presa por protestar em sua defesa, em episódio retratado na película.

O filme chega em boa hora, perto das eleições, para reavivar a memória dos espectadores e para que as gerações mais novas possam saber melhor quem é essa mulher, pois a moda agora é esquecer que estilistas sem talento que costuraram o triste destino do Brasil e modelos que desfilavam na Arena daqueles tempos, vestindo-se num estilo conservador e retrógrado, e que se mantiveram na mídia até bem pouco tempo, querem, agora, voltar às passarelas, pôr novamente as mangas de fora e posar travestidos de "prafrentex", como se dizia naquele tempo.




Angélica (Miltinho - Chico Buarque)

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar



Mais informações sobre o filme em:
http://www.zuzuangelofilme.com.br

25.6.06

Em ponto de Ballack

Antes de o Brasil querer vencer a Copa, é preciso jogar com Gana. Como diz Milton Nascimento, é preciso ter gana sempre. A seleção de Gana tem. E tem também Appiah pra lavar a alma dos simpáticos "gananciosos".

Um Klose na equipe da Alemanha, mostra-nos que a mesma, se não começou bem, agora já está em ponto de Ballack. No mais, nossos adversários não oferecem tanto perigo assim. A Argentina já Tevez melhores jogadores e dizem que os holandeses ainda Van Joggar Ben em futuras Copas. Se não, a menos que os juízes Robben, eles Van Der Sar sempre. E a França que Zidane.

A Itália, sempre candidata ao título e com bons times em outras Copas, está com um futebol Grosso, pelo menos Nesta. Aliás, o intestino está bem representado nesta Copa. Além do Grosso, italiano, temos também o Delgado, equatoriano (e outro angolano). O resultado, você sabe qual é: a Copa está uma merda. Muitos cartões, árbitros cheios de arbitrariedades, poucos gols e poucas jogadas bonitas e empolgantes. Acho que a seleção da Copa vai ser a dos treinadores. Imaginem um meio de campo com Van Basten, Klinsmann e Zico. Nada mal, hein?

Das zebras, ficou provado que a Costa Rica tem um futebol pobre e não ameaça nem com gritos de Porras no gol. A última colocada deste mundial mostrou que não Servia mesmo para o futebol. Desse título, Montenegro escapou, pois a Fifa já havia determinado que esta participação seria creditada à Sérvia para efeitos estatísticos. A Croácia só tem um jogador de destaque, Prso, que já fez tanto gol de letra que faltou letra no nome dele. A Costa do Marfim, que tem em seu quadro Kalou e Boka, volta pra casa em silêncio. E o México, apesar de ser o time de Bravo que é, mesmo com Sanchez, ficou sem chances.

No Brasil, Émerson e Roberto Carlos talvez devessem tentar carreira na Fórmula 1 e na música, respectivamente, porque no futebol eles estão devagar e sem emoções. Cafu devia sair, pois não é recomendável uma defesa brasileira Cafu-Dida. Finalmente, entendi porque dizem que o Quadrado Mágico é formado por astros. É que, enquanto Adriano e Ronaldo buscam um lugar ao Sol, Ronaldinho e Kaká vivem no mundo da Lua.

6.6.06

Música inspirada



Música é perfume. Esta é uma frase dita por Maria Bethânia, num trecho do documentário de mesmo nome, dirigido pelo francês Georges Gachot. O documentário é uma verdadeira perfumaria, com fragrâncias suaves e tradicionais, como Gente humilde, Bom dia tristeza, Luar do sertão, Olhos nos olhos e Samba da benção e outras mais fortes e encorpadas, como Purificar o Subaé e Ya Ya Mussemba.

Entre um e outro aroma, depoimentos de pessoas bem próximas a ela, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Nana Caymmi, seu irmão Caetano Veloso e sua mãe, dona Canô. Em uma parte do filme, Caetano explica que Bethânia, no início de sua carreira, não se identificava com o estilo comedido da bossa nova, embora a admirasse, pois tal estilo opunha-se a sua voz forte e a toda a dramaticidade que ela apresentava, e que traz consigo até hoje, o que a fez, à época, buscar referências musicais nos compositores mais antigos e com maior carga dramática, como Lupicínio Rodrigues e outros.

Interessante também o comentário da cantora sobre sua voz, tratada por ela como uma entidade à parte, independente e com vida própria: "A voz mora em mim, mas não sinto como se fosse minha. É uma expressão de Deus". Por isso, quando Gilberto Gil define a voz de Bethânia como "a fricção entre o tudo e o nada" ou "entre o corpo e a alma", embora essa frase venha provocando risos nas exibições do documentário, qual Terezinha (de Chico) ao terceiro homem, eu entendo o que ele quer: mostrar, justamente, esses dois lados de sua voz, forte e racional (corpo), mas também sensível e emocional (alma), concreta e abstrata, tudo e nada (Tá bom, podem me chamar de Gil, ficarei bastante orgulhoso).

Na parte musical, o filme é metade palco, metade estúdio. Mostra trechos do espetáculo Brasileirinho (eu não poderia chamar de ‘show’ algo tão brasileiro) no Rio de Janeiro e na Bahia, ensaios, bastidores, bem como todo o envolvimento da cantora no processo de gravação de um disco, como em "Que falta você me faz", em que se pode observar sua sensibilidade, preocupação com detalhes e participação na escolha dos arranjos musicais, junto com Jaime Alem, seu diretor musical e arranjador, com quem ela demonstra ter bastante entrosamento.

No estúdio, ela vibra, dá palpites e é exigente. No palco, com seus pés descalços e cabelos esvoaçantes, ela entrega-se, transforma-se e emociona-se. Somente as emoções, como num drama, tão bem definido por Caetano e cantado por ela: "E ao fim de cada ato, limpo num pano de prato as mãos sujas de sangue das canções". Tudo isto nos ajuda a entender porque seus shows e discos resultam tão esmerados e bem feitos. Por sua vez, este compromisso com a perfeição sem deixar de lado a emoção, pelo contrário, pondo-a sempre à frente e em primeiro lugar, talvez explique sua enorme empatia com o público.

Nas cenas externas, bonitas imagens do Rio de Janeiro, de Salvador e de sua terra natal, Santo Amaro da Purificação, com seus habitantes e sua vida simples, que lembram a Bethânia, que completa 60 anos de vida neste mês de junho, a importância de suas origens, de sua infância e um episódio que ela considera ter sido seu primeiro exercício de concentração, ainda na infância, com o mano Caetano.

18.5.06

Carioca sob medida para todos


Não poderia inaugurar este blog em melhor estilo, ao falar de um carioca. Não do Zé, mas do Chico, assim chamado durante sua adolescência em São Paulo. Seu pai era paulista; seu avô, pernambucano; seu bisavô, mineiro; seu tataravô, baiano. Isso mesmo. Nos dias de hoje, ele é mais conhecido como Chico Buarque de Holanda e acaba de lançar seu novo disco, "Carioca", depois de longas e tenebrosas estações (e transações também): seu último CD com músicas inéditas foi "As Cidades", de 1998.

Este seu novo trabalho é o primeiro pela gravadora Biscoito Fino (cada vez mais fino), o novo dono da voz. Além do CD, será lançado também um documentário em DVD, com uma hora de duração, intitulado "Desconstrução", contendo o processo de elaboração do álbum e os bastidores das gravações. Nem todas as faixas do CD são inéditas, algumas já foram gravadas por outros cantores, outras por ele mesmo, como "Ode aos Ratos", dele e de Edu Lobo, da peça musical "Cambaio".

Todas as doze faixas do disco são de sua autoria, cinco delas em parceria, inclusive uma inédita com o cantor e compositor Ivan Lins, a música "Renata Maria", também já gravada anteriormente por ele, neste caso, junto com a cantora Leila Pinheiro, em seu último trabalho. As outras músicas compostas em parceria foram: "Bolero Blues", com o baixista de sua banda Jorge Hélder (em uma das boas cenas do DVD, Hélder chora ao saber que Chico pôs letra em sua música e selecionou-a para o CD); "Leve", com o cantor e compositor Carlinhos Vergueiro, composta em 1997 e gravada pela cantora Dora Vergueiro, nesse mesmo ano, em seu disco e "Imagina" com seu maestro soberano, Antônio Brasileiro, Tom Jobim, a qual Chico canta em dueto com a cantora Mônica Salmaso. Uma curiosidade é que a melodia de "Imagina", de 1947, é a primeira feita por Tom Jobim. A letra foi feita bem depois por Chico, em 1983, quando a canção entrou na trilha sonora do filme "Para Viver Um Grande Amor", interpretada, então, por Djavan e Olívia Byington.

Além de "Imagina", outras músicas também foram feitas por encomenda para trilhas sonoras de filmes, como "Porque Era Ela, Porque Era Eu", composta para o filme "A Máquina", de João Falcão, atualmente em exibição nos cinemas e "Sempre", do novo filme de Cacá Diegues, "O Maior Amor Do Mundo", com estréia prevista para setembro deste ano (veja letra ao final do texto).

As músicas "Ela Faz Cinema" e "As Atrizes", embora não tenham sido feitas para nenhum filme específico, têm a sétima arte como tema. Completam o CD as faixas "Subúrbio", "Outros Sonhos" e "Dura na Queda", que tem o sub-título de "Ela Desatinou nº 2", feita por Chico em homenagem a Elza Soares, e gravada por ela no seu bastante elogiado e premiado CD "Do Cóccix ao Pescoço", lançado em 2002.

Além de Mônica Salmaso, o disco tem também participações de Dominguinhos, que toca acordeon na faixa "Outro Sonhos" e de Daniel Jobim, no piano, na música "Imagina". Os arranjos são do maestro Luiz Cláudio Ramos.

P.S.: Pessoas especiais não são preconceituosas e Chico não é exceção: aceitou participar do novo disco da dupla Zezé Di Camargo e Luciano, cantando junto com eles a música "Minha História", sua versão para a música italiana "Gesùbambino" (Dalla – Palotino).



Sempre (Chico Buarque)

Sempre
Eu te contemplava sempre
Te mirei de mil mirantes
Mesmo em sonho estive atento
Para poder lembrar-te sempre
Como olhando o firmamento
E as estrelas cintilantes
Que se foram para sempre
No teu corpo em movimento
Os teus lábios em flagrante
O teu riso, o teu silêncio
Serão meus ainda e sempre
Dura a vida alguns instantes
Porém mais do que o bastante
Quando em cada instante é sempre